Em Teresina, antes do tempo fechar, os grupos de WhatsApp se enchem de mensagens de alertas. Quando as primeiras horas de tempestades caem, as notificações dão espaço para vídeos e fotos de trechos alagados e carros flutuando sob a água acumulada – sobretudo na zona Leste da capital, nos bairros dos Noivos, São Cristóvão e Fátima. Os problemas não são de hoje mas, recentemente, provocaram duas vítimas na cidade.
Wana Sara Cavalcante, de 39 anos, desapareceu quando o carro foi sugado para uma cratera no cruzamento da avenida Homero Castelo Branco e a rua Eustáquio Portela, no dia 4 de fevereiro. O carro só conseguiu ser encontrado no dia seguinte, bastante destruído. O corpo de Wana foi localizado na saída de um bueiro, dois dias após o acidente, próximo à Floresta Fóssil, a poucos metros do rio Poty.
A mulher era professora da Secretaria Municipal de Educação de Teresina (Semec) e, antes da tragédia, estava na academia. Wana saiu para encontrar amigas em um restaurante. Com a chuva, elas desistiram do plano e foram embora, separadamente. Wana seguiu pela Avenida Homero Castelo Branco, uma das principais vias com histórico de alagamento. O laudo do Instituto Médico Legal constatou a morte por afogamento.
No dia 1° de janeiro, a cidade já havia testemunhado uma morte similar. O chefe de cozinha João Marcelo trafegava pela Rua Plutão, no bairro Satélite, com mais cinco pessoas dentro do veículo. Todos conseguiram deixar o carro, porém, João não saiu a tempo.
O estadodopiaui.com conversou com um engenheiro para entender o que ocorre nesses trechos da cidade. Segundo Hércules Medeiros, a zona é um “labirinto”. Isso porque, com o crescimento urbano e pavimentação exacerbada, não há uma drenagem efetiva para a retirada da água acumulada pelas chuvas. “Imagine um espaço de 50 metros que acaba sendo ocupado em torno de 40 metros com edifícios e prédio, restando apenas 10 para a água passar: assim é grande parte de Teresina”, destacou.
As soluções seriam a criação de galerias, porém, as medidas resolvem a longo prazo. E com o crescimento desenfreado da cidade, poderiam não ser paliativas. “Em cinco anos, se o problema estrutural não for resolvido, é capaz de termos o mesmo cenário atual”, apontou o engenheiro.
O impasse das construções das galerias não é novidade. Há uma década, ainda na gestão do prefeito Elmano Férrer, foi assinado um convênio com a Caixa Econômica Federal – no valor de R$37,5 milhões – para a obra de drenagens urbanas. O dinheiro seria destinado para criação de “grandes galerias” na região Leste da cidade.
A obra era para ter sido inaugurada em 2012. Na época, era comemorado a construção das galerias ao lado do Teresina Shopping, no bairro Noivos. Iniciada em outubro daquele ano, a previsão de entrega era dali a quatro meses.
Leia mais: Bonito pra chover? Teresina foi a capital brasileira que mais choveu no primeiro dia do ano
Porém, uma sucessão de licitações impediram o progresso das obras. Em nota, a prefeitura anunciou a paralisação, alegando problemas de ordem técnica. Era a terceira licitação que tentava dar continuidade as construções. O superintendente da então Superintendências de Desenvolvimento Urbano da Zona Leste (SDU), Francisco Canindé, falou que era um procedimento normal em praticamente todas as obras.
Firmino Filho se elegeu logo após o final do mandato de Elmano. O ex-prefeito herdou a obra mas, pontuou que o que parecia uma simples execução, encontrou desvios devido às intervenções constatadas – nas travessias da Avenida João XXIII, Homero Castelo Branco e Presidente Kennedy. Sem explicar muitos detalhes, uma nota da PMT prometeu que o projeto seria concluído em dezembro de 2020.
Com a chegada da pandemia da Covid-19, nada mais foi comentado sobre a obra. Em 2021, uma nova gestão, fora do grupo político do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), iniciou. O médico Doutor Pessoa e o vice ex-delegado Robert Rios, inauguram novas promessas. Entre elas a de que logo no primeiro mês de gestão, entregariam as galerias da zona Leste.
Passado um ano do compromisso, no segundo dia do ano de 2022, o novo prefeito confirmou que as obras estavam em andamento. “Daqui a trinta dias vamos atravessar a Homero com a obra feita, com drenagem subterrânea”, disse Dr. Pessoa, alegando que, caso fosse necessário, contrataria outra empresa para que a obra ganhasse celeridade.
Pouco mais de 30 dias, a reforma não estava sendo realizada e duas pessoas perderam a vida tentando se locomover na cidade.
Entre rios
Há pelo menos meio século, quem mora em Teresina sabe que quando chove é uma verdadeira odisséia cruzar de uma zona para a outra. Isso porque, a cidade nasceu entre dois grandes rios – Poty e Parnaíba – que também recebem contribuições de riachos, córregos e cursos d’água.
A capital cresceu descontroladamente. Na zona Leste, bairros como Jockey e Fátima foram diariamente sendo os pontos mais requisitados para a construção de prédios residenciais e pontos comerciais. “A capital foi construída sem controle urbano, de forma desordenada, em cima da água. Os prédios e casas estrangularam os riachos que passavam por aqui”, explica o geólogo Sidney Santos, acerca da impermeabilização do solo feita para dar espaço às construções.
Com uma drenagem mal conduzida, a situação de alagamento pode se alastrar para outras zonas da cidade. Na Avenida Marechal Castelo Branco, ele cita a implementação de “bocas de lobo” – sumidouro localizado ao longo das vias pavimentadas para onde escoam as águas da chuva -, mas que por falta de reparo, causam erosões no solo de até 12 metros. “São verdadeiras crateras”, aponta.
Em Teresina, que não foge da realidade de outras capitais, a construção das galerias é uma solução para o problema. No entanto, é preciso que o projeto inclua frequente manutenção. Sidney detalha que, sem a devida fiscalização, mesmo que haja as estruturas, elas são fadadas à entupição por lixo ou corrosão causada pela força da água.
Outro ponto importante é o papel da população. Sem conscientização do descarte de lixo, tudo que é descartado na rua é arrastado para as galerias. “Cuidar do espaço urbano e ter consciência com o meio ambiente também está dentro do projeto de infraestrutura da cidade”, complementa o geólogo. “Sem criação de galerias, fiscalizações das obras e responsabilidade social, vamos continuar assistindo a essas tragédias anunciadas”, finaliza.
0 comentário