Até o início da pandemia no Piauí, Carolyne Barbosa vivia com a mãe, na capital. No primeiro trimestre de 2020, após sua mãe se mudar para o interior do estado, precisou iniciar uma fase bastante agridoce: morar sozinha. A independência não lhe foi tão novidade, pois sempre foi destemida. Mas entre pilhas de caixas, telefonemas, inseguranças, negociações para fechar o contrato de aluguel do novo lar e até certa ansiedade, ela pôde perceber que a nova etapa seria, antes de tudo, mais cara.
A partir dali, Carolyne passaria a arcar com tudo que é preciso para manter uma casa e, sem ninguém para dividir, as contas se multiplicaram. Somada a isso, a pandemia chegava ao Piauí no mesmo período, mudando toda a dinâmica social e comercial do estado e impactando o bolso da população local, inclusive o da jovem. Uma pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) apontou que, em meados de 2021, 71% das famílias brasileiras estavam endividadas.
Das pessoas endividadas hoje no Brasil, 68% apresentam idade entre 25 e 51 anos e devem principalmente ao cartão de crédito e financiamentos. Desse total, 70% são mulheres – o grupo mais afetado economicamente. A empresa responsável pela pesquisa é a Paschoalotto, especializada em cobrança de dívidas, que considerou todos os devedores registrados em seu sistema: mais de 5,5 milhões de endividados.
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Se viver no Brasil já era difícil, com a pandemia as coisas pioraram. O desfalque no comércio, a escassez de oportunidades no mercado de trabalho e as crises em empresas criaram uma bola neve que pesa mais sobre o trabalhador comum – ou melhor, principalmente sobre as trabalhadoras. Elas sentiram na pele, e no bolso, a deterioração da parte financeira. Um dos fatores que explica essa realidade é o índice menor de oportunidade no mercado de trabalho, bem como a informalidade, mais comum entre as mulheres, que tentam gerir uma renda incerta para sobreviver.
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Mesmo trabalhando formalmente, Carolyne sentiu os efeitos econômicos da pandemia e é parte da estatística de mulheres endividadas atualmente. “Antes da pandemia, meu salário dava para pagar as contas da casa e ainda sobrava um dinheirinho”, contou à reportagem. “Até plano de saúde eu tinha”, lembrou. Contudo, seu salário não acompanhou a inflação trazida com a crise de saúde, inflação essa que ela vê como a principal causa das suas complicações financeiras. “Tudo aumentou e meu salário estagnou”.
Para conseguir arcar com todas as suas despesas, Carolyne busca aumentar sua renda trabalhando como freelancer no tempo livre e, neste ano, passou a dividir o apartamento com outra pessoa. Apesar dos apertos, ela tem conseguido pagar as contas mensais. O que sobra é usado para os custos de alimentação, que não podem mais ser mantidos como uma despesa prioritária.
O cartão de crédito deixou de se tornar um auxílio para a jovem e passou a ser visto como uma ameaça, pelas faturas em atraso. Mesmo assim, não é essa a sua maior preocupação. Atualmente, ela deve mais de 8 mil reais à faculdade. “Quando comecei a morar sozinha, precisei abrir mão da faculdade, as mensalidades acumularam e eu me endividei”, explicou ao oestadodopiaui.com. Para se livrar da dívida, Carolyne pensa em voltar a viver com a mãe, pois não teria mais tantos custos, principalmente com aluguel.
Francisco Sousa, economista, explica que o endividamento feminino é multicausal, mas um dos seus principais fatores é a composição do mercado de trabalho no Brasil. A dinâmica atual apresenta outros problemas além da informalidade de trabalho na vida das mulheres. “Há diferenças salariais entre homem e mulher, já demonstradas em diversos levantamentos”, ressaltou. “Junto a isso, tem crescido o número de mulheres chefiando lares nos últimos anos”, conclui.
A conta não fecha. Mulheres têm acumulado mais trabalho, mais despesas – especialmente com o lar – e mais responsabilidades. Enquanto isso, os recursos financeiros estagnam ou diminuem.
Para o economista, os perfis de consumo também influenciam nas estatísticas, deixando a população feminina em desvantagem. Ele explica que homens e mulheres têm um padrão de consumo diferente em relação a vários itens, e essa diferença costuma pesar mais no bolso das mulheres.
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