No próximo ano completam-se 200 anos do dia em que o capitão Luiz Rodrigues Chaves, comandante da guarnição local da vila de Campo Maior, convocou voluntários da região para um inevitável combate. Sem qualquer preparo militar, mas decididos a lutar pela liberdade, vaqueiros, sertanejos, e alguns soldados se armaram com o que tinham para enfrentar o exército comandado por João José da Cunha Fidié – o enviado da coroa para conter qualquer respingo da onda revolucionária por aqui. O embate, ou, a tragédia do Jenipapo, como alguns pesquisadores contam, é um capítulo fundamental – e meio esquecido – da história da independência do Brasil.
Campo Maior – a cidade com quase 50 mil habitantes, conhecida hoje pela carne de sol e seu belo e torneado açude – era só um pasto católico em 1823. Mas ficava exatamente na metade do caminho que o soldado português percorria entre a cidade de Parnaíba – que tinha acabado de proclamar sua adesão à causa brasileira em 19 de outubro de 1822 – e a capital, Oeiras – para onde Fidié retornava na tentativa de controlar também os clamores separatistas.
Ao redor da igreja de Santo Antônio, padroeiro da cidade, desenvolviam-se as primeiras casas e fazendas. Hoje, ali na praça Bona Primo, apenas um mosaico artístico relembra o episódio ocorrido séculos atrás – um soldado português rende um sertanejo armado de foices e facões, na batalha às margens do rio Jenipapo. Não há placas nem registros de que aquele chão presenciou uma resistência única à dominação portuguesa crucial para a história do país.
“Só a loucura patriótica explica a cegueira desses homens que iam partir ao encontro de Fidié quase desarmados”, escreveu o historiador Abdias Neves, anos depois, ao estudar documentos do passado. Mas, para Odilon Nunes, patriotismo não era bem um conceito claro na cabeça de simples vaqueiros daquele século, que teriam mesmo partido para a guerra motivados por bravura e honradez, virtudes admiradas, e que faziam quem as tinham serem amados e respeitados.
Pouca coisa na cidade respira o clima de orgulho e patriotismo de seus antepassados. Às vésperas do dia 13 de março, data em que se comemora os 199 anos da Batalha do Jenipapo, nossa equipe de reportagem desembarca em um cenário calmo e cotidiano no centro histórico do município. Pela primeira vez em muito tempo, os tradicionais eventos que marcam a data foram cancelados. Uma equipe de funcionários do governo terminava os últimos ajustes no monumento símbolo da batalha – erguido em 1973, no governo Alberto Silva.
Nesse pedaço de chão resistente, conversamos com o historiador João Alves Filho, uma verdadeira enciclopédia da história campomaiorense. “Se Fidié tivesse chegado a Oeiras com a saúde bélica que ele tinha, o Brasil não seria independente”, diz o presidente da Academia de Letras da cidade. Também ouvimos os relatos de Antônio Miranda, uma espécie de guardião do monumento, em memórias que se confundem entre história, lendas e superstições sobre a guerra, passada de geração para geração. É ele que nos fala, por exemplo, das mulheres guerreiras e a participação feminina na batalha, uma história até hoje contada apenas por homens e sobre homens.
E por falar em mulher, nossa expedição se encerra em uma casa a poucos metros da praça matriz. É ali, em um jardim colorido, que encontramos viva talvez a última descendente de um combatente da Batalha do Jenipapo: a parteira quase centenária, dona Iracema. É na fagulha da memória dela e nos olhos curiosos de Isabele – uma garotinha de cinco anos que pediu aos pais para ir conhecer o lugar onde ocorreu tudo, séculos antes dela vir ao mundo – que está a bravura e coragem sertaneja, capaz de resistir e lutar, com esperança, pelos seus ideais.
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199 anos depois, relato de moradores da cidade dão novos olhares sobre a Batalha do Jenipapo
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