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Eu vim de Piripiri

Com produção acadêmica invejável, ele agora é professor universitário e segue na pesquisa com plano de pós-doutorado

04 de julho de 2021

Em 1492 Cristóvão Colombo partia do Puerto de Palos, na região espanhola da Andaluzia, em expedição que chegaria à América. Mais de 500 anos depois, um jovem negro, alto, com óculos de grau e sorriso tímido, está sentado no cais de onde partiram as caravelas. Atrás dele, no retrato, um Oceano Atlântico inteiro para descobrir. 

Guilherme no Instagram: “De aquí partió Cristóbal Colón hacia América”

Apesar da distância quilométrica que, em 2015, separavam Guilherme Lopes de sua terra natal – a cidade de Piripiri, no Norte do Piauí -, a primeira viagem de descobrimento para ele foi em 2010. Ele acabara de entrar na maioridade e arrumava as malas para ir estudar em Teresina, a 165 km de sua casa.

Filho da costureira Remédios e do pedreiro Francisco – o Oliveira, como é conhecido entre os mais próximos – Guilherme foi o primeiro da família a ingressar no ensino superior. Aprendeu a ler entre os 5 e os 7 anos, na Escolinha São João Batista, espaço cedido pela igreja onde uma sala de aula era improvisada. 

Todo o percurso estudantil foi em escolas públicas. Das escolinhas ao Ensino Médio focado na preparação para o ENEM – exame que fez e atingiu notas suficientes para ingressar nos cursos de Biologia pela Uespi e Veterinária na UFPI. 

Mas foi a Biomedicina – e o sonho de entrar em um laboratório – que chamou, desde sempre, a sua atenção. “Eu já gostava muito das aulas de química e biologia e sempre dizia que queria trabalhar dentro de um laboratório”, diz, relembrando o incentivo de professores, fundamentais para que ele entendesse mais e melhor o que faz exatamente um cientista.

Na formatura em Biomedicina (Foto: arquivo pessoal)

Graças ao Programa Universidade para Todos, o Prouni, oferecido pelo Ministério da Educação, Guilherme conseguiu ingressar em Biomedicina. Conciliou a graduação com a iniciação científica no Laboratório de Neuroclínica Experimental da UFPI. “Minha professora estava concluindo o mestrado e precisava de um voluntário para cuidar dos animais”. E ali, limpando os excrementos de ratos e camundongos, Guilherme dedicou muitas e muitas horas. “Só de estar ali dentro eu já estava realizado”, diz. “Eu sabia que era o início de uma nova vida”.

Nesta época escreveu artigos e encabeçou pesquisas que lhe renderam um currículo Lattes de fazer inveja a qualquer pesquisador: da graduação para o doutorado em Biotecnologia na UFPI voou sem escalas – fato que, aos 26 anos, após defender a tese, o tornou o doutor mais jovem do Brasil. 

Em Piripiri: com a tese e o retrato orgulho da família (Foto: Bernardo Blanche)

Esse feito ele contou no palco do Encontro com Fátima Bernardes. Em maio de 2018, poucos meses após defender sua tese, a produção da Globo levou o biomédico para contar sua história como exemplo de superação e perseverança a estudantes de todo o país. Naquela semana a história de Guilherme tinha viralizado nas redes, sendo compartilhada por grupos identitários que destacavam a presença de um jovem negro e nordestino como marco de uma mudança estrutural no perfil dos novos  cientistas. 

Foi na pesquisa que conseguiu a experiência de passar um ano na Espanha, no intercâmbio conhecido como doutorado-sanduíche. Um ano pesquisando no departamento de Farmacologia da Universidade de Sevilha. Longe de casa, nunca esqueceu sua Piripiri – cidade para onde voltou logo após concluir os estudos e vive até hoje e atua como professor nos cursos de Farmácia e Enfermagem de uma faculdade particular. Além de trabalhar com pesquisas para a Secretaria Municipal de Saúde. “Ainda tenho algumas metas a cumprir e pretendo fazer um pós-doutorado”, planeja. “No momento estou aproveitando as oportunidades, mas quero continuar avançando na pesquisa”. 

A cidade onde nasceu e cresceu teve que acostumar-se a chamar o Gui da dona Remédios e seu Oliveira de doutor. “Imagina eu, Guilherme, filho de um pedreiro e de uma costureira, pobre, se não fosse pela educação onde eu estaria?”, comenta. “Antes, eu era só o Guilherme”, lembra. “Agora eu sou o doutor”. 

A verdade mesmo é que, por seu Oliveira, Guilherme seria jogador de futebol – a despeito dele mesmo nunca ter sido propriamente bom de bola. Na infância cansou de ir, levado pelo pai, para os canteiros de obras. A experiência era mais do que auxiliar seu Oliveira no trabalho e ele não demorou a entender o recado. 

Em casa com os pais, Francisco e Remédio (Foto: Bernardo Blanche)

“Ele queria que eu visse que era aquilo que ele tinha para me oferecer”, observa. Em uma dessas vezes, ouviu um tio perguntar para seu pai: “E ai? Quando vai enviar ele pra firma?”. Ficou apavorado. Mas da família, conta, nunca lhe faltou apoio para que seguisse os estudos – ainda que para isso seu pai trabalhasse de domingo a domingo e fosse tido como maluco pelos colegas. “Meu filho tá na faculdade!”, dizia com orgulho, como que para afirmar o pertencimento de Guilherme a este lugar.

E é aí que entra outra semelhança entre o desbravador Colombo e o biomédico Guilherme: ambos precisaram provar a todos que seus sonhos, por mais mirabolantes que pudessem parecer, também eram importantes. E navegaram, com perseverança, para o lado oposto do que se poderia prever – mudando a história e transformando o futuro.

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Categorias: Experiência

Luana Sena

Jornalista, mestra e doutoranda em comunicação na Universidade Federal da Bahia.

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