A 10 quilômetros do centro de Campo Maior, duas hastes vermelhas erguidas sob uma curva suave na BR-343, que liga a capital do Piauí ao litoral, se tocam no céu. Estreitas e varonil, elas simulam a boca de fogo de dois canhões – em letras prateadas, quem cruza a estrada consegue ler em um deles: “Batalha do Jenipapo”, e no outro: “Berço da independência”.
O monumento foi erguido em 1973, na gestão do governador Alberto Silva. A homenagem tinha o intuito de preservar a história e memória daqueles que lutaram, ali, às margens do riacho Jenipapo, para defender a independência do Brasil em 1823. Antes da rodovia de asfalto existir, uma estrada de terra contornava o riacho pelo lado oposto – por isso, a primeira placa em homenagem ao centenário da batalha foi erguida de costas para o que hoje é o monumento Batalha do Jenipapo.
No próximo ano, este episódio célebre que marca a participação do Piauí nas lutas pela independência completa 200 anos. Ao longo desses dois séculos, diferentes governos encontraram maneiras de prestar solenidades aos combatentes que morreram na Batalha do Jenipapo – tradicionalmente, a cidade realiza uma missa pontual, sempre ao meio-dia do dia 13 de março e se prepara para receber turistas e visitantes.
Desde 2019, no entanto, os festejos foram suspensos em Campo Maior. A princípio, para conter as aglomerações e controlar a pandemia do coronavírus. Este ano, porém, os habitantes esperavam a solenidade e, como de praxe, alguns reparos foram feitos no local – que preserva também as sepulturas dos heróis anônimos que morreram em sucessivos combates contra as tropas portuguesas.
O espaço, que preserva um pequeno museu, estátuas de cavaleiros e placas de aço que contam a história, recebeu uma nova pintura e reparo nos espelhos d’água. Além disso, o altar com o cruzeiro onde fiéis e devotos em sagas de promessas depositam seus ex-votos ganhou um novo calçamento e uma cruz de madeira nova, que Antônio Miranda, coordenador do local, nos mostra com orgulho – a antiga foi queimada pelo amontoado de velas que se acendem em preces e orações no local.
Mesmo assim, na última sexta-feira, dia 11, às vésperas do aniversário da batalha, o governo cancelou o evento presencial que aconteceria no domingo. A nota oficial da CCOM alegava atraso na etapa das obras de reforma e requalificação do monumento. “Com isso, o local ficou impossibilitado de receber a tradicional solenidade cívico-militar alusiva a essa importante data, sem garantir as condições de segurança e conforto para a população, homenageados e autoridades”. Em substituição, a nota convidava para uma solenidade online.
No sábado, equipes da secretaria de cultura local desmontavam parte do que tinha começado a se montar no local para o evento.
Para intelectuais, historiadores e habitantes da cidade, aos poucos, atos como esse vão minando o sentimento de valor histórico e pertencimento da cidade. “Antigamente era uma festa grande, vinham todas as autoridades, aviões sobrevoavam o local”, relembra Edilson Araújo, professor e comunicador de Campo Maior.
“O que eu questiono também é que falamos ‘os heróis da batalha’, mas cadê os caras? Cadê no nome da rua? São heróis anônimos”, critica o professor de Letras. Ele também atribui o apagamento da história ao ensino cada vez reduzido da história do Piauí na educação básica. “Ainda tem muita falha”, critica. “Era uma terra de gado, uma terra rica“, prossegue. “A gente participou de uma coisa para defender a nossa liberdade”.
Nos olhos da nova geração
Na tarde de sábado, 12 de março, no monumento Heróis do Jenipapo, além das pessoas que trabalhavam em sua reforma, um casal passeava entre os túmulos de combatentes mostrando tudo a uma garotinha de cabelos longos e escuros. Do alto dos seus cinco anos, Isabele Carvalho pediu aos pais para conhecer o local onde ocorreu a Batalha mais famosa ocorrida na cidade onde nasceu.
Ao lado dos pais, Isabele escutava atenta a conversa da nossa equipe de reportagem com o guardião do monumento, Antônio Miranda. “Ela teve aula disso essa semana na escola e ficou muito impressionada”, disse a mãe Silmara Sousa. “Resolvemos trazê-la depois dela insistir e assistir a uns 5 vídeos seguidos sobre o assunto, no Youtube”, completou o pai.
Apesar de ter sempre residido em Campo Maior, era a primeira vez da família visitando o monumento. “Na minha época também tinha aula sobre isso no colégio, e a festa ajudava a manter a tradição, o sentimento de que nós, campomaiorenses, lutamos pela independência”, seguiu contando. “Isabele não viveu isso, mas ficou tão entusiasmada quanto eu, quando havia o festejo”.
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