Uma multidão de populares, repórteres e servidores da prefeitura de Teresina se amontoava em uma rua prestes a receber ordem de serviço para ser pavimentada, no bairro das Esplanadas, zona Sul. O calor típico da capital somava-se à aglomeração em torno do prefeito, Dr. Pessoa, de quem o público esperava, ansiosamente, por uma fala naquela manhã de sábado. Enquanto os fotógrafos se apertavam com seus equipamentos para buscar o melhor ângulo possível, surge uma homem baixinho, de cabelos grisalhos, sapato social e blusa de mangas alinhadas.“Gravando, gravando!”, grita interrompendo a ordem de perguntas. “Conte mais para a população sobre a chegada desse serviço, prefeito”, dispara Ascânio Sávio – ou melhor, o repórter popular.
Ainda naquela manhã, o vídeo teria um caminho certo: os mais de 200 grupos de WhatsApp, Instagram e a sua rede social preferida, o Facebook. Na contramão da imprensa local, há seis anos Ascânio coleciona mais de 10 mil reportagens feitas apenas pelo celular. O “repórter popular”, como se denomina, desafia uma mídia hegemônica e aposta em uma comunicação comunitária descentralizada. O repórter nunca frequentou aulas formais na universidade nem tampouco carrega um diploma, mas tem como pauta diária o cotidiano das comunidades periféricas.
Não é de hoje que Ascânio utiliza sua voz. Nos anos 80, trabalhou na Rádio Poty – que fazia parte do conjunto de veículos da família do jornalista Helder Feitosa. Com o fechamento do veículo, vendia melancia, alho e cebolas na Ceasa de Teresina até se tornar funcionário público do Estado. “Se eu tivesse continuado vendendo verduras, estava rico!”, conta às gargalhadas. Aos 64 anos, dedicou a maior parte da sua vida à liderança comunitária no bairro Saci, na zona Sul. Dez anos atrás, carregava o slogan “liderança e repórter popular” – mas, a conselho de amigos, se afastou do termo “líder” e virou o “repórter popular, em cima da notícia”.
Ascânio honra o jargão. Ele acorda cedo para acompanhar a agenda da Assembléia Legislativa do Piauí (Alepi) e da Câmara de Vereadores, em Teresina. Política e comunidade são suas editorias preferidas. Nos últimos anos, esporte e polícia deixaram de aparecer entre as pautas porque o repórter preferiu especializar seu modo de fazer jornalismo. Passeando anonimamente pelos bastidores, Ascânio conseguiu declarações e informações que dificilmente a grande mídia seria capaz de captar. Ele gravou o vídeo em que Robert Rios, vice-prefeito de Teresina, aparece debochando da crise dos ônibus na capital – no dia seguinte, o vídeo que viralizou pautou todos os sites de notícias.
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Na escadaria do Palácio da Cidade ou nas ruas mais esburacadas da capital, Ascânio está de olhos e ouvidos atentos. Em um único dia, ele chega a visitar todas as zonas de Teresina. “Eu vou onde a televisão não quer ir, sempre ao encontro dos líderes de comunidade”, explica. Nessas andanças, ele aposta que vê resultados nas ações feitas pelas denúncias, como soluções nos vazamento de águas, vilas sem energia elétrica, problemas de saneamento básico e assistência social. O repórter também garante que volta ao lugar para agradecer e elogiar, caso os problemas sejam resolvidos.
As motivações para fazer o trabalho, que ele afirma não ter financiamento, é para mostrar que Teresina pode se tornar um lugar melhor para se viver. O seu segredo para ser um jornalista do povo é não se apegar na pauta e não se prender a formalidades. Como exemplo, cita a cerimônia de transferência de comando da Polícia Militar do Piauí, ocorrida na última semana, em que aproveitou o momento com a governadora Regina Sousa para saber se ela receberia os professores em greve. A gestora respondeu pacientemente aos questionamentos fora de contexto do repórter.
Ascânio acredita que os políticos e representantes já entenderam o seu fazer jornalístico – e sobretudo, aceitam e respeitam como qualquer outro profissional da imprensa.
A família tem sido um importante incentivador do seu trabalho. Morando no Saci, com a esposa e quatro filhos, ele leva uma vida sossegada. Antes de sair para as pautas, passeia com a cadela Puca, uma vira-lata valente que a família adotou. Para mimar a esposa, Meire Silva, faz um suco detox e os dois saem para pedalar. “Eu tenho que cuidar bem da minha esposa, ela é minha deusa”, comenta. Além de repórter, se garante como um cozinheiro de mão cheia. “São comidas de primeiro mundo, tudo gourmet”, envaide-se. Dentro e fora de casa, Ascânio serviu de inspiração para a filha, Amanda Sávia, que também escolheu o jornalismo como profissão.
Todo o portfólio pode ser acompanhado em suas redes sociais. Até o final do semestre, ele diz que vai ganhar uma nova conta no Youtube. Ascânio dispensa aparelhos tecnológicos, aparatos ou mesmo a ajuda de um cinegrafista – com exceção de Meire, que durante as pedaladas matinais, costuma filmá-lo enquanto ele fala. Seus vídeos não passam por edição, cortes ou qualquer tratamento visual. “É tudo limpo, seco e quase ao vivo porque eu disparo imediatamente nos meus canais”, reforça. O sobrinho já prometeu um estabilizador para melhorar o enquadramento das imagens, que Ascânio aceitou, mas não garantiu usar. Ele tem medo de perder a essência simples e a personalidade de repórter popular. “Eu tenho que ser diferente do que já tem por aí, não é não?”, encerra.
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