sábado, 23 de novembro de 2024

Diamantes com sobrenome

Aliado de Bolsonaro possui carta branca para mineração no Piauí; exploração vem sendo autorizada desde 2015

26 de novembro de 2022

Edição Luana Sena

Desde quando Monte Alegre foi fundada, em 1945, no Sul do Piauí, a história dá conta que duas casas de palha foram levantadas para indicar que ali havia gente. Explodiu, bem no ano seguinte, rumores sobre uma mina rica em diamantes, justamente no local onde os camponeses se instalaram. Com a notícia tudo mudou: garimpeiros, aventureiros e fazendeiros começaram a chegar na região em busca das pedras. Mesmo com a imigração constante para o município nas últimas décadas, a população continuou minúscula e o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) menor ainda: por lá, moram menos de 10 mil habitantes, com um índice de 0,589 – considerada baixa no que diz respeito à riqueza e desenvolvimento das cidades. 

Em menos de dez minutos chega-se à cidade vizinha, Gilbués. O município é conhecido como o deserto brasileiro, por ter o solo mais degradado do Nordeste. Assim como Monte Alegre, a cidade sofre com o fenômeno da desertificação, fruto de interferência humana, como as atividades de mineração e o avanço do agronegócio.

Leia mais: Efeitos das mudanças climáticas podem trazer alterações irreversíveis para o agronegócio no Piauí

As riquezas minerais do Sul do estado brilharam aos olhos de grandes empresários nacionais e internacionais. A NPC Mineradora e Incorporadora Ltda, ligada à família do ministro e ex-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), João Nardes, foi uma delas. Ao longo da última década, ela conseguiu quatro autorizações para explorar diamantes em uma área de 1.260 hectares na região de Monte Alegre e em outra complementar, de 468 hectares, também na região. O perímetro é equivalente a sete estádios Khalifa International, o complexo esportivo onde está sediada a Copa de Futebol no Catar.

A primeira autorização aconteceu em janeiro de 2015, quando a Agência Nacional de Mineração (ANM) recebeu uma autorização para pesquisar diamantes por três anos na mesma área. Assim que o prazo acabou, na gestão de Jair Bolsonaro, a relação entre o empresário Nardes e o presidente ia se solidificando. A autorização para dar continuidade à exploração nas áreas em Monte Alegre foi concedida pelo governo em 2019.

No entanto, entre 2017 a 2021, a NPC foi autuada pelo não pagamento da taxa Anual por Hectare (TAH). Uma taxa que incide sobre os requerimentos de pesquisa mineral e também por problemas na apresentação do relatório de pesquisa. O período das multas revela que, mesmo autuada, a mineradora continuou recebendo alvarás. Confira um dos alvarás neste link. 

Na última semana, os holofotes foram colocados sobre o sobrenome Nardes. Um áudio com teor golpista foi divulgado pelo empresário incitando as manifestações antidemocráticas promovidas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Em gravação divulgada pela Folha, o magistrado comentou que, “eram questões de horas, dias, no máximo, uma semana, duas, talvez menos do que isso”, para um “desenlace bastante forte na nação”. Um dia depois do vazamento do conteúdo, Nardes tentou se retratar e pediu licença médica no TCU. Agora, a própria instituição quer que o áudio seja investigado – e uma ala dos ministros tem sugerido a aposentadoria de Nardes. 

O atual ministro é filiado ao PP e foi indicado ao cargo no TCU ainda em 2005, quando era deputado federal. Em setembro do mesmo ano, ele assumiu o cargo, nomeado pelo presidente Lula. Dez anos depois, Nardes foi o responsável pela análise das contas da ex-presidenta Dilma, quando foram relatadas as pedaladas fiscais que levaram ao seu impeachment. Na época, o ministro afirmou que a presidenta tinha responsabilidade direta nas ações. 

Logo após a destituição de Dilma, Nardes foi alvo de diversos escândalos de corrupção. Acusado de propina a integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), vinculado ao Ministério da Fazenda, o magistrado teve seu inquérito arquivado pelo Supremo Tribunal Federal em 2019 – ano em que recebeu o alvará de Bolsonaro. Em 2018, seu nome foi citado em uma delação premiada da Operação Lava Jato. Segundo o ex-subsecretário de Transporte do Rio, Luiz Carlos Velloso, o ministro teria movimentado 1,2 milhão de reais na corretora Advalor, alvo da investigação.  

Agora, a empresa ligada à família Nardes está no epicentro da exploração de diamantes no Piauí. A flexibilização para autorizar esses empreendimentos de exploração mineral e vegetal configurou-se nos últimos anos como “a boiada passando” – declaração feita pelo ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, também da gestão de Bolsonaro. A preocupação de climatologistas, como Werton Costa é, sobretudo, com o caráter danoso ao meio ambiente. “Essa autorização para ampliar a área de mineração dentro de um ecossistema já frágil vai potencializar a degradação do ambiente”, alerta Werton para as áreas de extrema desertificação ao Sul do Piauí. “É uma ação que preocupa a comunidade acadêmica, científica, mas especialmente a comunidade que habita a região” complementa.

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