14 décadas depois de um decreto imperial, o exército brasileiro iniciou a perícia da região de litígio de terras entre Piauí e Ceará. Em sessão plenária na última quarta-feira, dia 3, o deputado estadual e presidente da Comissão de Estudos Territoriais da Assembleia Legislativa do Piauí, Franzé Silva, afirmou que a previsão para a entrega é até o final do primeiro trimestre de 2022.
Trata-se de uma ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), desde 2011, e prevê uma reconfiguração territorial. Caso o Piauí tenha vantagem na justiça, 14 cidades cearenses podem ser afetadas. São elas: Carnaubal, Crateús, Croatá, Granja, Guaraciaba do Norte, Ibiapina, Ipaporanga, Ipu, Ipueiras, Poranga, São Benedito, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará.
De acordo com o pesquisador em litígios, Eric Melo, antigamente, se dizia que o litígio havia surgido de uma “troca” entre Piauí e Ceará, que era o litoral do Piauí. No entanto, o Ceará invadiu o litoral do Piauí e em 1880, Dom Pedro II assinou um decreto obrigando a devolução desse litoral. Paralelo a isso, em decorrência das secas de 1840 e 1877, o Ceará recebe atenção especial do Império, que aproveitando o decreto, decide passar para o Ceará terras do leste do Piauí, que compreendem as nascentes do rio Poti. “Não foi uma troca”, frisa.
O pesquisador afirma que, os arquivos aos quais teve acesso durante sua pesquisa, na Torre do Tombo e no Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa-Portugal), mostram que o Piauí já tinha território definido desde 1760, com o Mapa de Galucio. O primeiro mapa do Ceará é apenas de 1800 – nele, é possível entender que o Ceará nunca teve posse do litoral piauiense. “Daí temos como provar a primeira invasão, que originou o decreto de Dom Pedro II”, explica.
Cerapió ou Piocerá
Para Eric, o Piauí precisa contar a sua versão da história, pois o estado sempre reivindicou suas terras junto aos governos centrais e reclamou sobre as invasões. O Ceará, por sua vez, sempre conseguiu abafar a questão. “Não é área de litígio entre o Piauí e o Ceará, é o território piauiense invadido pelo Ceará”, afirma.
Para ele, a situação é tão complexa que há uma união de esforços do lado cearense para vender a história de que são vítimas do Piauí, acusando o estado de nunca ter reivindicado as terras. “Órgãos públicos, políticos e jornalistas cearenses estão juntos nisso. Nesse ponto o Piauí é passivo”, afirmou. “O que se pode fazer é unir esforços e consultar as fontes que hoje trazem provas e uma versão mais lúcida e clara do que é o litígio entre Piauí e Ceará: a universidade”, pontuou.
Os principais documentos que comprovam o pertencimento dessas áreas ao Piauí são cartas donatárias do século XVI, mapas históricos do século XVIII, além de decretos do século XIX. Há também o acordo firmado em 1920 e as imagens de satélite que servem de suporte para a aplicação das técnicas de divisa de território, bem como do avanço cearense ao território do Piauí.
O pesquisador acredita que, para o Piauí, o ponto positivo será a consolidação do seu território – o que para a gestão pública é a base administrativa. Também podem ser considerados pontos positivos o incremento populacional e de arrecadação, além das possibilidades de uso dos recursos naturais. Entretanto, dependendo do mapeamento do Exército Brasileiro, áreas que hoje se apresentam como Ceará passarão a jurisdição do Piauí – essa burocracia transitória poderia ser um ponto negativo.
4 comentários
Hugo Napoleão · 7 de novembro de 2021 às 12:31
Como governador do Piauí entre 1983 e 1886 iniciei um processo com o governador do Ceará Gonzaga Mota para por fim ao litígio, através dos Procuradores dos Estados do Piauí (Alfredo Nunes) e do Ceará), Claudino Sales com a cooperação do IBGE e do Serviço Geográfico do Exército.
Decio Rocha · 11 de abril de 2022 às 10:51
Acho que independente do Estado do Piauí possa ter direito a tais terras, existe uma cultura mais do
que centenária das pessoas que vivem nestes 14 municípios que se sentem cearenses e que por uma
canetada jurídica pode mudar tudo. Absurdo tal situação afora outros aspectos econômicos e sociais.
Jailton Costa Fernandes · 14 de junho de 2022 às 19:49
Por favor senhores governantes do Ceará não deixar que um absurdo desses aconteça protejam o nosso território.
Carlos Melo · 5 de dezembro de 2022 às 22:27
Com relação a estratégia de marketing, o Ceará conseguiu implantar a ideia de uma troca de litoral por terras, haja vista o Piauí não “possuir” litoral, mas com essa pesquisa séria do Sr. Eric Melo, que consultou documentos históricos em Portugal, hoje, nós piauienses temos nossa versão da História e temos consciência que fomos lesados e que em várias passagens do tempo o Ceará usa de artifícios para não devolver aquilo que nos pertence.