A família de Ana Paula precisou se desfazer de um veículo motocicleta para que ela pudesse realizar seu primeiro sonho: comprar um computador. Aos dez anos, ainda garota, participou de um curso de computação comunitário, no bairro Santa Maria da Codipi – foi amor à primeira vista. A menina declarava aos quatro ventos que queria ser programadora. Um dia, se aproximou do pai e disse: “vou ser hacker”.
O sacrifício da família valeu a pena: Ana Paula Mendes é hoje uma das poucas mulheres que ingressaram na turma de Desenvolvimento de Software pelo Instituto Federal do Piauí. Foi a partir dela que o primeiro grupo de mulheres e tecnologia foi formado no estado com o propósito de incentivar mais mulheres a ingressarem na área.
Pesquisadora na área de Inteligência Artificial aplicada à Biotecnologia, Ana Paula atualmente é desenvolvedora consultora na Thoughtworks, empresa estadunidense com sede no Brasil desde 2010. Bacharelanda em Ciência da Computação pela UFPI, ela conta que o universo da tecnologia mudou a sua vida e a de sua família. “Estou construindo uma trajetória na minha área como mulher, nordestina, proveniente de uma família de baixa renda e estudante a vida inteira de escolas públicas”, ressalta. “A tecnologia tem sido uma área que me abre muitas portas”.
Dados do TIC Domicílios apontam que mais da metade dos usuários de internet no Brasil são mulheres – mas, apesar do público feminino ser maioria como usuárias de aplicativos, redes sociais e dispositivos digitais, elas ainda são minorias na produção de tecnologia.
Se as mulheres constituem um número expressivo, espanta a ausência de pessoas do gênero feminino trabalhando nessa área. A pesquisa latinoamericana Women in Technology, procurou os motivos dessa escassez ao ouvir profissionais C-level (presidentes, VP’s, Diretores e Gerentes Gerais) que trabalham em empresas de tecnologia e engenharia: 37% dos entrevistados disseram que a razão principal é a falta de oportunidade.
Além desses dados, a disparidade entre os gêneros começa ainda na escolha da graduação – realidade que não tem mudado muito nos últimos anos: ainda que 60% dos formandos no ensino superior brasileiro sejam mulheres, apenas 23,9% delas se formam em cursos de engenharia.
Ana Paula destaca que a área de tecnologia, como muitas outras, tem um padrão onde pessoas privilegiadas têm mais acesso e mais visibilidade para crescimento. “Não só mulheres, mas todos os recortes de diversidade têm mais dificuldade de entrar e permanecer na área”, observa. “As dificuldades vão de preconceitos, reproduções de vieses, a desigualdade salarial e vários outros problemas.”, explica.
De acordo com a empresa de recursos humanos Revelo, a diferença de remuneração oferecida para homens e mulheres no setor de tecnologia era de 22,4% em 2017 e passou para 23,4% em 2019. Em números, a média da proposta de salário às mulheres em 2019 foi de R$5.531 – para homens, a média foi de R$6.829.
No entanto, mudanças importantes começam a ser consideradas. Nos últimos cinco anos, a participação feminina nas áreas de tecnologia cresceu 60% — passando de 27,9 mil mulheres para 44,5 mil em 2019, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Mas, ainda assim, elas representam apenas 20% dos profissionais de tecnologia do país.
Além da inserção
Em 2016, Ana Paula co-fundou um grupo em Teresina, que tem como objetivo incentivar a permanência de mulheres na tecnologia. O PyLadies é um grupo internacional com sedes por todo o mundo e que atua no empoderamento de mulheres na tecnologia usando o código aberto Python. O grupo recebe mulheres sem distinção alguma e busca incentivá-las a conquistar seu espaço no mercado de computação. Tüm çağrı çeşitleri ücretsizdir. mosbet jackpot ve turnuva ödülleri̇
A programadora conta que a ideia surgiu quando houve o evento Python Nordeste em Teresina – em um auditório lotado de homens, apenas 10 mulheres participaram. Desde então, Ana pensou em maneiras de incentivar cada vez mais mulheres a se interessar pela área tecnológica. “A ideia do grupo é que haja rotatividade na participação de mulheres à frente e com frentes horizontais”, comenta. “O PyLadies Teresina é um dos capítulos que existem não só no Brasil, mas no mundo, já que a iniciativa é global”, frisa.
Para pesquisadores, nunca foi tão propício ampliar a participação feminina neste mercado – mesmo com a crise econômica e os efeitos causados pela pandemia, o setor tem estado aquecido e com boas previsões para 2022. Mas, para Ana Paula, o desafio não é apenas entrar no mundo da tecnologia – mas sim permanecer nele. “A busca alta é por quem já tem experiência e mulheres e pessoas dentro de recortes já enfrentam a dificuldade para entrar na área”, aponta. “Permanecer é pior ainda, se nem há portas para entrar”, diz.
Os desafios profissionais de mulheres na área da tecnologia não deveriam estar atrelados ao gênero. Mudar esse cenário passa pela necessidade de ampliar o número de profissionais (programadoras, engenheiras da computação, analistas de dados e outras), garantir a contratação de mulheres em organizações (sejam elas públicas ou privadas) ampliando a diversidade e, principalmente, mudar uma cultura estrutural: desconstruir a ideia de que o mundo da tecnologia não pertence às mulheres é um desafio para essa geração.
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