O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), prometeu colocar a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32) para os próximos dias. A reforma administrativa propõe mudanças nas regras para funcionários públicos, acabando com a estabilidade e extinguindo promoções automáticas, além de diversos benefícios.
A proposta prevê alterar textos constitucionais mudando a estrutura dos serviços públicos e a relação do Estado brasileiro com seus servidores, sobretudo no que diz respeito a planos de carreira e estatutos funcionais.
O relatório apresentado há cerca de um mês trazia de volta benefícios retirados de agentes de segurança na reforma da previdência, acabou com a proposta de redução de jornada e de salário de servidores e manteve regras que facilitam contratações temporárias e interferência política no serviço público – cargos de liderança estratégica, gerencial ou técnica e de assessoramento serão contratados, uma parte, via “processo de seleção simplificado” não detalhado na proposta e outra parte via indicação.
As mudanças só valem para novos servidores e não mexem nas regras para magistrados, parlamentares, militares e membros do Ministério Público – categorias que estão entre as que têm maior remuneração e benefícios no serviço público. O texto, que já era uma nova versão da apresentada em setembro do ano passado, conseguiu desagradar a servidores, mercado financeiro, técnicos e parlamentares.
No final de setembro, oito partidos políticos (PT, PCdoB, Psol, PDT, Rede, PSB, Solidariedade e PV) se uniram em posição contrária à reforma administrativa. A “Nota contra a PEC 32/2020” afirma que mais de 140 deputados votarão contra a proposta que, segundo eles, promove a precarização do serviço público e das relações de trabalho na administração pública.
A crise diante da falta de votos para a aprovação, segundo alguns órgãos e instituições como a Confederação Nacional dos Servidores Públicos Federais (Condsef), tem sido motivo para os adiamentos de Lira, numa tentativa de ganhar tempo para convencer mais parlamentares a aderir à proposta.
Voltando no tempo
A reforma não tem sido vista com bons olhos por diversos setores da sociedade, entre eles servidores públicos, mercado financeiro, técnicos e parlamentares. O documento recebeu o apelido de “anti-reforma” e também de “projeto Frankenstein”.
Para o cientista político Robert Bandeira, a reforma propõe uma mudança profunda, que deve ser analisada com cautela e seriedade. Para Lira e seus apoiadores, a intenção é “enxugar a máquina”, indo ao encontro de certo clamor da população de que os serviços públicos sejam prestados com rapidez e qualidade. “Porém, quando as palavras são postas de uma forma atrativa e encontram eco no seio social, elas podem esconder os objetivos reais”, pondera o especialista.
O cientista político explica que o Brasil de 2021 é um cenário completamente diferente do da Primeira República – o império deixou de herança o corporativismo e o clientelismo como elementos fortes da política brasileira, até os dias atuais. Cargos e verbas eram distribuídos em troca de apoio político. “É um retorno às práticas da República Velha no Brasil”, compara o pesquisador.
Outro grupo contrário à PEC 32 é formado essencialmente por concurseiros – pessoas cuja aprovação em um concurso público é a única alternativa para alcançar a carreira profissional que almejam. Marcus Vinicius Santos é um dos milhares de concurseiros que são contrários à aprovação da proposta. “Essa reforma é a destruição do Estado brasileiro, no que tange a prestação de serviço social à população”, comenta. “É um descaso com quem vem há anos se preparando de forma árdua para passar em concurso público”.
Para o estudante, pessoas aprovadas em concursos pelas suas competências técnicas entrarão em uma estrutura de cargos e carreiras repleta de pessoas indicadas por políticos e com pouca qualificação profissional. “As pessoas serão indicadas ou trabalharão como temporárias em instituições privadas que irão substituir o serviço público”, avalia o estudante. “É um retrocesso”.
Barreira contra
Uma das propostas apresentadas pela PEC 32 é a extinção da estabilidade do servidor – direito constitucionalmente garantido para que o funcionário público possa seguir as regras do estado e não do governante que está no poder. “Em uma república marcada pelo clientelismo, a estabilidade do servidor é indispensável”, afirma Robert Bandeira.
As pretensas relações clientelistas são bastante evidentes nas mudanças de contratação, remuneração e demissão de pessoal, explica Robert. Duas novas modalidades que podem ser criadas com a aprovação da proposta evidenciam ainda mais isso: a contratação por tempo indeterminado e contratação por tempo determinado de pessoas selecionadas por concurso público. Ambos os modelos priorizam as vontades governamentais em detrimento das ações dos servidores.
No mês passado, servidores de diversas categorias de todo o país, e líderes sindicais estiveram em Brasília protestando contra a aprovação da reforma. O professor Gisvaldo Oliveira, membro da coordenação regional do Sindicato dos Docentes da UESPI (ADCESP) e da diretoria do Sindicato Nacional dos Docentes esteve presente no ato, que culminou com o encerramento da Comissão Especial sem a votação do parecer. “Uma batalha dura e difícil, mas a resistência está muito forte. Temos que continuar vigilantes”, comentou.
Para o professor, o ponto mais crítico da proposta é passar para a iniciativa privada o controle de serviços públicos essenciais prestados pelo estado à população, como saúde e educação. “Nós estamos falando de um processo que vai fazer com que o jovem da periferia, que não tem sequer o dinheiro para utilizar o transporte público, fique sem estudar porque os pais não tem condição de pagar mensalidade na rede particular”, exemplifica.
Outra problema citado por ele é sobre os financiamentos na Saúde e Educação principalmente do SUS e do FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – que também passarão a ser destinados para empresas privadas com finalidade de lucro. Desta forma, haveria uma drenagem de recursos públicos para o setor privado, financiando a iniciativa privada.
Quem está satisfeito?
Para Robert Bandeira uma reforma na administração pública é viável, desde que pense realmente em melhoria para a população – e não para os interesses dos governantes. “O serviço público deve ser vantajoso para os governados e não para os governantes”, frisou. Muito pode ser realizado, como a retirada dos “privilégios” legais e um programa de eficiência para a gestão, por exemplo – mas isso não envolve, necessariamente, a retirada da estabilidade de servidores.
Em consulta pública realizada no site da Câmara dos Deputados, cerca de 92% dos votantes discordam totalmente e 6% discordam da maior parte das propostas apresentadas no texto. A reforma já foi aprovada pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça da Câmara) e precisa ser aprovada em dois turnos no plenário, com três quintos dos votos. Depois, ainda precisa passar pelo Senado, onde precisa ter no mínimo 49 votos, também em dois turnos, para então ser promulgada. No Piauí os deputados que votaram a favor na CCJ foram Margarete Coelho (PP) e Marcos Aurélio Sampaio (MDB).
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