Desde as eleições municipais em 2020, o Piauí se tornou um reduto eleitoral do Partido Progressista (PP), presidido nacionalmente pelo Ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira. Durante o pleito, o ex-senador conseguiu eleger aliados em 84 prefeituras – o que representa 37,67% das administrações públicas municipais. Não por acaso, foi ainda no estado que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), gerenciado por Marcelo Lopes da Ponte, indicado de Nogueira, autorizou em 2022 a construção de 52 novas escolas no estado. Enquanto isso, existem 99 obras em colégios, creches e quadras poliesportivas abandonadas no Piauí, conforme revelou o Estadão.
Ao todo, cerca de 2.000 unidades escolares espalhadas pelo Brasil tiveram suas construções anunciadas por prefeitos e deputados correligionários dos Progressistas pelas redes sociais dos gestores e perfis oficiais das prefeituras. Porém, o orçamento anual do FNDE, neste ano, é de R$114 milhões e, para executar as construções anunciadas, seriam necessários R$5,9 bilhões. A diferença calculada é de 5,78 bilhões que, segundo apontou a reportagem do Estadão, só seria arrecadada nos próximos 51 anos. Sem dinheiro, tampouco recursos para continuar as obras paradas, os anúncios das novas construções foram batizados de “escolas fake”.
Há 3,5 mil construções de escolas abandonadas no país, que precisam de 1,7 bilhões para serem concluídas. Uma delas está no município de Oeiras, no bairro Canela, com abertura da proposta em 2012. De lá para cá, pouca coisa mudou. Da porta de casa, a menos de 100 metros da construção, Ana Maria* consegue ver a estrutura abandonada, deteriorada pelo tempo. Há oito anos, quando a mulher se mudou com a família para a Rua Major Doca Nunes, trabalhadores da construção levantavam, lentamente, as paredes e telhado do prédio. Sem janelas, portas, ou qualquer sinal de retomada da obra, o espaço agora é tomado pela vegetação. O que seria a fachada da escola, agora, se encontra coberta de plantas.
Segundo dados do SIMEC – Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle -, a obra seria uma Escola de Educação Infantil, onde também funcionaria uma creche. O primeiro repasse, de R$ 700 mil, foi entregue em 2013, após a primeira homologação da licitação. Até agora, segue inacabada. “Era para ser um lugar para botar nossas crianças, sem preocupação, mas agora virou um espaço abandonado e tomado por usuários de drogas”, conta à reportagem.
A 310 quilômetros de Oeiras, na zona rural de Altos, duas quadras esportivas também foram abandonadas. Uma está no povoado Quilombo, e deveria fazer parte da Unidade Escolar Vicente Delmiro, que segue em reforma após anúncio da Prefeitura de Altos em 2021. No fundo da escola, paredes de tijolos escurecidas, ao redor de muitos entulhos e lixo descartado pela população formam o que seria uma quadra escolar com contrato firmado em 2013. Dos R$ 500 mil, valor pactuado pelo FNDE há nove anos, foram destinados R$125 mil – equivalente a 20% do valor prometido. A construção acompanhou o nascimento de João Miguel, neto de Adelino Freitas, que mora no mesmo quarteirão da construção parada. A criança e a obra têm a mesma idade e, se a quadra estivesse pronta, poderia estar fazendo uso do espaço. “Pode passar mais dez anos que não vão entregar”, duvida o comerciante, ao olhar entristecido para a obra abandonada. “Foi mandado dinheiro para fazer, isso é certo, mas abandonaram porque quiseram”, complementa.
Ainda na zona rural de Altos, no Povoado Montanha, outra quadra esportiva com convênio celebrado em 2013 está abandonada. A história dela é bem parecida com a quadra do povoado Quilombo, também recebendo apenas 20% (R$125 mil) do valor prometido (R$500 mil) – e deixada para ser esquecida.
A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Oeiras e Altos, mas até o fechamento desta reportagem, não obtivemos retorno. O espaço segue aberto para esclarecimentos.
No município de Currais, na localidade Pará-Batins, outra obra abandonada pelo FNDEs. Desta vez, uma escola da Educação Básica está inacabada desde 2011. Foram destinados R$309 mil dos R$618 mil previstos – quase 40%. Sem teto, janelas ou fachada, a obra segue sem ser finalizada.
Em 2019, o atual prefeito, Raimundo Santos comemorava a destinação de recursos para o município através de Ciro Nogueira. A aliança parece não ter durado muito e, ainda em fevereiro deste ano, Raimundo trocou o PP pelo MDB, justificando a migração pelo apoio do governo do estado ao município. A reportagem tentou entrar em contato com a Prefeitura de Currais, mas não conseguiu localizar o órgão e o prefeito.
Em contrapartida, no município de Arraial o prefeito Aldemes Barroso, filiado à legenda comandada por Nogueira, anunciava uma “feliz notícia” no Instagram: mais uma creche, avaliada em R$2 milhões, chegaria ao município pelo FNDE. Na foto, até a deputada Iracema Portella, ex-esposa de Ciro Nogueira, aparece posando. Poucos meses depois, o prefeito registrou encontro com o ministro-Chefe da Casa Civil, em busca de mais investimentos para a cidade. Até agora, cerca de 20% foram reservados para a construção da creche.
O resultado dos anúncios das “escolas fake” significa gasto do dinheiro público de forma irregular. Mesmo que houvesse verba – o que não é o caso – a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ditam que a prioridade são projetos em andamentos e inconclusos. Sem orçamento, e com muitas promessas, as obras anunciadas servem para turbinar o palanque político para aliados de deputados e senadores do PP no Piauí. Mesmo que elas não terminem nunca, como as obras reveladas há quase uma década sem conclusão, elas seguem sendo ovacionadas pelo Centrão.
O estadodopiaui.com buscou a assessoria de comunicação do Ministro Ciro Nogueira e do FNDE, mas ambos também não se manifestaram.
*Nome alterado para proteger identidade da fonte.
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