Anna Rosa Sousa chegava próximo da metade da graduação de Serviço Social. Escolheu o curso por incentivo da família e identificação com causas sociais. Porém, quando a pandemia da Covid-19 chegou, o baque da perda do emprego fez a jovem de 27 anos repensar as prioridades na casa. Conseguiu segurar até o mês de junho de 2020 mas, quando o pai morreu vítima da doença, decidiu que o melhor a fazer, no momento, era abandonar o curso.
“Além de superar a dor da perda do meu pai, tive que abandonar um sonho que também era nosso”, conta à reportagem. Quase dois anos fora da sala de aula, ela aguarda conseguir um emprego para poder pagar a mensalidade da faculdade, mas as expectativas ainda não são boas.
Ao sair do ensino superior, Anna entrou para a estimativa de mais de 3,78 milhões de estudantes que abandonaram suas graduações em 2020, no Brasil. Em uma série histórica de oito anos, a estimativa representou a maior taxa de evasão das universidades no país, alcançando cerca de 37,2% de evasão. Em 2021, a redução foi de apenas 0,6%. Ao todo, foram mais de 3,4 milhões de alunos que cancelaram suas matrículas em instituições de ensino superior privado.
As dificuldades trazidas pelo ensino remoto dentro das instituições, somadas às fragilidades no sistema econômico – desemprego e aumento do trabalho informal – marcam os principais motivos das desistências dos alunos das faculdades privadas. Em geral, o perfil dos estudantes que evadem das instituições são pessoas que precisam trabalhar para estudar. Porém, com prioridades e instabilidade financeira, a mensalidade dos cursos acaba sendo o primeiro corte de gastos na renda familiar.
“Aulas remotas e a falta de acesso à internet ou aparelho para se conectar é um dos desestimulantes para grande parte dos alunos”, explica a especialista em educação Mônica Freitas. Um dos caminhos para poder fazer com que os alunos possam voltar para as salas de aula seria a criação de políticas de permanência e financiamento estudantil.
Mônica explica que o cenário das salas de aulas precisa se adaptar para receber um aluno que está há quase dois anos fora desse ambiente. Mesmo com o retorno das aulas presenciais, para que não haja mais evasão, é necessário que as instituições possam prestar auxílios de atenção à saúde física, mental e acompanhamento pedagógico de forma integrada. “Não é normal que os alunos sejam mandados para as salas como se quase dois anos de pandemia e em frente à telas não significasse nada”, destaca a especialista. “É preciso ter um novo ambiente para os espaços que formam os profissionais”, destaca.
Dentro do panorama de evasão, encontra-se o cenário de inadimplência. O saldo negativo também foi considerado o maior dos últimos anos durante 2020 e 2021. As estatísticas chegam próximo de 10%.
Raimundo Nonato da Silva atravessou o sétimo e oitavo período de Direito a duras penas em 2020. Mas quando 2021 chegou, as contas se acumularam e ele já não conseguia renovar a matrícula. Por conta da situação, se viu obrigado a trancar o curso e pagar o que devia para a faculdade.
A realidade se estendeu para muitos alunos da sua turma. No grupo do WhatsApp dos colegas, as reclamações e dificuldades de pagamentos são compartilhadas entre a maioria. “Fui obrigado a parar o meu sonho por um ano, mas com a expectativa de novos trabalhos surgindo, ainda em março de 2022 posso retornar à faculdade”, conta Nonato. Se tudo der certo, ele se tornará bacharel em Direito em novembro, aos 50 anos, e prestará a prova da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para ser advogado.
O cenário de insegurança na educação superior é um dos receios que o Brasil que tenta se reerguer após dois anos de pandemia irá enfrentar. Para tanto, outra estratégia que Mônica cita são possibilidades de financiamento e parcelamentos de dívidas – para alunos com inadimplências – para que possa haver esse retorno. “Deve haver financiamentos possíveis e formas seguras de inserir esse estudante no mercado de trabalho após a sua formação”, pontua a especialista. “Se não, estaremos colocando profissionais endividados no mercado de trabalho”, frisa.
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