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Eles que nos convençam

Negras e evangélicas podem definir eleições presenciais; religiosos são maioria do eleitorado de Bolsonaro - mas mulheres preferem Lula

26 de maio de 2022

Edição Luana Sena

Rita de Cássia Araújo, 54 anos, arruma o terraço para receber uma dezena de mulheres da igreja para as reuniões semanais, todo sábado, no final da tarde. O encontro faz parte do que chamam de “célula”, onde ela é a líder e guia sobre os ensinamentos da bíblia. “Conhecereis a verdade, e a verdade os libertará”, refere-se ao encontro. A maioria é como ela: mulheres evangélicas, pertencentes à Igreja Batista Bereana, casadas e negras. Todas moram na região do bairro Mocambinho, zona Norte de Teresina, onde também fica localizada a igreja.

As mulheres que se reúnem na casa de Rita fazem parte do grupo que pode definir as eleições presidenciais de 2022. Ao contrário do último pleito, agora, com o ex-presidente Lula na disputa, esse público tem provocado rachas no eleitorado. Enquanto os homens e evangélicos ainda permanecem com Bolsonaro, as mulheres têm se dividido entre os candidatos e mirado no petista, aponta pesquisa do Datafolha. Levando em consideração que as evangélicas são, em sua maioria, pretas e pardas, a disputa poderá ser definida pelo grupo. Em todo o país, as mulheres são mais de 60% dos evangélicos.

Até agora, Rita de Cássia, a líder de célula, não tem se sentido convencida por nenhum pré-candidato. Nas eleições passadas, ela votou em Bolsonaro. Na época, a dona de casa se afeiçoou ao candidato do sudeste, atraída por um discurso que pregava a fé e os costumes tradicionais. Esposa de militar, imaginou que a classe seria reconhecida na gestão de um contemporâneo. “Ele não realizou nem a metade”, comenta. Passados quase quatro anos de gestão, a mulher já não garante o mesmo voto, mas também não pretende votar no antagônico do PT. “Na verdade, é difícil eu votar em um cristão também”, complementa. “Muitos dizem que são cristão, mas depois que entram na política, se corrompem demais”, declara.

A participação dos evangélicos presentes em cargos eletivos têm desmotivado parte das mulheres negras a se engajarem na política. A jornalista Kamila Barbosa, de 24 anos, faz parte da Igreja Presbiteriana Independente de Teresina, e destaca não se sentir representada por nenhuma das pautas que circulam na bancada evangélica. Como mulher negra, essa representação é ainda menor. Ela não votou em Bolsonaro na eleição passada, e também não pretende mudar de ideia – mas preferiu não revelar o voto à reportagem. “Não quero candidatos que usem o nome de Deus pra se eleger, quando na verdade não tem uma visão cristã de fato”, finaliza a jornalista.

Diferente de Sandra da Silva, 33 anos, fiel da Congregação Cristã do Brasil. Ela vota nulo há quase 16 anos, quando se mudou para São Paulo. Mas antes disso, dentro de casa, o pai conservador não permitia que a família votasse em Lula. Acolhida pelas propostas do petista, como Prouni (Programa Universidade Para Todos), contrariou o pai e escolheu o candidato nordestino nas vezes em que foi às urnas – em segredo da família. “Quando disse pela primeira vez que iria votar no PT, meu pai me jogou uma chinela no rosto”, relembra Sandra. “Se meu pai ainda fosse vivo, ele votaria no Bolsonaro”, garante a enfermeira.

Nesta eleição, ela quer fazer diferente e realizar algo que não faz há tempos: sentar para assistir o programa eleitoral e pesquisar as propostas de cada candidato. Essa vontade começou quando viu uma colega da igreja, de outro estado, organizando os jovens da igreja para discutir política. “Comecei a repensar se eu também não poderia fazer algo pela minha comunidade”, diz, “e por que não, começar com o voto?”, destaca Sandra. “Estou cansada de ver gente que é farinha do mesmo saco. Esse ano quero escolher a dedo quem vai ser o melhor para me representar”, diz.

Fazendo parte dos 70% de evangélicos que votaram em Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição de 2018, Bruna Carla, de 25 anos, da Igreja Nova Aliança, vai votar de novo no atual presidente. Para ela, Bolsonaro deve ser o único candidato que se aproxima dos seus princípios. As ideias da esquerda vão de encontro com algo que ela teme e que, aposta, aconteceria se Bolsonaro não tivesse ganhado a eleição: a legalização do aborto.

A medida, no entanto, se fosse legalizada, não impactaria na vida da jovem – que afirmou jamais se submeter ao procedimento de interromper uma gestação. Por outro lado, em quatro anos de gestão, ela não soube pontuar quais ações e políticas do atual governo impactaram na sua vida ou de familiares. “Para falar a verdade, não tenho acompanhado seus projetos ultimamente”, declara a estudante. “Mas se ele fosse a favor do aborto, eu não votaria mais”, garante.

Haianne Maciel, 25 anos, também votou em Bolsonaro no segundo turno. À época, estava na igreja, a Assembleia de Deus Ministério Tambiá. Durante os cultos, no período das eleições, os pastores pediam para que os fiéis procurassem candidatos que apoiassem os princípios da igreja – mas não diziam explicitamente um candidato. O slogan “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” veio a calhar. E por conta disso, na urna, apostou no capitão.

Hoje, arrepende-se da escolha e chega a se sentir constrangida. Nas eleições deste ano, ela faz parte do grupo que tem mantido a racha entre o perfil de evangélicos: até março, Bolsonaro recuperava prestígio entre os evangélicos, mas agora tem perdido apoio entre as mulheres, que têm transferido votos a Lula. Afastada da igreja, Haianne percebe que o presidente pouco segue os ensinamentos cristãos. “Enquanto Bolsonaro usa a TV para falar de armas, Jesus congregava falando de amor e perdão”, destaca. Agora, ela pretende votar no candidato do PT. “Quero a esperança de viver um país sem violência e fome”, pontua Haianne.

Políticas de família

Entre as mulheres evangélicas entrevistadas pelo oestadodopiaui.com, a pauta da família é recorrente. Queixas sobre falta de creches, insegurança nas ruas, projetos que abraçam a juventude, incentivo ao mercado de trabalho tem sido o topo de suas preocupações. Discordâncias sobre movimentos sociais, como pautas feministas ou direitos LGBTQIA+, aparecem em suas falas, mas garantem que a intenção não é retirar direitos de outros grupos para tomar atenção para si.

A questão, que por muitas vezes sai mal interpretada, é como a pauta familiar nunca sai do radar – e a sua perda tem sido associada como antagônicas às pautas da esquerda. Sandra, que é mãe de um menino de oito anos, não teme que o filho tenha acesso a conteúdos de diversidade, mas que ele tenha acesso à uma educação que o desestimule a respeitar a família. Ela aponta que o receio não se trata de uma bandeira política, mas de um problema geracional. “Muitas vezes não conseguimos entrar em discussões acadêmicas porque estamos tentando manter nossos filhos alimentados, entende?”, declara a enfermeira.

O peso do voto evangélico já tem sido observado – tanto por Lula quanto por Bolsonaro. Mas, o diálogo com o principal perfil do eleitorado tem sido direcionado aos homens. Enquanto Bolsonaro mantém a aliança com o pastor da Igreja Assembléia De Deus Vitória em Cristo e cabo eleitoral, Silas Malafaia, Lula tem se reunido com eleitores cristãos e pastores. A maioria das lideranças, ainda são homens e brancos.

Enquanto isso, para outras evangélicas, como Micaele Silva, de 28 anos, já passou da hora da mulher dentro das igrejas assumirem papéis de lideranças – uma vez que são maioria nesses espaços. Para ela, se conectar com as mulheres religiosas é falar de educação e saúde, enquanto para a maioria dos homens evangélicos, basta se aproximar do modelo de masculinidade conservadora. Por conta disso, ela aponta, não é difícil os candidatos de direita penetrarem no imaginário social dos homens evangélicos.

 

A simples ideia do poder bélico como proteção à família, ou combate à qualquer ideia que afronte a masculinidade, já é suficiente para garantir a maioria dos votos dos homens nas igrejas.

Com as mulheres, essa ideia é diferente. “Elas pouco pensam em políticas de gênero, mas em políticas para seus filhos”, complementa Micaele. “Atingir uma mulher negra, periférica, e da igreja, é se aproximar da família e os problemas de acesso aos direitos básicos dentro da comunidade”, pontua a evangélica.

Enquanto os presidenciáveis buscam apoio com os homens evangélicos, as mulheres entrevistadas pela reportagem garantem que, independente da posição da igreja, os seus votos não são influenciáveis ou indicados pelos pastores. Os votos de Rita de Cássia, Jéssica e Sandra, que ainda não estão acertados, devem ser direcionados a quem melhor apresentar propostas para as mulheres como elas. E relatam que, para isso, só há um jeito: ouvir suas demandas de frente, sem intermediários.

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