Cauane Soares joga a bola de futebol contra as traves dos campinhos improvisados na periferia da zona Norte de Teresina. Por muito tempo, a menina ousou sonhar ser uma jogadora profissional, vestir a camisa de um time famoso e ganhar a vida no esporte. A ideia acabou não cabendo dentro da sua realidade: aos 17 anos, filha de mãe solo, viu crescer a necessidade do primeiro emprego ou buscar uma vaga na universidade – seguindo exemplo de uma prima, uma das primeiras da família a ingressar no ensino superior público.
Da sua casa, na Santa Maria da Codipi, ela não sabe muito bem por onde começar. O mundo corporativo, para Cauane, ainda aparece cheio de incógnitas e inacessível. “Não sei como buscar um emprego, como também não sei como buscar uma qualificação adequada”, aponta a menina. Em um ano, quando terminar o Ensino Médio, se não ingressar na universidade ou conseguir um trabalho, a jovem vai fazer parte dos quase 29,7% de jovens entre 18 e 29 anos sem acesso à educação e emprego em Teresina – segundo último levantamento do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Para tentar fugir dessas estatísticas, Cauane tem dividido suas tardes entre a casa, escola e as atividades desenvolvidas pela Associação Palotina para Educação e Cidadania (Apec). O lugar foi fundado por freiras há pouco mais de 15 anos, que viam a criminalidade e a ociosidade crescer entre os jovens. Os índices de segurança no bairro não são nada animadores. A região do bairro tem quase cinco mil habitantes – maior que populações inteiras de cidades no Piauí – e é onde acontece 92% dos crimes violentos de Teresina. A Santa Maria da Codipi, atualmente, é o bairro mais violento da capital, segundo apontam dados da Segurança Pública do Piauí (SSP-PI).
Desde sua fundação, há duas décadas, o bairro sentia falta de projetos por parte da Prefeitura de Teresina que pudessem envolver a juventude – até hoje, ainda escassos. Até o momento, além da Apec, a região Grande Santa Maria conta apenas com o Centro de Capacitação da Fundação Wall Ferraz, que atende jovens e adultos com cursos profissionalizantes. Cauane tem transitado entre os dois espaços na espera de um emprego ou ingresso no curso superior. “Agora eu tenho pensado em veterinária, mas há dias que penso em ser empresária, dona de algum restaurante um dia”, conta a menina, por telefone.
A dificuldade de escolhas sobre o futuro que Cauane enfrenta é parecida com a de outros jovens na região. Sem a quem recorrer para orientação na hora de ir ao mercado de trabalho, o cotidiano dessa juventude é jogado à mercê dos trabalho informais – sem perspectiva de carreira, tampouco crescimento profissional.
Dentro dos processos seletivos, não passava despercebido pela recrutadora Gleyciane Viana os candidatos de baixa renda – em sua maioria jovens negros, do gênero feminino – que não progrediam nos testes. Pela falta de experiência e com poucos requisitos para preencher as vagas, pouco a pouco, ela percebia o abismo da desigualdade social entre os jovens nestas seleções de emprego. “Quem está nas favelas pensando em networking e mercado de trabalho para jovens?”, pensava a psicóloga e recrutadora. “A grande maioria são jovens que vivem em um meio onde não há acesso a direitos básicos”, destaca. “Também acabam sem saber como se qualificar para o mercado de trabalho”.
Glecyiane, Ashley Sousa – também profissional de Recursos Humanos e egressa da Apec e a psicóloga Elanne Vitório organizaram o projeto CaJu – Carreira e Juventude – que também conta com profissionais de Recursos Humanos, Psicologia, Marketing e Jornalismo. A ideia é destravar o primeiro passo para a empregabilidade e principalmente, levar orientação para que jovens de zonas periféricas possam elaborar – ou reelaborar – seu projeto de vida. “A gente acredita em jovens para o mercado do futuro, e em um futuro possível para jovens do presente”, pontua a idealizadora.
A abertura do curso aconteceu na Apec – o projeto ao qual Cauane faz parte foi contemplado com três meses de aulas de noções básicas sobre como se apresentar no mercado de trabalho, formação de currículo, networking e comunicação digital. A parceria entre o projeto e a instituição visa apoiar cerca de 20 jovens na região. Uma delas é Maria Yslania Firmina, de 23 anos, que está faltando poucos períodos na faculdade para se tornar cosmetóloga. Assim que terminar a graduação, a jovem deseja ingressar logo no mercado de trabalho – e quem sabe, algum dia, ter a própria clínica. “Eu quero ter um comportamento mais engajado durante uma entrevista de emprego, saber apresentar meu currículo, sei que isso é importante”, afirma a jovem. “Quero poder estar no mercado de trabalho após me capacitar e garantir um futuro onde eu possa ter meu próprio negócio”, finaliza à reportagem.
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