“Que bom que você chegou”. Daniel Ferreira, motorista de aplicativo, ouviu essa frase com frequência dos passageiros que embarcavam no seu carro na noite de véspera de Natal (24). Há quatro anos, a noite natalina para ele não tem nada de especial: ele passa transportando pessoas em Teresina para suas confraternizações – ou até mesmo para seus trabalhos. Mas, neste ano, algo estava diferente: ele esqueceu o tradicional gorro natalino de Papai Noel em casa.
O itinerário do motorista começa cedo, por volta das 18 horas, e só termina próximo às três da manhã. Rafael declara que, neste ano, a movimentação foi maior que na noite de Natal de 2020. Ao todo, ele chegou a levar mais de 28 pessoas para diversos lugares. Mesmo nos locais mais extremos da cidade, ele não deixa de embarcar passageiros.
Um dos motivos que faz Rafael trocar a celebração com a família pelo trabalho são os valores das corridas. Com a pouca disponibilidade de motoristas e uma demanda considerável de passageiros, as dinâmicas do aplicativo aumentam, junto com o valor das corridas. O dinheiro que apura, diz, ajuda a pagar o emplacamento do carro e outras contas do ano que virá.
Apesar do sacrifício, Rafael enxerga seu trabalho com satisfação. Isso porque, muitas pessoas precisam se locomover durante a noite de Natal e, sem os motoristas, esses encontros seriam mais difíceis de acontecer. “Não é só pelo dinheiro, apesar de ser um fator importante”, ressalta o motorista. “É bom contribuir com as pessoas, ajudando-as a chegarem em seus destinos”, comenta o motorista. “Tem gente que tá atrasado para seu compromisso, e quando eu chego, elas ficam aliviadas. Fico feliz com isso”.
Sanduíche na ceia
Cruzando a cidade com sua moto e sua mochila bag, Clayton da Silva, entregava comidas dos restaurantes que permaneceram abertos na véspera de Natal. Enquanto muitas famílias se preparavam para a hora da ceia, o entregador só conseguiu comer algum sanduíche depois de uma da manhã.
As ruas de Teresina estavam tranquilas, havia pouco trânsito. O celular rompia o silêncio com várias notificações de chamadas simultâneas. “Poucos entregadores rodavam na cidade. Até na rua, quase não vi nenhum companheiro de bag. Acho que eu era o único entregador da cidade”, brinca com a reportagem.
Ir às ruas, ao invés de comemorar com a esposa e os dois filhos, tinha um motivo. No próximo ano, o entregador vai ingressar na faculdade para cursar Pedagogia. Desde já, ele pretende juntar dinheiro porque um turno do seu dia será dedicado aos estudos. Sem emprego fixo, o aplicativo de entregas ainda continuará sendo uma opção de trabalho.
As expectativas são boas e, na “noite da virada”, ele também vai fazer entregas. Para aproveitar ainda o clima natalino, o futuro pedagogo vai se dar uma folga no dia 25. “As entregas renderam”, declara Clayton. “Vou comprar um bom presente para a minha filha e esposa, e ainda em casa, vamos buscar uma ceia agradável. Ainda tem tempo, né?”, finaliza o entregador.
“A violência não dorme”
“Será que só eu tô acordada?”. Milene Galeno enviou a mensagem no grupo da família, seguida de um “Feliz Natal”. Já eram mais de meia-noite e, desde às 7h da manhã, ela estava de plantão como guarda municipal na cidade maranhense vizinha de Teresina, Timon.
A noite foi de poucas ocorrências. Durante à noite, realizou algumas abordagens às motocicletas e carros suspeitos. Entre as ocorrências mais graves, uma mulher que solicitou a guarnição devido às agressões sofridas pelo marido. “A violência não dorme”, conta Milene. Há quase uma década sendo guarda municipal, os plantões fazem parte da sua rotina. Neste ano, ela conta que mais parecia um feriado qualquer. “Parece que tá todo mundo meio cansado, né?”, reflete.
Porém, plantões de Natal e Ano Novo não costumam ser plantões fáceis. Por trabalhar com segurança pública, uma pequena discussão pode envolver uma briga mais séria e até uma tragédia. “Quem escolhe essa profissão tem que estar preparado para tudo que possa acontecer. E as coisas acontecem num piscar de olhos”, explica.
A saudade dos filhos, José Neto e Maria Eduarda, aperta. Uma ligação por videochamada no meio da noite do dia 24 foi o suficiente para se emocionar. Neste ano, ela acredita estar mais emotiva devido aos acontecimentos dos últimos meses: pandemia, perdas, trabalho. Quando o dia amanheceu, ela lembrou de agradecer pelo plantão seguro. E sentiu-se feliz: apesar de um ano difícil, “tudo vai ficar bem”, diz antes de finalizar a entrevista.
No cristianismo, o Natal é a comemoração do nascimento de Jesus. Coincidentemente, há três anos, Pedro Victor Rodrigues, estudante de medicina e bolsista da Maternidade Dona Evangelina Rosa, passa a data auxiliando nascimentos. “A expectativa é sempre passar com a família, mas tem profissões que não dá pra tirar folga”, diz o estudante. “Não dá pra adiar um parto, por exemplo”.
Mesmo trabalhando, a data não perde o significado. Dentro do hospital, as equipes se tornam famílias. As orações e união através da ceia improvisada, mesmo na unidade hospitalar, ganham um sentido especial para quem está ali.
Além disso, os pacientes compõem momentos especiais na vida dos profissionais. Pedro conta a história de uma avó que acompanhava a filha no primeiro parto. A mulher se emocionou quando teve a notícia de que o neto veio ao mundo na noite de Natal. “Poder fazer parte desses momentos é diferente”, conta Pedro. “No final, a magia é poder fazer da vida um instante especial”.
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