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A cidade e as águas

Galerias da zona Leste de Teresina são promessas de uma década - mas alagamentos seguem causando mortes e medo

11 de fevereiro de 2022

Edição Luana Sena

Em Teresina, antes do tempo fechar, os grupos de WhatsApp se enchem de mensagens de alertas. Quando as primeiras horas de tempestades caem, as notificações dão espaço para vídeos e fotos de trechos alagados e carros flutuando sob a água acumulada – sobretudo na zona Leste da capital, nos bairros dos Noivos, São Cristóvão e Fátima. Os problemas não são de hoje mas, recentemente, provocaram duas vítimas na cidade. 

Wana Sara Cavalcante, de 39 anos, desapareceu quando o carro foi sugado para uma cratera no cruzamento da avenida Homero Castelo Branco e a rua Eustáquio Portela, no dia 4 de fevereiro. O carro só conseguiu ser encontrado no dia seguinte, bastante destruído. O corpo de Wana foi localizado na saída de um bueiro, dois dias após o acidente, próximo à Floresta Fóssil, a poucos metros do rio Poty.

A mulher era professora da Secretaria Municipal de Educação de Teresina (Semec) e, antes da tragédia, estava na academia. Wana saiu para encontrar amigas em um restaurante. Com a chuva, elas desistiram do plano e foram embora, separadamente. Wana seguiu pela Avenida Homero Castelo Branco, uma das principais vias com histórico de alagamento. O laudo do Instituto Médico Legal constatou a morte por afogamento. 

No dia 1° de janeiro, a cidade já havia testemunhado uma morte similar. O chefe de cozinha João Marcelo trafegava pela Rua Plutão, no bairro Satélite, com mais cinco pessoas dentro do veículo. Todos conseguiram deixar o carro, porém, João não saiu a tempo. 

O estadodopiaui.com conversou com um engenheiro para entender o que ocorre nesses trechos da cidade. Segundo Hércules Medeiros, a zona é um “labirinto”. Isso porque, com o crescimento urbano e pavimentação exacerbada, não há uma drenagem efetiva para a retirada da água acumulada pelas chuvas. “Imagine um espaço de 50 metros que acaba sendo ocupado em torno de 40 metros com edifícios e prédio, restando apenas 10 para a água passar: assim é grande parte de Teresina”, destacou.

As soluções seriam a criação de galerias, porém, as medidas resolvem a longo prazo. E com o crescimento desenfreado da cidade, poderiam não ser paliativas. “Em cinco anos, se o problema estrutural não for resolvido, é capaz de termos o mesmo cenário atual”, apontou o engenheiro.

O impasse das construções das galerias não é novidade. Há uma década, ainda na gestão do prefeito Elmano Férrer, foi assinado um convênio com a Caixa Econômica Federal – no valor de R$37,5 milhões – para a obra de drenagens urbanas. O dinheiro seria destinado para criação de “grandes galerias” na região Leste da cidade. 

A obra era para ter sido inaugurada em 2012. Na época, era comemorado a construção das galerias ao lado do Teresina Shopping, no bairro Noivos. Iniciada em outubro daquele ano, a previsão de entrega era dali a quatro meses. 

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Porém, uma sucessão de licitações impediram o progresso das obras. Em nota, a prefeitura anunciou a paralisação, alegando problemas de ordem técnica. Era a terceira licitação que tentava dar continuidade as construções. O superintendente da então Superintendências de Desenvolvimento Urbano da Zona Leste (SDU), Francisco Canindé, falou que era um procedimento normal em praticamente todas as obras. 

Firmino Filho se elegeu logo após o final do mandato de Elmano. O ex-prefeito herdou a obra mas, pontuou que o que parecia uma simples execução, encontrou desvios devido às intervenções constatadas – nas travessias da Avenida João XXIII, Homero Castelo Branco e Presidente Kennedy. Sem explicar muitos detalhes, uma nota da PMT prometeu que o projeto seria concluído em dezembro de 2020. 

Com a chegada da pandemia da Covid-19, nada mais foi comentado sobre a obra. Em 2021, uma nova gestão, fora do grupo político do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), iniciou. O médico Doutor Pessoa e o vice ex-delegado Robert Rios, inauguram novas promessas. Entre elas a de que logo no primeiro mês de gestão, entregariam as galerias da zona Leste. 

Passado um ano do compromisso, no segundo dia do ano de 2022, o novo prefeito confirmou que as obras estavam em andamento. “Daqui a trinta dias vamos atravessar a Homero com a obra feita, com drenagem subterrânea”, disse  Dr. Pessoa, alegando que, caso fosse necessário, contrataria outra empresa para que a obra ganhasse celeridade. 

Pouco mais de 30 dias, a reforma não estava sendo realizada e duas pessoas perderam a vida tentando se locomover na cidade. 

Entre rios

Há pelo menos meio século, quem mora em Teresina sabe que quando chove é uma verdadeira odisséia cruzar de uma zona para a outra. Isso porque, a cidade nasceu entre dois grandes rios – Poty e Parnaíba – que também recebem contribuições de riachos, córregos e cursos d’água. 

A capital cresceu descontroladamente. Na zona Leste, bairros como Jockey e Fátima foram diariamente sendo os pontos mais requisitados para a construção de prédios residenciais e pontos comerciais. “A capital foi construída sem controle urbano, de forma desordenada, em cima da água. Os prédios e casas estrangularam os riachos que passavam por aqui”, explica o geólogo Sidney Santos, acerca da impermeabilização do solo feita para dar espaço às construções. 

Com uma drenagem mal conduzida, a situação de alagamento pode se alastrar para outras zonas da cidade. Na Avenida Marechal Castelo Branco, ele cita a implementação de “bocas de lobo” – sumidouro localizado ao longo das vias pavimentadas para onde escoam as águas da chuva -, mas que por falta de reparo, causam erosões no solo de até 12 metros. “São verdadeiras crateras”, aponta. 

Em Teresina, que não foge da realidade de outras capitais, a construção das galerias é uma solução para o problema. No entanto, é preciso que o projeto inclua frequente manutenção. Sidney detalha que, sem a devida fiscalização, mesmo que haja as estruturas, elas são fadadas à entupição por lixo ou corrosão causada pela força da água. 

Outro ponto importante é o papel da população. Sem conscientização do descarte de lixo, tudo que é descartado na rua é arrastado para as galerias. “Cuidar do espaço urbano e ter consciência com o meio ambiente também está dentro do projeto de infraestrutura da cidade”, complementa o geólogo. “Sem criação de galerias, fiscalizações das obras e responsabilidade social, vamos continuar assistindo a essas tragédias anunciadas”, finaliza.

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Categorias: Reportagem

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