Em meio a uma multidão de pessoas com blusas vermelhas, a bandeira do Brasil, acompanhada da bandeira do Piauí, tremulava lado a lado no espaço Arena do Povo, em Teresina. A ocasião não era menos do que a vinda do ex-presidente Lula ao estado, no último dia 3 de agosto. O ato chamou a atenção do candidato que, assim que tomou o microfone, destacou: “Eu vou contar uma coisa que vocês me fizeram derramar lágrimas”, disse abrindo o discurso. “O povo do Piauí deu uma demonstração de grandeza: vocês recuperaram a bandeira nacional para o povo brasileiro”.
Na sequência, Lula fez referência ao presidente Jair Bolsonaro, a quem acusou de se apoderar dos símbolos nacionais. “Esse genocida não pode se apoderar da bandeira brasileira, porque a bandeira brasileira é do povo”.
Desde a corrida eleitoral de 2018, a ascensão da bandeira como símbolo bolsonarista tomou galope. Os contínuos episódios de associação da bandeira nacional à direita já viraram caso na justiça eleitoral, quando o Tribunal Superior Eleitoral, por meio da juíza Ana Lúcia Todeschini Martinez, da 141ª Zona Eleitoral de Santo Antônio das Missões (RS), decidiu contra o uso da bandeira do Brasil durante a campanha por considerá-la um símbolo político atual do governo Bolsonaro. A decisão foi inédita, mas também polêmica. Como resposta, pouco tempo depois, o presidente decidiu renovar seus estoques de bandeiras. Do Planalto, autorizou em uma canetada, 38 mil reais para a compra de 83 bandeiras brasileiras.
Bolsonaro também reagiu nas redes sociais, como de costume. O presidente criticou as declarações. “É absurdo querer proibir o uso da bandeira do Brasil sob justificativa eleitoral”, afirmou. “Não tenho culpa se resgatamos os valores e símbolos nacionais que a esquerda abandonou para dar lugar a bandeiras vermelhas, a internacional socialista e pautas como aborto e liberação de drogas”, escreveu o presidente da república.
Para João Benvindo, professor e doutor em linguística, Bolsonaro fez a lição de casa quando se inspirou em estratégias da extrema-direita utilizada em outros países durante as eleições. O movimento é global: parte desses partidos tem “usurpado” e criado roupagens para abrigar suas ideias por meio de símbolos nacionais. Em grupos de extremistas à direita, eles chegam a cultuar a bandeira.
Dessa forma, todos aqueles que não compactuam com a adesão do símbolo nacional são contrários aos ideais de patriotismo. E assim, fogem do significado original do ideal, explica Benvindo. “Esse discurso da extrema-direita por meio da bandeira é fantasioso”, destaca o professor. “A bandeira não significa um partido, tampouco uma pessoa”, complementa “É a representação do povo e a soberania de uma nação”.
Ao passo em que incita a exaltação de símbolos e cores, a extrema direita não se preocupa com os reais valores nacionalistas. Enquanto levantam as cores da bandeira, há um descompromisso – e até mesmo negacionismo – com pautas ambientais, preservação do território e bens nativos. Incitação à violência e discurso de ódio contra parte da população também podem ser considerados pensamentos contrários. “Esse discurso se abraça com a bandeira, mas não a representa, como também não representa o povo”, explica Benvindo.
Por outro lado, um embate no campo dos discursos também começou a minar a esquerda. Desde o início da corrida eleitoral, uma espécie de resgate dos símbolos nacionais, em especial da bandeira brasileira, têm sido traçado, em especial por Lula. Assim como no Piauí, Minas Gerais e São Paulo, quando receberam o presidente, repetiram o ato iniciado em Teresina: espalhar a bandeira entre a multidão vermelha. “É um movimento para tentar demonstrar que os símbolos não são uma propriedade privada da extrema-direita”, explica o professor. A ação não tem acontecido apenas nos comícios. No marketing do ex-metalúrgico, em que o tradicional vermelho predomina, a inclusão do azul, verde e amarelo agora também começam a tingir as artes na rede social do petista.
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