Há dez anos, Elisa Alves, 65 anos, foi diagnosticada com diabetes. Mensalmente ela se dirige à Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima de sua casa, no bairro Primavera, para obter medicamentos que possam controlar a glicose no sangue. Uma caixa de Gliclazida, remédio adquirido nas unidades básicas, custa em torno de R$60 a R$70 nas farmácias e dura apenas um mês. Desde junho deste ano, porém, ela volta para casa sem a medicação.
No atendimento das UBSs, a aposentada é recomendada a procurar outras unidades que possam ter o remédio. No entanto, o problema é geral, para remédios de circulação controlada ou não. A reportagem apurou que, em Teresina, a prefeitura não possui medicação suficiente para a população há mais de três meses. A Fundação Municipal de Saúde (FMS) explica que a crise é causada pela falta de matéria-prima para a fabricação dos insumos hospitalares – o que seria ainda uma consequência da pandemia causada pela Covid-19. Em agosto deste ano, até soro fisiológico, dipirona e antibióticos faltaram nos hospitais e UBSs administrados pela prefeitura.
O presidente da FMS, Gilberto Albuquerque, também explicou que a falta de medicamentos na rede pública é devida à concorrência com a rede de saúde privada. O processo licitatório para aquisição dos remédios é dispendioso e faz com que os remédios cheguem de forma mais lenta. O gestor explica que a Fundação tem conseguido suprir os medicamentos de maneiras alternativas, mas não explica como. Enquanto isso, a população continua desabastecida dos seus fármacos.
Em julho, o Conselho Regional de Medicina do Piauí (CRM-PI) havia notificado uma Unidade Básica de Saúde, localizada no bairro São João, e a Fundação Municipal de Saúde (FMS), por falta de medicamentos para diabetes, hipertensão e outras doenças crônicas. Já era a segunda vez que o Conselho ia na unidade e verificava a falta de medicamentos. A FMS não comentou o caso.
O problema também tem chegado às Farmácias Populares. Parte da medicação da Elisa para diabetes é conseguida nessas unidades. Um dos remédios é o Galvus Met, que custa R$200 na farmácia da rede privada. O medicamento também está em falta, há quase três meses, nos postos populares. Há escassez também de outros remédios, para colesterol, pressão alta e diabetes, obtidos nesses locais. A explicação é a mesma: falta de matéria prima e de celeridade nos processos licitatórios para obtenção dos remédios.
Na contramão, enquanto as atenções em Brasília se voltavam para os atos políticos do 7 de setembro, Jair Bolsonaro editou um decreto que desbloqueia, antes das eleições, R$5,6 bilhões de emendas para o orçamento secreto. Esse esquema transfere verbas públicas para parlamentares, sem transparência. Enquanto isso, o governo federal executa cortes de investimentos para a saúde, cultura, ciência e tecnologia. Um dos alvos foi o programa Farmácia Popular que, a partir de 2023, terá quase 60% do seu orçamento tesourado.
Em 2022, as despesas com a gratuidade do programa prevista no Orçamento somaram R$2,04 bilhões. Já no projeto de Orçamento de 2023, o governo previu R$842 milhões: um corte de R$1,2 bilhão. O programa da Farmácia Popular garante uma parcela de medicamentos gratuitos para pessoas acometidas pela asma, hipertensão e diabetes. Neste bolo mal fatiado, despesas para o atendimento da população indígena também foram fatiados. A redução chega a 59%, atingindo um total de R$870 milhões, quando neste ano, eram 1,48 bilhão.
No próximo ano, o que está ruim, pode até mesmo piorar. Pessoas como Elisa, que mensalmente precisam recorrer aos postos de medicamento gratuito, podem sofrer uma escassez ainda maior dos remédios, ou maiores dificuldades financeiras para obter nas farmácias privadas. Neste mês, por exemplo, seus gastos com medicação chegaram a R$424 – um pouco mais que uma parcela do benefício do Governo Federal, o Auxílio Brasil. “Ainda precisei deixar alguns medicamentos extras na farmácia”, destacou à reportagem. “Agora tenho que esperar o final do mês para complementar, quando estes começarem a faltar”, finaliza.
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