Maria* não fala de política no trabalho há quase três meses. Quando alguém comenta sobre a corrida eleitoral, ela ri e desconversa. Não que antes falasse, mas agora prefere não manifestar de forma alguma sua opinião sobre os candidatos à presidência do país. “Eu também tenho um pouco de medo, as pessoas andam nervosas”, revela anonimamente à reportagem.
No primeiro turno, ela lembra das constantes investidas de superiores e colegas de trabalho pelo seu apoio a candidatos ao cargo de deputados. Recuava o quanto podia e, na última semana antes da eleição, chegou a desativar as redes sociais – por lá, os pedidos também aconteciam. “Fiquei somente com WhatsApp, mas não coloco nada no meu status e tirei a foto de perfil”, comenta.
A cautela de Maria revela o receio de perder o emprego. Trabalhando em um escritório na zona Leste de Teresina, perdeu as contas de quantas vezes ouviu comentários negativos sobre quem apoiava os candidatos ditos de esquerda. “Falaram que é por conta dos votos no Lula que o Brasil vai voltar a ser a Venezuela”, conta. “Quando o Brasil foi uma Venezuela, meu Deus?”, questiona.
Na firma, a situação foi ficando mais tensa após o primeiro turno e a vinda do candidato à reeleição, Bolsonaro (PL), ao Piauí. “Quando ele veio para cá, teve funcionário que nem pisou na empresa, foi como um dia de folga com aval”, revela à reportagem. “Enquanto isso, tem gente que nunca revelou sequer o voto com medo de demissão”, compara.
O medo vivido por Maria no ambiente de trabalho tem aumentado faltando pouco menos de uma semana para o segundo turno das eleições presidenciais. Não é mera sensação da secretária: somente no Piauí, o Ministério Público do Trabalho (MPT-PI) já contabilizou 21 denúncias de assédio eleitoral após o primeiro turno. São episódios em que os empregadores buscam coagir e, em alguns casos, até mesmo ameaçar trabalhadores para que votem nos candidatos de sua preferência. A reportagem constatou que, durante a última eleição geral, em 2018, o órgão não recebeu denúncias.
Segundo o Artigo 300 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 1965), é crime o servidor público valer-se de sua autoridade para coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido. A pena é de até seis meses de detenção, mais multa. Da mesma forma, é crime usar de violência ou ameaçar alguém, coagindo-o a votar em determinado candidato.
Um dos casos de assédio eleitoral investigado pelo MPT no estado foi o do empresário Gilvan Soares Cardoso. Ele foi flagrado oferecendo dinheiro a funcionários que votassem na sua indicação de candidato à presidência no 2ª turno. Agora, ele terá que pagar indenização de R$500 para cada trabalhador de sua empresa após Termo de Ajuste de Conduta (TAC). Além da indenização individual, Gilvan também deve pagar uma indenização coletiva de R$ 3 mil e fazer uma retratação. O MPT não revelou para quem o empresário pedia votos, mas a reportagem checou que o homem pretendia angariar votos para o atual presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL).
Este foi o primeiro TAC no estado. Segundo firmado no documento, o empresário se comprometeu a “não cometer violação de intimidade a quaisquer de seus trabalhadores nas eleições”. Em entrevista à TV Clube, ele disse: “Foi uma brincadeira”. “O voto realmente é livre, espero que outros empreendedores não façam isso que fiz”, finalizou.
Em todo o país, os casos já chegam a 1.027 denúncias de assédio eleitoral. A maior parte se concentra na região Sudeste, em um total de 422 casos. Somente na região, o número é bem maior que o volume de denúncias gerais nas eleições de 2018, quando 212 casos chegaram ao conhecimento dos procuradores.
Apesar de crescente, o número pode ser ainda maior. De acordo com o Procurador-chefe do MPT-PI, Edno Moura, muitas pessoas não sabem que esse assédio eleitoral é crime – e outras ainda têm receio de denunciar. A denúncia pode ser feita de forma virtual no portal do Ministério Público do Trabalho, e de forma sigilosa. Mensagens de texto, áudios ou fotos que comprovem o assédio eleitoral podem ser utilizados como provas.
Quando um caso de indenização vem à tona, como do empresário Gilvan, é possível que mais pessoas se encorajem à denúncia. Na quinta-feira (20), quando o empresário lançou a retratação, os casos chegavam a 15 no Piauí. Em poucos dias, outras seis denúncias aconteceram. “O trabalhador que tiver sido vítima desse ilícito pode nos procurar, mesmo que o episódio esteja relacionado com o primeiro turno das eleições”, destacou Moura, procurador do MPT-PI.
Enquanto isso, Maria pretende seguir cada vez mais silenciosa dentro da empresa. Entre a casa e o trabalho, ela tem contado os dias para a eleição chegar ao fim. Independentemente do resultado, não pretende tão cedo falar em quem votou. “É a primeira vez que isso acontece”, avalia. “Nunca vi as pessoas terem tanto medo de se manifestar, com receio de serem demitidas ou destratadas”, destaca a funcionária. “Em boca fechada não entra mosquito, nem demissão”.
*Nome fictício para preservar identidade da fonte
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