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Retomada da esperança

Guaibense conta como era a realidade do município piauiense que deu 93% de votos a Lula: "Precisávamos do básico"

03 de novembro de 2022

Edição Luana Sena

Na pequena Guaribas, localizada no sertão piauiense, moram pouco mais de 4.500 habitantes. Segundo o IBGE, cerca de 60% da população é assistida por programas de distribuição de renda e quase mil famílias são cadastradas no Auxílio Brasil. Em 2003, a cidade foi escolhida para ser o símbolo do Programa Fome Zero, criado no primeiro mandato de Luis Inácio Lula da Silva (PT). Uma das pessoas assistidas pelo programa há duas décadas foi o guaribense, e hoje Técnico da Informação (T.I), Eraques Folha. Parte da infância e juventude dele foi marcada por programas sociais do governo: o surgimento da primeira escola com ensino médio da cidade, na qual estudou, o Exame Nacional do Ensino Médio, através do qual ingressou na graduação, e o programa de bolsas universitárias Universidade para Todos (Prouni), do qual também se beneficiou.  

Aos 32 anos, ele faz parte de uma geração que conseguiu ascender socialmente através das políticas sociais na educação e assistência. Nos últimos anos, no entanto, viu Guaribas retroceder. Agora, ele assiste a cidade que nasceu dar a Lula a maior porcentagem de votos do país: 93%. E vislumbra um futuro bem longe da pobreza do passado.

Depoimento de Eraques Folha à repórter Vitória Pilar.

Quem nascia em Guaribas, no começo dos anos 2000, não tinha escolha: era viver de roça, enxada e oração. Se uma família tinha muitos filhos, era certo que todos iam ter que viver das coisas da terra. Não importava a idade. Se aguentava segurar uma enxada, tinha que ajudar. 

Naquela época, eu tinha pouco mais que 13 anos de idade. Minha geração, diferente da do meu pai, conseguiu entrar na escola. Contudo, a gente precisava colher milho, mandioca, feijão e arroz bem antes de ter livros em casa. A vida em Guaribas era assim e, por muito tempo, a região foi esse lugar pobre, escondido e isolado nos confins do semiárido piauiense.

Eu ainda era muito menino quando o Programa Fome Zero chegou, em 2003. Lembro que a cidade foi escolhida para ser o símbolo do programa pelos motivos óbvios. Bastava andar pelas ruas, visitar a casa de um morador, dava pra ver estampada a metonímia da pobreza dos municípios esquecidos pela política. Quase toda a cidade precisou entrar no programa. Era uma cena triste de se ver. Uma coisa de filme dramático. Naquela época, a cidade tinha o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil (0,214) e a taxa de mortalidade infantil era de 43,96 por mil nascidos vivos. Já havia luz elétrica, mas a água, ainda não. Somente após 2007 as famílias deixaram de ir pro ‘olho d’água’ buscar o que beber. 

Com a água, também chegou a educação. Na mesma época, veio a primeira escola em tempo integral para quem ia fazer o ensino médio. Os adolescentes passavam o dia lá: café, almoço e lanche da tarde. Foi essencial para que muita gente pudesse comer. Era um incentivo. Se a geração do meu pai só tinha a roça como herança, a minha conseguiu o diploma. 

Toda a transformação vivida na cidade foi um resgate da esperança. Imagina que eu, uma criança de Guaribas, filho de agricultores, pude ser o primeiro da minha família a entrar na universidade. Foram essas políticas do Partido dos Trabalhadores (PT) que trouxeram comida para a barriga de muita gente – trouxe a escola que eu estudei no ensino médio, trouxe o ENEM, me permitiu entrar no Programa Universidade para Todos (Prouni) e ingressar no curso de bacharelado em Tecnologia da Informação, na Faculdade de São Paulo. Eu virei professor pela Universidade Aberta do Piauí (UAPI). Não foi só comigo. Daqui saiu enfermeiro, advogado, médico. Isso é transformação. 

Hoje, Guaribas tem pouco menos de cinco mil habitantes que estão aptos a votar. No segundo turno, 93% da população eleitoral daqui votou em Lula: um total de 2.949 pessoas. Em Bolsonaro, somente 193. Em 2018, foi a mesma coisa. Na verdade, foi até maior: 97% da população votou no Haddad (PT). Daqui só saíram 57 votos no Bolsonaro. Ele ganhou, e com isso a gente sentiu que a própria Guaribas voltou a estacionar. 

Primeiro de tudo foi a pandemia, o medo e a incerteza. Depois, melhorou com a chegada do Auxílio Emergencial. Esse foi o ponto que melhorou na situação de muita gente. Mas isso não é pra sempre. Uma cidade como Guaribas, que se mantém a maior parte da gestão pública, precisa de bem mais para se manter viva. A gente precisava do básico e isso a gente teve. Não é à toa que a cidade reconheceu isso. O voto de Guaribas em Lula é o atestado de reconhecimento de um lugar que não tinha o básico e que agora tem. Mas a gente precisava de mais, e não teve. Era pra ter continuado, mas é muito difícil um governo que não olha para o pobre, olhar para gente de Guaribas. Com Lula de volta, um torneiro mecânico que conseguiu virar presidente, foi preso e elegeu-se de novo, é retomada da esperança. Guaribas merece. 

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Categorias: Reportagem

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