Em 1492 Cristóvão Colombo partia do Puerto de Palos, na região espanhola da Andaluzia, em expedição que chegaria à América. Mais de 500 anos depois, um jovem negro, alto, com óculos de grau e sorriso tímido, está sentado no cais de onde partiram as caravelas. Atrás dele, no retrato, um Oceano Atlântico inteiro para descobrir.
Apesar da distância quilométrica que, em 2015, separavam Guilherme Lopes de sua terra natal – a cidade de Piripiri, no Norte do Piauí -, a primeira viagem de descobrimento para ele foi em 2010. Ele acabara de entrar na maioridade e arrumava as malas para ir estudar em Teresina, a 165 km de sua casa.
Filho da costureira Remédios e do pedreiro Francisco – o Oliveira, como é conhecido entre os mais próximos – Guilherme foi o primeiro da família a ingressar no ensino superior. Aprendeu a ler entre os 5 e os 7 anos, na Escolinha São João Batista, espaço cedido pela igreja onde uma sala de aula era improvisada.
Todo o percurso estudantil foi em escolas públicas. Das escolinhas ao Ensino Médio focado na preparação para o ENEM – exame que fez e atingiu notas suficientes para ingressar nos cursos de Biologia pela Uespi e Veterinária na UFPI.
Mas foi a Biomedicina – e o sonho de entrar em um laboratório – que chamou, desde sempre, a sua atenção. “Eu já gostava muito das aulas de química e biologia e sempre dizia que queria trabalhar dentro de um laboratório”, diz, relembrando o incentivo de professores, fundamentais para que ele entendesse mais e melhor o que faz exatamente um cientista.
Graças ao Programa Universidade para Todos, o Prouni, oferecido pelo Ministério da Educação, Guilherme conseguiu ingressar em Biomedicina. Conciliou a graduação com a iniciação científica no Laboratório de Neuroclínica Experimental da UFPI. “Minha professora estava concluindo o mestrado e precisava de um voluntário para cuidar dos animais”. E ali, limpando os excrementos de ratos e camundongos, Guilherme dedicou muitas e muitas horas. “Só de estar ali dentro eu já estava realizado”, diz. “Eu sabia que era o início de uma nova vida”.
Nesta época escreveu artigos e encabeçou pesquisas que lhe renderam um currículo Lattes de fazer inveja a qualquer pesquisador: da graduação para o doutorado em Biotecnologia na UFPI voou sem escalas – fato que, aos 26 anos, após defender a tese, o tornou o doutor mais jovem do Brasil.
Esse feito ele contou no palco do Encontro com Fátima Bernardes. Em maio de 2018, poucos meses após defender sua tese, a produção da Globo levou o biomédico para contar sua história como exemplo de superação e perseverança a estudantes de todo o país. Naquela semana a história de Guilherme tinha viralizado nas redes, sendo compartilhada por grupos identitários que destacavam a presença de um jovem negro e nordestino como marco de uma mudança estrutural no perfil dos novos cientistas.
Foi na pesquisa que conseguiu a experiência de passar um ano na Espanha, no intercâmbio conhecido como doutorado-sanduíche. Um ano pesquisando no departamento de Farmacologia da Universidade de Sevilha. Longe de casa, nunca esqueceu sua Piripiri – cidade para onde voltou logo após concluir os estudos e vive até hoje e atua como professor nos cursos de Farmácia e Enfermagem de uma faculdade particular. Além de trabalhar com pesquisas para a Secretaria Municipal de Saúde. “Ainda tenho algumas metas a cumprir e pretendo fazer um pós-doutorado”, planeja. “No momento estou aproveitando as oportunidades, mas quero continuar avançando na pesquisa”.
A cidade onde nasceu e cresceu teve que acostumar-se a chamar o Gui da dona Remédios e seu Oliveira de doutor. “Imagina eu, Guilherme, filho de um pedreiro e de uma costureira, pobre, se não fosse pela educação onde eu estaria?”, comenta. “Antes, eu era só o Guilherme”, lembra. “Agora eu sou o doutor”.
A verdade mesmo é que, por seu Oliveira, Guilherme seria jogador de futebol – a despeito dele mesmo nunca ter sido propriamente bom de bola. Na infância cansou de ir, levado pelo pai, para os canteiros de obras. A experiência era mais do que auxiliar seu Oliveira no trabalho e ele não demorou a entender o recado.
“Ele queria que eu visse que era aquilo que ele tinha para me oferecer”, observa. Em uma dessas vezes, ouviu um tio perguntar para seu pai: “E ai? Quando vai enviar ele pra firma?”. Ficou apavorado. Mas da família, conta, nunca lhe faltou apoio para que seguisse os estudos – ainda que para isso seu pai trabalhasse de domingo a domingo e fosse tido como maluco pelos colegas. “Meu filho tá na faculdade!”, dizia com orgulho, como que para afirmar o pertencimento de Guilherme a este lugar.
E é aí que entra outra semelhança entre o desbravador Colombo e o biomédico Guilherme: ambos precisaram provar a todos que seus sonhos, por mais mirabolantes que pudessem parecer, também eram importantes. E navegaram, com perseverança, para o lado oposto do que se poderia prever – mudando a história e transformando o futuro.
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