domingo, 24 de novembro de 2024

A mais cara do Nordeste

Com o reajuste, gasolina em Teresina registra o segundo maior preço do Brasil - capital tem o preço mais alto do NE

23 de março de 2022

Edição Luana Sena

Eram pouco mais de 14h, horário de pico na zona Leste de Teresina, quando Mário Evangelista saia de um posto de gasolina na Avenida Nossa Senhora de Fátima. Ele foi atendido com rapidez, diferente de poucos meses atrás, quando desistiu de abastecer ao ver o tamanho da fila de carros. “Não dá mais para encher um tanque tão cedo”, conta à reportagem. 

O motorista de aplicativo trabalhava desde às sete horas da manhã e precisava completar o tanque para poder dirigir até o final do dia. Naquela tarde, ele colocou menos da metade do planejado ao perceber o novo valor da gasolina comum: R$8,00 o litro. Se antes, os gastos com combustíveis consumiam boa parte do faturamento com as corridas, agora, ele pretende colocar na ponta da caneta se vale a pena continuar fazendo corridas por aplicativos. 

A realidade de Márcio é a mesma de vários brasileiros que estão sentindo no bolso o reajuste divulgado pela Petrobrás no valor dos combustíveis na última semana – o valor chegou a 19% na gasolina e 25% no diesel. A ausência de clientes no posto foi percebida pelo frentista João Galvão que, desde quando o valor foi anunciado pela empresa, viu a procura por combustíveis cair pela metade. Há quase um ano e meio trabalhando como frentista, essa é a primeira vez que ele observa uma queda na procura pelo produto. 

Teresina é a capital com a gasolina mais cara do Nordeste, com preço médio de R$8,29, segundo levantamento feito pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). No ranking nacional, a cidade ficou atrás apenas de São Paulo (SP). O estadodopiaui.com verificou que a pesquisa foi realizada em 39 postos da capital entre os dias 13 a 19 de março. 

Outro aumento também foi registrado no botijão de gás de cozinha. Em Teresina, ele chegou a custar R$130,00. O Sindicato dos Revendedores de Gás (Sindigás) no Piauí informou que ele pode chegar a  R$140,00. Há mais de cinco meses, um botijão de 13kg não tinha valor reajustado e custava em torno de R$102,64 – apontou levantamento da ANP. 

A economista Laiana Gama aponta que o reajuste da gasolina é um reflexo da invasão da Rússia em solo ucraniano. Com a instabilidade do mercado de combustível, o preço do barril de petróleo chegou a 100 dólares. Entre os dias 5 e 10 deste mês, o preço do barril oscilou entre US$ 115 – e  quase tocou os US$ 140.  Devido uma quantidade baixa de compradores com muito potencial de compra para uma enorme cadeia de consumidores, acontece o que a economia chama de “comportamento oportunista”. “Dessa forma, nas relações de mercado, é preciso uma supervisão pública para evitar um prejuízo – e os preços aumentam”, finaliza. 

Ainda não se tem dimensão dos impactos na economia, mas é certo que haverá mais inflação – estimativa de 1,5 pontos percentuais – e alta de juros. De acordo com o banco Fator, a previsão para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), responsável por medir a inflação, poderá subir de 7% para a faixa de 8,5%. Segundo a economista, o impacto é direto na renda das famílias.

A disparada nos preços dos combustíveis tem preocupado não apenas a população, mas entrou no centro das decisões eleitorais. Desde o ano passado, o Congresso tem discutido formas de diminuir a alta do preço da gasolina. Na última semana, o Senado deliberou sobre um projeto que impacta diretamente na cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – principal tributo estadual. 

Com o projeto, seria estabelecido de forma “monofásica”, ou seja, em uma única fase da cadeia de produção, e também, que todos os estados tenham alíquotas uniformes. Dessa forma, os valores devem afetar diesel, biodiesel, gasolina, etanol, gás de cozinha e gás natural. Até o momento, governadores e secretários de fazenda estaduais têm sido resistentes à proposta. 

Atualmente, o ICMS sobre os combustíveis representa 14,7% da arrecadação. O imposto no Piauí representa uma parcela importante da arrecadação da receita tributária local, sendo a segunda maior do país – alcançando 27,6%.

Em tese, a fatia na composição dos preços da gasolina é a seguinte: 33% para a Petrobras, 11,3% fica para os impostos federais (CID e PIS/PASEP e COFINS), e 27,7% é a média que vai para o imposto estadual (ICMS) – este, no entanto, varia de estado para estado. No caso do Piauí, o imposto é de 31%. Ainda nesta soma é calculado o preço do etanol anidro (16,9%), que é adicionado à gasolina, e o lucro dividido entre as distribuidoras e os postos (10,7%).

No dia 10 de março, o Senado aprovou um projeto que cria a Conta de Estabilização dos Preços dos Combustíveis (CEP). A intenção é frear a alta dos preços dos produtos. Com ela, será estabelecido a ampliação do auxílio-gás, dobrando o alcance do benefício que custeia parte do botijão de gás, e cria o auxílio-gasolina, destinando um “vale” nos valores de R$100 e R$300 para taxistas, mototaxistas e motoristas de aplicativos. A proposta segue para votação na Câmara dos Deputados.

Enquanto isso, o frentista João segue à espera dos clientes. Ele relembra que a última vez que houve uma longa fila no posto foi na véspera do reajuste, quando a gasolina ainda custava 6,78. Desde então, ele acredita que as pessoas têm fugido dos postos – e não deve demorar muito até que deixem seus automóveis em casa. “É a vida do pobre ficando cada vez mais difícil”, conta olhando os carros acelerarem na avenida. 

domingo, 24 de novembro de 2024
Categorias: Reportagem

0 comentário

Deixe um comentário

Avatar placeholder

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *