O dia 29 de abril foi uma quinta-feira atípica para a prefeita Gabriela Coelho. Acostumada a cumprir o expediente despachando na sede do poder municipal em Capitão Gervásio Oliveira – cidade ao sudeste do Piauí -, nesse dia ela trocou a repartição pelo consultório. Caneta e decretos deram lugar a estetoscópio e prontuários. Foi o dia da prefeita virar enfermeira.
Para ficar fiel aos fatos, na verdade, Gabriela voltava às origens. Aos 36 anos e no segundo mandato como prefeita do município, antes de entrar para a política ela concluiu e exerceu o ofício da enfermagem. Gabriela, que nasceu em São Paulo mas cresceu na zona rural de Capitão Gervásio, formou-se enfermeira na capital, Teresina, a 514 km dali. “Foi uma forma que encontrei de ajudar as pessoas mais simples”, conta. “Sempre foi uma profissão gratificante para mim”.
A carreira política veio depois, com o desafio de se candidatar a vereadora pelo PT. Elegeu-se, e a boa votação a motivou a disputar o pleito para o cargo de prefeita em 2016. “Nunca tive, propriamente, pretensões políticas”, confessa. Venceu com 53,52% dos votos. No ano passado, se reelegeu com porcentagem ainda maior: 60,20%.
Naquela manhã de abril, no entanto, a enfermeira, licenciada para assumir a prefeitura, se viu obrigada a cumprir o juramento feito na formatura: dedicar a vida a serviço da humanidade. Naquela ocasião, a cidade com pouco mais de 4 mil habitantes apresentava um surto de novos casos, lotando a única unidade básica de atendimento disponível para atender os pacientes infectados.
Entre os meses de março e abril, Capitão Gervásio Oliveira viu o número de mortes por Covid-19 triplicar, em relação aos números registrados em 2020. “Toda a nossa região registrou aumento de casos nesse período”, contou Gabriela. Com a interiorização do vírus e o espalhamento acelerado dos casos, as cidades-polo da região, como São Raimundo Nonato e São João do Piauí, ficaram sobrecarregadas nos atendimentos. “Somou-se a isso a infecção de muitos profissionais, que foram afastados para cumprir quarentena”.
Foi o que aconteceu na cidade que administra. Gabriela é enfermeira concursada pelo município, em Capitão Gervásio, e pela rede estadual de saúde na vizinha São João do Piauí, a 50km. Licenciada de ambos os empregos para cumprir o mandato, precisou cobrir os buracos nos plantões da UBS Doutor Albuquerque – lá, duas enfermeiras plantonistas testaram positivo e um dos médicos afastou-se por uns dias após perder um parente, também para a doença. “Na urgência de preencher os plantões, o jeito foi assumir a ala Covid-19”, contou a prefeita enfermeira.
De volta à saúde, a prefeita não esperou para decretar novas medidas restritivas na cidade – de lá mesmo, do hospital, sacou o seu iphone e gravou um vídeo para seus seguidores no Instagram: “Estou aqui para falar sobre as novas medidas decretadas”, anunciou. “Decidimos adotar novas restrições para preservar a vida de toda a população, visto o aumento de casos nos últimos dias”, explicou. “Faço aqui um apelo sobre a importância da colaboração de toda a população”.
O vídeo viralizou entre grupos de whatsapp na cidade e sensibilizou moradores, que se solidarizaram enviando lanches e oferecendo ajuda. “Teve gente que até colocou seu carro à disposição, caso fosse necessário transferir pacientes”, lembra Gabriela.
O caso de Capitão Gervásio ilustrou a expansão da doença em municípios e zonas rurais longe do centro e grandes cidades. “Foi um susto para nós, porque desde o início da pandemia nossa cidade vinha registrando pouquíssimos casos”. Na época, o Brasil já passava das 400 mil mortes e eram contabilizadas duas por dia. “Os profissionais estavam exaustos e também abalados, porque muitos estavam perdendo pessoas próximas”, conta a prefeita.
Hoje, Capitão Gervásio Oliveira contabiliza 254 casos e 12 óbitos. Na região, cercada por morros e córregos que banham uma grande barragem, somente o apoio da população – e a dupla jornada atípica da prefeita – bem como a chegada da vacina, aos poucos conseguiu frear o alastramento da epidemia. “Sigo recomendando a todos para não relaxarem nos cuidados”, pontuou a prefeita, agora de volta a seu gabinete. “A luta é coletiva”.
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