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Cadê a floresta?

Área desmatada no Piauí equivale 26% da extensão de Teresina e não há fiscalização efetiva

03 de setembro de 2021

Edição Luana Sena

Seja por causas naturais, para criação de gado ou agricultura, a degradação da vegetação nativa é um dos principais problemas ambientais do país. O desmatamento tem se acentuado ao longo dos anos e o Piauí segue a tendência. Somente em 2020, o estado teve 357km² de área desmatada – extensão territorial equivalente a 26% da cidade de Teresina. 

Os dados são referentes à pesquisa do projeto MapBiomas, que utiliza o  sensoriamento remoto e satélites para verificar a cobertura do solo. Com base no sistema, o percentual de área desmatada no estado concentra-se no Cerrado (84,7%) e adentra a Caatinga (15,7%) – bioma que era considerado hostil e inabitável.

Monitorar o desmatamento e o uso da cobertura do solo no Piauí é um dos objetivos da pesquisa de Vicente Sousa, doutorando em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Seus estudos têm buscado aprimorar a caracterização do regime de chuvas e seca para melhorar a calibração dos dados sobre desmatamento. O pesquisador aponta que os principais setores de expansão econômica do estado – agricultura e empreendimentos de energias renováveis, por exemplo – impactam o bioma. “O mercado de grãos está começando a adentrar na caatinga e os empreendimentos no setor de energia, tanto a eólica quanto a solar, de uma forma ou de outra, precisa da supressão vegetal”, aponta. O agronegócio, no entanto, continua sendo o grande vilão nesta degradação.

Dos 224 municípios do estado, 194 registram alertas de desmatamento. Os casos mais preocupantes de alteração na cobertura do solo estão localizados na região sudoeste, área de abrangência do Matopiba onde o cultivo de grãos teve forte expansão desde os anos 1980. De acordo com o levantamento, pelo menos 50 municípios desmataram acima de 100 hectares de terra. O recordista no registro de supressão, de acordo com o sensoriamento, é a cidade de Uruçuí com 3.372,06 hectares. Os índices no município também se destacam como um dos piores a nível nacional.

O sertão vai virar cinza

A cidade de Uruçuí, o maior município piauiense em extensão territorial, tem enfrentado uma das piores temporadas de queimadas dos últimos anos. Somadas as altas temperaturas, viram o principal motivo de queixa de seus moradores – principalmente para quem estava ali e sempre preservou a mata nativa.

Maria da Conceição, a Dona Dam, indígena e presidente dos trabalhadores rurais da cidade, avalia essa mudança: “Nós vemos que acabou, você anda por muitos hectares e não vê um pé de árvore”, se queixa. “Ainda estão expulsando os moradores antigos e indígenas da região”. A sindicalista explica que a cultura de plantio da agricultura familiar se dá de maneira mais sustentável e equilibrada para a preservação da diversidade ecológica. 

A agricultura familiar atualmente é responsável por 70% da alimentação do brasileiro e, quando ligada às práticas agroecológicas, tende a não causar tantos impactos negativos – divergindo das ações provindas das gigantes produções agrícolas que produzem em supremacia para exportação.

O desmatamento na cidade, portanto, está ligado às atividades de grande porte – em alguns casos sendo reconhecido e legalmente autorizado pelas leis do município e estado. A secretária de Meio Ambiente, Luceny Rodrigues, explica que a supressão é uma atividade recorrente na área. “Os produtores pedem o licenciamento que, dependendo da área, é concedido pelo estado ou município”, explica. Ela afirma que a cidade investe na conscientização e plantio de árvores, mas não há pesquisas locais sobre o impacto no futuro.

Não é um caso específico de Uruçuí. Do outro lado do mapa, a administração da cidade de Júlio Borges foi surpreendida com a quantidade de alertas sobre desmatamento do MapBiomas. O fato fez com que a cidade perdesse o selo ambiental que havia conquistado há pouco mais de um ano. O alerta gerou reuniões e investigações em busca de descobrir as razões – para a prefeitura, os motivos não são perceptíveis. Os gestores trabalham com a hipótese dos alertas de desmatamento estarem relacionados às queimadas.

A bióloga Flávia Reinaldo, que mora na cidade, acredita que as queimadas não tenham sido provocadas propositalmente. “Aqui é uma cidade pequena e conseguimos facilmente identificar essas pessoas que estão derrubando para queimar”, indica, acreditando que as ações façam parte de outras atitudes relacionadas a crimes ambientais. “Já constatamos fogueiras de caças irregulares”, comenta. “Ao deixar faíscas no mato, o fogo se alastra e, nesse período seco, ninguém consegue pará-lo”. A chuva escassa também contribui para os frequentes incêndios. Júlio Borges está hoje entre as cidades que decretaram situação de emergência devido a estiagem. 

Outro fator que pode contribuir para o aumento do índice, na visão da bióloga, são as também altas taxas das cidades circunvizinhas: Curimatá e Parnaguá. “É comum o fogo sair de um município para o outro e vice-versa”, relata. “Os municípios estão interligados e um acaba afetando o outro”. Apesar da quantidade anual de alertas  (só no ano passado foram 26), Júlio Borges ocupa a 40ª posição entre as cidades que mais desmataram no estado, com 135 hectares comprometidos. A cidade de Curimatá registrou 20 alertas e Parnaguá, por sua vez, ocupa a 5ª posição no ranking estadual de desmatamento – foram 61 alertas somente em 2020.

Rota da madeira ilegal

A dificuldade em compreender e detectar o desmatamento não é isolada e potencializa a ilegalidade. Dos quatro municípios que integram a região do Matopiba, Piauí, Maranhão e Bahia são os que mais pecam na falta de transparência e ausência de dados sobre supressão de vegetação.

A conclusão foi de um levantamento feito em parceria do Instituto Centro de Vida (ICV), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – ao solicitar dados por via da Lei de Acesso à Informação, constatou-se um quadro preocupante: dados oficiais de baixa qualidade, limitação ou mesmo indisponibilidade de acesso a informações ambientais – algo que, por lei, deveria estar disponível a sociedade. Pela ausência de dados e documentos que autorizam a supressão de vegetação natural, o mesmo relatório considera que 98,9% da madeira extraída no Piauí pode ser ilegal.

Durante a apresentação do Relatório Anual de Desmatamento da região Nordeste, o governador do Piauí, Wellington Dias, que também preside o consórcio de governadores do Nordeste, reconheceu que o desmatamento na região é “um dos mais desafiadores”. “E temos dentro do próprio poder central uma das políticas que contrariam os tratados e acordos do Brasil”. Assim como as vacinas, a situação climática foi um dos embates do discurso de Dias contra o Governo Federal, responsável por um dos maiores prejuízos ambientais no pantanal e na Amazônia nos últimos anos.

A falta de transparência de dados é apenas uma das dificuldades para a fiscalização do desmatamento. As rodovias federais do Piauí funcionam como uma das principais rotas de escoamento de madeira ilegal, que tem como destino as regiões sul e sudeste. As maiores apreensões são concentradas nas áreas de BR’s: Teresina a Piripiri (343), Floriano (230), Manoel Emídio e Eliseu Martins (135), Alto do Parnaíba/MA e Santa Filomena (235).

Entre janeiro e julho deste ano, 18 pessoas foram autuadas nas rodovias do estado e 697m³ de madeira ilegal foram apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal (PRF/PI). A madeira mais apreendida e extraída no Piauí é a do tipo lenha utilizada para fabricação de tijolos – o principal ponto de apreensão se dá na cidade de Santa Luzia. Já a madeira serrada concentra as apreensões em Floriano, Picos, Teresina e Bom Jesus – essa é a madeira utilizada na construção civil, que são também as mais contrabandeadas no país.

Nas apreensões, o transportador ou não possui a documentação ou apresenta arquivos falsificados. Apesar do aumento do efetivo rodoviário, que possibilitou um considerável aumento de apreensões em 2020, ainda há brechas no trabalho dos agentes. “A distância que precisamos percorrer, além da atenção para outras demandas acabam fazendo com que alguns trajetos fiquem sem nenhuma fiscalização”, diz Raniele Bezerra, policial rodoviário. Ele aponta o transporte noturno de cargas ilegais como estratégias para driblar a fiscalização.

Bezerra chama ainda a atenção para a colaboração da sociedade civil para coibir este tipo de ação: “Uma das formas de desestimular o desmatamento é comprar apenas de empresas legais”, recomenda. “Podem ser feitas pesquisas sobre o assunto e histórico das empresas”.

Em relação ao assunto, a Secretaria de Meio Ambiente enviou uma nota em 09/09, esclarecendo a fiscalização do desmatamento no estado. Veja nota na íntegra:

Realizamos fiscalização sistemática de desmatamento em todo o estado, principalmente na região dos cerrados. Essa fiscalização é feita com o auxílio do Centro de geo referênciamento, que faz o controle remotamente. Esse centro foi adquirido pelo governador por intermédio do Consórcio Nordeste.
A ferramenta virtual faz o acompanhamento dos biomas, do solo na área desmatada do reflorestamento fortalecendo o trabalho de fiscalização.
A autorização de desmatamento só são feitas pelo sistema SINAFLOR, que tem critérios rigorosos para autorização legal de desmatamento.
Nos anos de 2019 e 2021 a Semar reduziu em 76% o desmatamento em áreas protegidas pela lei da mata Atlântica no estado. Dados do INPE o Piauí foi o estado que mais reduziu o desmatamento em área da mata Atlântica.
O desmatamento ilegal é um das causas mais danosa ao meio ambiente, tanto a curto, médio e a longo prazo. Ele é a causa do aumento da camada de ozônio, pois destrói a cobertura do solo, reduz a biodiversidade.

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Categorias: Reportagem

Camila Santos

Graduanda em jornalismo na Universidade Federal do Piauí.

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