domingo, 24 de novembro de 2024

Cidade hostil

Intervenções arquitetônicas criam cidades inabitáveis - PL pretende impedir técnicas desse tipo no Piauí

31 de março de 2022

Em fevereiro de 2021, um padre quebrou a marretadas pedras instaladas debaixo de um viaduto. Os paralelepípedos visavam evitar a presença de pessoas em situação de rua no viaduto da avenida Salim Farah Maluf, na zona leste da capital paulista. “É higienismo”, disse o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral do Povo de Rua da Arquidiocese de São Paulo, ao jornal Folha de S.Paulo. Ele criticava a medida municipal e tentava, a pleno pulmões, explicar sua ação.

O prefeito Bruno Covas (PSDB), na época, não se manifestou sobre o assunto – mas a prefeitura alegou, através de nota, que a decisão de instalar os paralelepípedos foi tomada de forma isolada por um funcionário, que já teria sido exonerado. Uma semana depois a prefeitura iniciou a retirada das pedras do local.

Padre Júlio Lancellotti em imagem que viralizou nas redes (Reprodução/redes sociais)

A imagem do Padre Lancellotti e a discussão sobre arquitetura hostil – a denominação para estruturas arquitetônicas que buscam restringir grupos ou públicos específicos, frequentemente pessoas em situação de rua – acabou rodando o mundo inteiro e levantando debates também aqui no Piauí.

Um Projeto de Lei Ordinária (PLO) do Deputado Estadual Franzé Silva quer proibir instalações consideradas “anti-pobres”, nos espaços públicos em todo o Piauí. O texto do projeto diz que esse tipo de intervenção arquitetônica está cada vez mais comum nos espaços urbanos atuais – e é difícil saber que são medidas cruéis. “É desumano e passa uma maquiagem sobre um problema que tem de ser enfrentado”,  cita o autor do projeto. 

Cidade para todos?

No Brasil, as estimativas do número total de pessoas em situação de rua é de 221.869 pessoas, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em pesquisa publicada em março de 2020. No Piauí, a Secretaria de Cidadania, Assistência Social e Políticas Integradas (Semcaspi) – órgão municipal que realiza trabalho de apoio a pessoas em situação de rua – evidenciou um aumento de 60% das pessoas em vulnerabilidade social, em comparação aos últimos dados de 2020.

O número alarmante de pessoas em situação de rua expõe desigualdades estruturais na sociedade brasileira. Sem moradia, a muitas vezes a realidade dessas pessoas são marcadas por falta de opção, abandono familiar, dependência química ou problemas psiquiátricos. Para a arquiteta e urbanista Rayana Cunha, que defendeu dissertação de mestrado em Geografia com o título “A cidade, as paisagens e os lugares de vivência”, a arquitetura hostil revela como os gestores das cidades conduzem suas políticas públicas. 

Leia mais: População de rua cresce 60% em Teresina; pesquisadores acreditam que oferta de dormitórios e alimentação não resolve

“Quando abordamos o tema sobre cidades inclusivas entre gestores, e até mesmo na sociedade, sem perceber, acabamos omitindo as pessoas em situação de rua”, comenta em entrevista. “Tratando-as de forma segregatória, dispensando os habitantes que precisam de uma atenção mais incisiva”, reflete. 

Para muitos, as duras transformações ocorridas na cidade moderna não são aparentes. Os bancos e pontos de ônibus que se disfarçam de abrigo podem passar imperceptíveis aos olhos de muitos. Rayana chama a atenção para a cidade de Teresina e cita como exemplos os pontos de ônibus na Praça da Bandeira – onde os bancos foram retirados da área coberta – no centro, e as grades em torno das praças. “Essas intervenções, de certa forma, tentam selecionar quem pode vivenciar ou não aquele espaço”, diz.  Met onze lijst van nieuwe pay n play 2024 kun je direct beginnen met spelen zonder gedoe. Eenvoudig storten en snel uitbetalen!

Bancos foram retirados da estrutura coberta no ponto de ônibus (Foto: Juliana Andrade)

A arquiteta acrescenta que Teresina não é uma cidade que contempla todos, uma vez que investe pouco em espaços realmente públicos, capazes de proporcionar aos habitantes a viver a cidade de forma igualitária. “Está sempre selecionando as pessoas de forma implícita”, analisa. Além de não permitir uma mobilidade urbana inclusiva com meios em que o habitante possa  experienciar positivamente a cidade e acessar seus espaços.

Em busca de soluções

Discutir o tema é um pequeno passo, entretanto, é necessário promover ações efetivas urgentes. Analisando o aumento alarmante da população em situação de rua, os óbitos causados pelas baixas temperaturas no inverno, a fome e as condições degradantes. “O que se percebe é que ações promovidas pelos Órgãos Públicos e pela população deflagram a falta de gentileza, que diariamente fecham seus olhos para a cruel realidade vivenciada na rua”, lamenta a pesquisadora. 

Algumas ações no território brasileiro visam “revelar” quem são essas pessoas, não apenas em números, mas expressando suas individualidades. Entre eles, destaca-se o projeto SP Invisível, criado por em 2014, pelo jornalista Vinicius Lima e o fotógrafo André Soler. Atua como um movimento de conscientização através de histórias de pessoas em situação de rua da cidade de São Paulo, que através de fotografias e depoimentos colhidos, tenta abrir os olhos e despertar humanidade.

A arquiteta e urbanista ressalta que os gestores deveriam tratar as políticas com base nas expectativas dos habitantes de cada cidade. Além de tentar buscar tratar os problemas olhando para a sua causa. Um começo pode ser a elaboração de um plano diretor que realmente vise as necessidades da cidade e das pessoas que a habitam. “São intervenções pontuais que levam os habitantes a vivenciarem e se identificarem com esses espaços dentro da cidade, fazendo assim uma acupuntura urbana que serve como uma espécie de oásis em meio ao caos urbano”, comenta. 

Barras de ferro são colocadas para evitar que pessoas se abriguem na marquise do Mercado Central (Foto: Juliana Andrade)

“É uma discussão longa e cheia de possibilidades, pois trata-se de levar em conta a opinião popular e, não somente estudos técnicos para realmente alcançarmos uma cidade para todos”, explica. “Iniciar a discussão é mais do que necessário, não somente para as grandes cidades mas de toda cidade que busca um cenário minimamente igualitário e democrático para os seus habitantes”, afirma. 

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Categorias: Reportagem

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