Quando as aulas presenciais voltaram em janeiro, a professora Joana* relata que teve uma crise de ansiedade no trabalho. “Eu fui para o banheiro e comecei a chorar, sem dizer para ninguém. E, quando chegava em casa, continuava chorando muito e demorava a dormir”, relembra. Após quatro meses, as crises seguem controladas, mas a tensão de lecionar diariamente de forma presencial diante do aumento expressivo de casos de COVID-19, se mantém.
No Piauí, as aulas presenciais de parte dos alunos de colégios particulares foram liberadas ainda ano passado, quando turmas de 3º ano e pré-vestibular, bem como aulas práticas e estágios educacionais para alunos a partir do 8º período de cursos superiores, puderam ser realizadas a partir de outubro de 2020.
Seguindo o decreto do Governo do Estado, que autorizava a retomada das aulas presenciais no início ao ano letivo, as demais séries da rede privada voltaram no dia 18 de janeiro em formato híbrido – onde parte da carga-horária pode ser cumprida pelos alunos em casa e, a outra parte, presencial. Já os colégios estaduais do Piauí retornaram em fevereiro e a rede municipal da capital piauiense em março, ambos seguindo o formato remoto, com aulas online, que já haviam sido adotadas desde o início da pandemia.
As aulas presenciais, adotadas em parte das escolas privadas, trouxe aflição para professores e funcionários dos colégios. Os professores relatam situações de pressão para continuar lecionando, casos de colegas que passaram a sofrer com outras doenças como ansiedade e depressão, e compartilham a tensão do retorno às aulas presenciais e o medo de se contaminar.
“A gente começou o ano inseguro e preocupado, era uma tensão coletiva de donos de escolas, diretores, coordenadores e professores. Mas tentávamos manter o otimismo. Só que a preocupação aos poucos foi aumentando porque muitos pais de alunos começaram a sentir segurança com a ida de seus filhos para a escola”, comenta a professora Joana*. Com a adesão dos pais ao ensino híbrido, suas turmas do ensino fundamental chegaram a ter 15 alunos presencialmente.
A aflição de estar em sala de aula também é sentida por Luís*, professor que leciona em turmas do 6º ano até o 3º ano do ensino médio e pré-vestibular. “Cada dia que vamos trabalhar de forma presencial a gente toma conhecimento que um ou outro professor ou funcionário, que não apareceu, está com suspeita ou de fato testou positivo para Covid-19”, aponta.
A ida dos alunos às aulas presenciais se reduziu, segundo Joana*, quando os pais de alunos adotaram o método remoto durante o mês de março, diante do aumento considerável de casos e diagnósticos positivos no Piauí. “Foi um alívio para a gente”, revela. Sua turma passou a esvaziar, contando com uma média de 5 a 7 alunos presencialmente e o restante da turma em formato remoto.
A notícia da morte de três professores da rede privada de ensino em apenas uma semana também contribuiu para a redução de alunos nas salas de aula. A repercussão dos casos ocasionou a antecipação de feriados e dois dias de férias dos professores no mês de março, totalizando uma semana sem aulas presenciais na rede privada.
Na época, o professor Raul* e sua esposa testaram positivo para Covid-19. O diagnóstico veio com o luto pela perda de amigos. “A gente vai se tratar, mas existe uma pressão psicológica por conta dessas notícias, de ver a morte de colegas, de outros funcionários”, desabafa o professor, que leciona na rede privada de ensino.
Após três meses, as mortes de professores voltam a ser notícia. No dia 3 de junho a professora de redação Patrícia Lima e o professor de biologia Elves Soares morreram em decorrência da Covid-19. Mesmo com o início da imunização da categoria, os professores seguem morrendo por uma doença para a qual já tem vacina.
Escolas registram 762 casos de Covid-19
No final de abril, quando essa reportagem começou a ser apurada, os casos positivos para Covid-19 nas escolas privadas estavam em 488. Entretanto, é possível constatar que houve aumento de 56,14% de casos em pouco mais de um mês. Os dados mais recentes constam que desde o início das aulas presenciais até 2 de junho foram registrados 762 casos positivos de COVID-19 em 117 escolas privadas desde o retorno, o que corresponde proporcionalmente a 6 casos por escola. Desses, 227 alunos e 535 professores e auxiliares das escolas. Mas esse número pode ser ainda maior, visto que segundo a diretora da Vigilância Sanitária Tatiana Chaves os números são repassados pelas escolas e existem muitas que não enviam os dados atualizados.
A subnotificação de casos é vivenciada no dia a dia dos professores, que relatam situações em que colegas de profissão tiveram que seguir trabalhando mesmo diagnosticados com Covid-19. “Quando testei positivo, tive a coragem de dizer que estava doente, mas vi uma funcionária da escola que foi trabalhar mesmo sob suspeita da doença com medo de perder o emprego”, relembra Raul*. E Joana* acrescenta: “É comum nos grupos de professores relatos deles serem orientados a dar aula mesmo com sintomas e não avisarem para ninguém. Além disso, muitas escolas fazem professores voltarem a dar aula antes do período de isolamento terminar”.
Jurandir Soares, presidente do Sindicato dos Professores e Auxiliares da Administração Escolar do Estado do Piauí (Sinpro) comenta que os professores têm medo de se contaminar. “Quando ando pelos colégios vejo a aflição dos colegas. Muitos deles têm receio de ficar circulando no ambiente escolar durante os intervalos das aulas, por exemplo. Alguns ficam dentro de seus carros, vão para outros lugares”. Descubre la emoción de los nuevos casinos online casinos-online-nuevos.es , donde la suerte está a un clic de distancia. Con opciones de juego para todos los gustos, podrás disfrutar de horas de diversión y emoción. A apreensão faz Joana* optar por almoçar dentro do seu próprio carro, para manter o distanciamento e por não poder retirar a máscara dentro da escola.
Além da subnotificação, professores relatam que as escolas não estão seguindo os protocolos adequados para evitar a disseminação do vírus. Iago* relata que quando pegou Covid-19 continuou dando aula e passando atividade para os alunos, mesmo no período de isolamento e com atestado. “Todo o período que passei de Covid não me afastei de maneira definitiva. Não me falavam diretamente que não poderia me afastar, mas as cobranças continuavam. Teve um dia que, mesmo doente, fiquei acordado até de madrugada, porque tinha que elaborar prova. Até quando falei que não ia dar aula porque estava muito preocupado com a evolução da doença e o cansaço que sentia”, comenta.
O professor acrescenta que também sentiu uma omissão da escola em relação a comunicar o seu caso aos alunos. “Fui aconselhado a não dizer que estava com Covid-19 para os estudantes, com a justificativa de que isso iria assustar a eles e seus pais. Eu falei que não achava correto e, por isso, eu mesmo comuniquei o resultado para meus alunos”, revela Iago*.
Os protocolos com medidas de segurança aprovadas pelo Governo do Estado devem ser seguidos de maneira rigorosa para que as aulas ocorram no setor de educação de forma presencial. Segundo Marcelo Rodrigues Siqueira, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado do Piauí (Sinepe-PI), a escola está sendo um ambiente seguro e controlado, em razão do cumprimento dos protocolos exigidos para o funcionamento.
Em contraponto, Jurandir Soares afirma que muitas escolas não estão completamente adaptadas e, ainda que os colégios estejam seguindo os protocolos de prevenção e controle da disseminação da Covid-19, isso não acontece de maneira integral. Segundo dados do Sistema de Vigilância Sanitária Estadual do Piauí, das 428 escolas cadastradas, 281 planos foram aceitos, atestando que 65,6% dos estabelecimentos possuem evidências que confirmam o cumprimento dos protocolos determinados.
O decreto do governo traz orientações distintas para casos da doença confirmados no ambiente escolar: se a ocorrência for de um ou mais casos na mesma sala, as aulas da turma devem ser suspensas por duas semanas; para casos confirmados entre alunos ou professores de salas diferentes ou do mesmo turno escolar, a suspensão se dá para todas as turmas daquele turno; se há casos confirmados entre salas diferentes em mais de um turno, as aulas presenciais de toda a escola devem ser suspensas por 14 dias.
Diante desse contexto, os professores lutam desde o retorno das aulas pela vacinação da categoria. Após a reivindicação, a vacinação foi iniciada há poucos dias. Desde 2 de junho todos os trabalhadores da educação acima de 18 anos já podem realizar o agendamento da primeira dose do imunizante no site Vacina Já.
“A gente está 100% exposto”, afirma professora
Segundo dados levantados pelo Tribunal de Contas do Estado do Piauí (TCE-PI), em relação à implementação do ano letivo de 2020, bem como ao planejamento para o ano letivo de 2021, entre os 219 municípios piauienses que responderam à pesquisa 179 redes de ensino informaram que adotam ou iriam adotar para o retorno das aulas de 2021, ocorridas no início do ano, o modelo não presencial, enquanto 39 optaram pelo modelo híbrido e somente uma pelo modelo presencial.
O uso de máscaras e o distanciamento social são algumas das medidas de prevenção de contaminação que devem ser seguidas nas aulas presenciais. Mas, para Iago*, manter a distância adequada e recomendada nas escolas é impossível. “Eu estou cansado de ver os alunos todos juntos e amontoados, principalmente nos intervalos, e a gente tem que falar para eles manterem a distância”, pontua o professor. Joana*, ao concordar com o colega, reforça que a sensação é de que não existe segurança real nem para o professor e nem para o aluno. “A gente está 100% exposto”, sentencia a professora.
Os relatos de exposição dos professores são comprovados em pesquisas que estudam a disseminação do vírus nas escolas. Segundo dados do “Monitoramento de casos de Covid-19 na rede estadual de São Paulo” realizado por pesquisadores da Rede Escola Pública e Universidade entre os meses de fevereiro e março de 2021, a retomada das atividades presenciais nas escolas de São Paulo teve um impacto real no aumento de número de casos de Covid-19, com uma incidência da doença quase 3 vezes maior entre professores, alcançando 192% em comparação à incidência para a população estadual da mesma faixa etária (25 a 59 anos). A pesquisa supõe que a maior exposição dos professores também implica em maior exposição do conjunto da comunidade escolar, bem como de seus familiares.
Resultados parecidos também foram observados em simulação realizada por pesquisadores e professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) a pedido do site O Tempo, que mostrou que em um grupo de crianças e adolescentes com idade entre 6 e 14 anos, um aluno infectado em contato com outros 20 estudantes pode transmitir Covid-19 para 60 pessoas dos seus círculos familiares em apenas 15 dias, ainda que todos os estudantes estivessem utilizando máscaras adequadamente. Caso não houvesse a proteção, a infecção aumentaria para 90 pessoas com risco de contrair a doença em 10 dias. A pesquisa não considerou um possível contágio fora do ambiente escolar, durante o deslocamento em transportes públicos, por exemplo, o que poderia ampliar os riscos.
Para evitar uma rápida disseminação do vírus, defende-se protocolos rigorosos de testagem de todos que estão frequentando o ambiente escolar de forma presencial. De acordo com Jurandir, presidente do Sinpro, em relação às escolas particulares do Piauí só houve testagem apenas uma vez no início do ano letivo.
Contrariando pesquisas que afirmam que o retorno às aulas presenciais é um risco, sobretudo no contexto em que os casos de Covid-19 seguem elevados, com transmissão maior do que no primeiro ano de pandemia, a PL 5595/2020 que proíbe a suspensão de aulas presenciais durante pandemias e calamidades públicas foi aprovada na Câmara de Deputados em abril. O projeto coloca as escolas como serviço essencial que não pode ser interrompido durante a pandemia da Covid-19, exceto se houver critérios técnicos científicos justificados pelo Poder Executivo. Dos 10 parlamentares do Piauí, 7 participaram da votação do projeto de lei, que prevê a reabertura de escolas e faculdades. Destes, 3 foram contrários ao projeto e 4 a favor. O PL aguarda apreciação do Senado Federal.
No início do ano letivo, pais de alunos protestaram em Teresina, capital piauiense, contra a possibilidade de restrições às aulas presenciais. Um dos argumentos para manter o ensino presencial está relacionado ao fato de que o ensino remoto poderia prejudicar a aprendizagem efetiva dos alunos. Para Joana*, a preocupação dos pais quanto ao ensino e a alfabetização dos seus filhos é compreensível. “Mas, para conseguir isso, é preciso estar vivo”, desabafa.
* Os nomes dos professores foram alterados para preservar suas identidades.