domingo, 24 de novembro de 2024

Saúde em crise

Com exonerações, prefeito de Teresina faz malabarismo para aplacar falta de medicamentos, de funcionários e unidades interditadas

14 de dezembro de 2022

Uma interdição ética dos serviços de enfermagem nos setores da Maternidade Wall Ferraz, na Zona Sudeste de Teresina, foi realizada no início da manhã da última segunda-feira (12). Antes das sete horas, uma equipe do Conselho Regional de Enfermagem (Coren-PI) foi à unidade de saúde para decretar a paralisação das atividades no lugar. Segundo a entidade, o hospital estaria descumprindo a lei do exercício profissional e autorizando que técnicos e auxiliares de enfermagem estivessem trabalhando sem a supervisão de um enfermeiro. A norma estaria sendo descumprida desde 2020.

Nos últimos meses, o Coren-PI informou à direção que havia entrado com um processo administrativo. O problema seguiu sem solução. Na última quinta-feira (8), uma inspeção do Ministério Público do Piauí (MP-PI) constatou um baixo número de profissionais na maternidade. O lugar já havia sido alvo de denúncias sobre a escala de médicos, fisioterapeutas e enfermeiros.

Com a interdição, os enfermeiros da unidade hospitalar não devem acessar os centros cirúrgicos e a central de materiais de esterilização para exercer suas funções. Antônio Neto, presidente do Coren-PI, afirma que o hospital não está fechando, mas caso alguém precise de enfermeiros nos setores cirúrgicos, não será atendido pelos profissionais.

No Hospital Geral do Buenos Aires, realidade parecida instalou-se no início de dezembro. Uma interdição por parte do Conselho Regional de Medicina do Piauí (CRM-PI) listou irregularidades na unidade de saúde. Nas prateleiras faltavam soro fisiológico, analgésicos e antibióticos. O órgão também verificou o tratamento inadequado de pacientes, com aparelhos de fototerapia antigos e de baixa eficiência. Faltavam luvas necessárias em procedimentos que vão de intervenções simples às mais complexas. Além disso, a entidade também investigava o óbito de um bebê. Segundo o CRM-PI, não havia neonatologista – médico especialista nos cuidados de recém-nascidos – no hospital.

Dias depois, a Prefeitura de Teresina tornou pública a exoneração da direção-geral do hospital, do setor financeiro e RH (Recursos Humanos), em razão da intervenção ética. A gerência passou ao pediatra Atêncio Queiroga Filho, nomeado na última terça-feira (6). De acordo com o Conselho, o antigo gestor não participou de nenhuma das fiscalizações realizadas no hospital.

Na zona Sudeste, a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro Renascença foi filmada pelo presidente do Sindicato dos Enfermeiros, Auxiliares e Técnicos em Enfermagem do Piauí (Senatepi), Erick Riccely,  sem medicamentos básicos. Remédios como dipirona, buscopan, glicose, hidrocortisona, diclofenaco e tenoxicam estão em falta nas prateleiras.

A escassez de medicamentos, a intervenção das unidades hospitalares e as greves de profissionais da saúde, promovidas ao longo de todo o ano, ilustram a crise vivida na Fundação Municipal de Saúde. Segundo dados obtidos pela reportagem, a prefeitura acumulou uma dívida de mais de oito milhões de reais somente com os fornecedores de insumos de saúde este ano. O valor é quase dez vezes maior que a dívida de 2021, calculada em  733  mil.

 

Os últimos episódios aumentaram a conjuntura de crise gerada na saúde pública municipal. A situação inflamou quando, entre as intervenções dos conselhos nas unidades hospitalares, rumores indicavam a saída do presidente da FMS, o médico Gilberto Albuquerque. Os boatos se concretizaram ainda na sexta-feira (8). À reportagem, Gilberto alegou dificuldade financeira para manter os serviços. A escassez dos recursos seria o principal empecilho em manter a pasta da saúde. “As contas estão cada vez mais apertadas”, alegou. Ele também citou as contínuas mudanças na chefia do órgão. Nos últimos meses, alterações sistemáticas tinham sido feitas dentro dos cargos comissionados. “Só faltava mudar a presidência e, agora, eu mesmo vou concluir essa mudança”, afirmou. 

Gilberto não quis dar detalhes sobre as exonerações dos cargos. A reportagem apurou, no entanto, que as demissões teriam acontecido por parte da primeira-dama, Samara Conceição. Nas últimas semanas, ela teria exigido diretamente ao prefeito a demissão de cargos comissionados na FMS, sendo prontamente atendida. A reportagem entrou em contato com a assessoria de Conceição para ouvir o outro lado,  mas não obteve retorno até o fechamento. O espaço segue aberto para futuros posicionamentos. 

Outra força contrária a Albuquerque teria vindo diretamente do Palácio da Cidade, por meio do vice-prefeito Robert Rios, tendo em vista a insatisfação com as sucessivas interdições em unidades hospitalares de Teresina no mês de dezembro. A reportagem entrou em contato com Rios, que negou qualquer investida de retirar Albuquerque do cargo e reiterou que a saída veio por parte do próprio ex-gestor. “Não tenho força para tirar nem botar ninguém”, alegou, por telefone. “A caneta não está na minha mão, nem da primeira-dama”. 

Para substituir Albuquerque, o primeiro nome indicado foi o do médico Paulo Márcio. Ele teria sido chamado diretamente pelo prefeito, Dr. Pessoa (Republicanos), mas recusou o convite. Segundo o médico, atual diretor do HU (Hospital Universitário), nas condições da gestão municipal não haveria autonomia para dirigir o setor. “Só trocar o Gilberto por mim, eu não quero”, declarou à coluna do jornalista Gustavo Almeida. O prefeito pediu 48 horas para refletir sobre as condições exigidas, como independência e liberdade nos processos, desde a comunicação à administração e gestão de pessoas. “Esse pacote tem que vir completo”, disse o médico.

Ainda na semana da exoneração de Gilberto,  o nome do vereador e médico Luís Lobão (MDB) chegou a ser cotado para assumir a pasta. A troca poderia facilitar as negociações de Pessoa com a Câmara, que tem exigido muitos cargos e liberação de emendas para apoiá-lo. A Prefeitura tem chamado as mudanças de “reestruturação administrativa”. Na última segunda-feira (12), o nome foi decidido: a enfermeira Clara Leal foi nomeada como presidente interina da FMS. Parte da crise na saúde pública, agora, tem se costurado a uma crise na gestão de Pessoa. 

Dança das cadeiras

Entre os dias 1 e 2 de dezembro foram feitas cinco mudanças no primeiro escalão da gestão municipal. São elas: Secretarias de Desenvolvimento Econômico, Economia Solidária e Saad Norte. Entre as trocas, cerca de oito vereadores fizeram indicações para as pastas. A semelhança entre os parlamentares é que todos votaram contra o prefeito no Projeto de Lei Orçamentária. A liberação de cargos significa uma corrida para buscar apoio na Câmara dos Vereadores de Teresina (CMT). 

Em menos de uma semana, Marcelo Eulálio saiu do comando da Semdec para dar espaço a Iran Felinto (Secretário) e Robson de Andrade (Secretário Executivo), indicações dos vereadores Markin Costa (Republicanos) e Alan Brandão (PDT). Na sequência, Maria do Socorro Bento foi exonerada da Semest e entrou Maura Sobreira e Adiel Rodrigues, secretária e secretário executivo, indicados pelos vereadores Pollyana Rocha (PV) e Gustavo de Carvalho (PSDB), respectivamente. Na Saad Norte, Victor Nagyphi saiu e assumiu o delegado Ademar Canabrava, indicado por Venâncio Cardoso (PSDB). 

Sob ameaça de uma nova CPI na saúde, a distribuição de cargos poderá ser útil após a derrota no parlamento referente à votação do projeto de lei orçamentária 2023. Em novembro, durante a votação do PL, os vereadores retiraram R$ 134 milhões de secretarias comandadas por parentes do Dr. Pessoa e também reduziram o poder de remanejamento orçamentário do prefeito de 35% para 20%. Em votação, o prefeito só conseguiu quatro dos 29 votos no legislativo. 

A relação conturbada entre Câmara e Prefeitura pode piorar em 2023. Isso porque cada vez mais vereadores têm criticado a condução da gestão, e prometido alterações no orçamento do município para 2023. Uma das indicações de uma relação estremecida foi notada no começo do mês de novembro: uma reunião marcada pelo prefeito e o vice-prefeito foi praticamente esvaziada. O encontro seria para aplacar insatisfações com a Lei do Orçamento, mas apenas nove vereadores compareceram. 

Ao que parece, os vereadores da capital estariam cada vez mais insatisfeitos com o crescimento incomum no orçamento de pastas geridas pelo filho do prefeito, presidente da Eturb (Empresa Teresinense de Desenvolvimento Urbano), João Pessoinha, e pelo genro, Secretário de Governo, André Lopes. No documento, a proposta de aumento para a Eturb (Empresa Teresinense de Desenvolvimento Urbano) foi de 153% nos gastos previstos: passando de R$ 66 milhões, em 2022, para R$ 167 milhões, em 2023. Em nota, a justificativa são as novas funções atribuídas à pasta, como iluminação pública, regularização fundiária e bilhetagem eletrônica.

Segundo o vereador e líder do governo na Câmara,  Antônio José Lira (PSD), a relação entre Executivo e Legislativo faz parte daquilo que se convencionou chamar de “casamento”. Nos primeiros dois anos, CMT e Palácio da Cidade estavam em harmonia, mas, agora, têm vivido uma nova fase – que, apesar de tudo, Lira considera saudável. O vereador não descarta que o próximo ano seja marcado pelo fim da “lua de mel” dessa relação – principalmente pela espreita das eleições municipais. “E, falando também como vereador, eu sei que ninguém quer perder seu mandato, não é?”, finalizou à reportagem. 

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