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Do sangue à fé

"Almas dos heróis" anônimos da Batalha do Jenipapo atraem fiéis no Piauí - e de todo o Brasil em busca de milagres

14 de março de 2022

Edição Luana Sena

Com pouco menos de 50 mil habitantes, Campo Maior não se diferencia das muitas cidades sertanejas no nordeste brasileiro. O vai e vem na cidade é tímido, entrecortado pelas conversas de quem se encosta nos pequenos comércios e portões para trocar uma conversa. Uma cena atípica nas grandes cidades, se faz comum por ali, quando antes do sol se pôr, alguns moradores sentam-se, tranquilos, à porta das casas e observam o movimento da rua. 

Na Praça Bona Primo, à véspera do aniversário de 199 anos da Batalha do Jenipapo, a cidade permanecia calma. Se não fosse pelas risadas e diálogo de quatro estudantes de jornalismo da Universidade Federal do Piauí (UFPI) finalizando um trabalho do curso sobre a própria cidade e a equipe de reportagem do oestadopiaui.com, o silêncio no lugar se confundiria apenas com o som de motocicletas e os passos apressados de quem cruza o perímetro no centro histórico de Campo Maior.

A tranquilidade que impera faz contraste com os fatos que marcaram uma guerra há dois séculos. Assim como Euclides da Cunha escreveu em “Os Sertões”, que o sertanejo é, acima de tudo, um forte, Campo Maior abriga uma história sustentada na fé e coragem. Enquanto a valentia dava o tom de força necessária para piauienses, maranhenses e cearenses partirem à luta pelos seus ideais, era a fé que mantinha – e ainda mantém – a determinação do povo que vive por ali. 

Sepulturas dos heróis do Jenipapo (Foto: Juliana Andrade / O Estado do Piauí)

 

A história dos heróis, contudo, é emoldurada pela atmosfera católica na cidade. A igreja, um dos principais símbolos físicos da fé dos campomaiorenses, teve sua criação costurada com a história da Batalha. Fundada quase 100 anos antes da guerra, em 1712, o fazendeiro Bernardo Aguiar colocou dinheiro e um pedaço da sua fazenda para levantar o templo. A partir dessa obra, a cidade foi sendo construída ao redor dela. Se, antigamente, à sua esquerda se concentrava um cassino e à direita um bordel, atualmente a Igreja tem vista para a Academia de Letras de Campo Maior e a Câmara dos Vereadores do município. 

Foi dali, em frente à igreja do santo casamenteiro – e também das causas perdidas – que mais de dois mil homens empunhando facões, foices, enxadas e machados, se juntaram na madrugada do dia 13 de março em oração, antes de ir ao campo de batalha da guerra que daria norte para um dos principais passos à Independência do Brasil. Apesar de Santo Antônio ser considerado o santo do amor, os homens iam mesmo era em busca de um milagre. Em homenagem, todas as missas de domingo no templo relembram os heróis anônimos, mas ao meio-dia do dia 13 de março, esse clamor se torna ainda mais forte no lugar. “Pode fazer chuva ou sol, mas vem gente de todos os cantos rezar pelas almas do Jenipapo”, conta o historiador João Alves Filho. “A fé do povo é o que ainda mantém a gente, apesar de humildes, soberanos”. 

Local é de peregrinação de fiéis o ano todo e recebe oferendas e ex-votos. (Foto: Juliana Andrade / O Estado do Piauí)

Há pouco mais de 10 quilômetros da igreja, na saída da cidade, encontra-se o Cemitério do Batalhão, onde estão enterrados os mortos na batalha à beira do Rio Jenipapo. O local, em 1938, foi tombado pelo Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – e em 1990, foi declarado Monumento Nacional. Apesar de muitos homens combatentes permanecerem no anonimato, os piauienses Luís Rodrigues Chaves, à época, comandante da guarnição, o tenente-coronel João da Costa Alecrim e o vereador de Campo Maior, Simplício José da Silva, são alguns dos nomes cravados nas homenagens instaladas no local. Homemade porn https://www.amateurest.com/ USA. 

O Monumento do Jenipapo, como também é conhecido, protege as sepulturas e chama gente de todo lugar do Piauí e também do Brasil. São muitas as histórias de pessoas que tiveram graças atendidas pelas almas dos heróis anônimos. Recentemente, uma mulher paraense veio de Belém pagar duas promessas – como agradecimento às graças alcançadas, comprometeu-se a capinar o mato que cresce escondendo o cemitério. Quando chegou lá, no entanto, o terreno estava limpo e recém reformado. “Ela esperou dois meses para o mato crescer e voltou mesmo”, conta Antônio Miranda, funcionário da secretaria de cultura local e coordenador do monumento. “Isso faz parte da nossa história e das nossas crenças. Desacreditar é quase um desrespeito com a memória deles”.                               

Do vaqueiro ao político: todos se apegam as almas dos bravos combatentes que ali morreram (Foto: Juliana Andrade / O Estado do Piauí)

                                                                                                               Ao longo do ano, não é incomum visitar o local e encontrar pessoas conversando com as sepulturas. No local, perto da antiga cruz implantada no primeiro centenário da batalha, um novo altar foi recentemente erguido e por lá repousam esculturas em madeira e acessórios deixados como oferendas e preces aos heróis, amontoados ao redor das velas – são os famosos ex-votos. Os pedidos variam e vão de estudantes apreensivos à cura de doenças graves. O perfil dos fiéis também é diverso: de vaqueiros humildes à políticos do alto escalão – todos se apoiam na memória da brava gente sertaneja que fez história e colocou o nome do Piauí na rota da independência do Brasil.  

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Categorias: Reportagem

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