A distância do Haiti para o Piauí, em linha reta, marca mais de 4.401 quilômetros. Quando Abdias Jean, de 27 anos, resolveu sair da casa dos pais, no seu país de origem, nem imaginava que teria como uma das suas paradas a capital Teresina. A ideia inicial era cursar Administração, na UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – mas, por problemas na documentação de permanência no solo brasileiro, acabou desembarcando no Piauí, onde cursa Engenharia Agronômica na Universidade Federal do Piauí desde 2017.
Ficou encantado quando soube que Teresina era conhecida como a “cidade verde”. No entanto, quando chegou, percebeu que o cinza dos prédios predominava mais que o verde das árvores. “Eu tive uma história de amor com a cidade”, conta à reportagem. Mas, diferente de um conto de fadas, Abdias teve suas desilusões.
É que lá no Haiti, quando falavam do Brasil, ele tinha a ideia de que se tratava de um país livre de preconceitos. Tão logo desembarcou por aqui, entendeu: um homem negro, andando pelas ruas, tem um significado. “Se estou na minha moto, com outro amigo negro, as pessoas pensam que vamos fazer um assalto”, conta.
Por onde vai, há sempre um questionário para responder. Na sua carteira, a documentação não pode faltar. Isso porque, dentro da própria instituição de ensino onde estuda, ele perdeu a conta das vezes em que foi enquadrado pela Guarda Municipal. Os guardas falam em segurança, procedimentos e normas padrões, mas Abdias não se sente protegido. “A gente entra no Brasil de olhos fechados. Se a gente fosse para os Estados Unidos da América (EUA), a gente sabe que lá vai ter racismo”, comenta. “Mas no Brasil a gente não espera”, diz o haitiano. “É um impacto quando a gente só descobre na pele”.
Há pessoas que se aproveitam do sistema, acredita Abdias. Desde que veio à tona as imagens de câmeras de segurança do quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca, onde o congolês Moïse Kabagambe foi morto a pauladas, ficou mais escancarado o racismo entranhado no Brasil. “Uma pessoa ser morta, à luz do dia, é porque há conivência e consentimento de muita gente”, pontua o haitiano.
A situação extrema vivida por Moïse, no entanto, não faz parte do seu cotidiano. Ele acredita que se deve ao fato de viver nas mediações da universidade e conviver com pessoas menos intolerantes. Porém, ele quer voltar para o Haiti.
Há quase dois anos, ele é pesquisador na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Sua pesquisa atual é sobre o feijão caupi – ou feijão carioca – e seus feitos para a alimentação. Ele explica que no seu país, devido às condições sócio econômicas e políticas, ir embora é sempre um pensamento constante na cabeça dos jovens haitianos. Entretanto, ele pretende retornar para poder reencontrar seu pai. “Não fugi do meu país, só busquei uma nova experiência e uma nova oportunidade”, declara. “E eu sinto que devo voltar para poder fazer a diferença com o que aprendi por aqui”.
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