Em cada passo ou movimento executado em calçadas estreitas, a cidade se torna uma narrativa de violência, onde a busca por espaço é uma busca para se locomover e existir na cidade. No cenário urbano de Teresina, onde as dimensões das calçadas se contraem e a cidade parece pressionar seus habitantes, os desafios enfrentados por pessoas com deficiência, cadeirantes, idosos, gestantes e mães com carrinhos de bebê só aumentam. Esta semana, o projeto de lei que reduzia a área disponível para a circulação de pedestres nas calçadas do centro de Teresina e regulamentava o comércio ambulante foi arquivado, mas o atual estado das áreas de locomoção no centro não são as melhores.
O projeto
Conhecido como Lei das Calçadas, o projeto de lei que estava em processo na câmara e buscava autorizar a atuação de vendedores ambulantes nas áreas públicas de Teresina foi arquivado nesta terça-feira (31) após a votação no legislativo municipal. No total, 14 vereadores apoiaram a proposta e 10 vereadores votaram contra. No entanto, para que o protejo fosse aprovado, era necessário alcançar 15 votos a favor. Entre as medidas propostas estava a regulamentação do comércio e de serviços ambulantes em espaços públicos, incluindo vias públicas, ônibus, metrô, estacionamentos e demais áreas. O líder do prefeito na câmara, Antônio José Lira (Republicanos), mencionou que a base de apoio ao prefeito está buscando uma alternativa para o arquivamento do projeto mediante ação judicial. “O Regimento afirma que, quando não está clara a exigência de deliberações por maioria absoluta ou por maioria de 2/3, as decisões são tomadas por maioria simples. A votação deveria ter sido uma maioria simples, obtivemos 14 votos, enquanto eles tiveram 10. Agora estamos buscando uma solução judicial. O presidente da casa, Enrique Samuel, interpretou que a votação deveria ser pela maioria absoluta, com base em precedentes anteriores, embora isso seja raro. Então, com relação ao arquivamento, nós lutaremos mesmo que precise ser judicializado”, afirma o vereador.
Além de considerar uma solução judicial, Antônio José Lira avalia reintroduzir o projeto em 2024. Segundo o vereador, a Lei das Calçadas foi alvo de distorções pela oposição da câmara. “A intenção do prefeito era regular e definir os direitos e deveres dos ambulantes por meio de um projeto de lei. No entanto, a oposição concentrou seus ataques no centro da cidade, como se os ambulantes fossem invadi-lo. A proposta visava não apenas as ruas do centro, mas também áreas ociosas, como as praças”, relata.
Passagem interrompida
O projeto já havia sido alvo de críticas como no “Manifesto pelo Desenvolvimento Sustentável de Teresina”, lançado por entidades comerciais piauienses em oposição à Lei das Calçadas. O documento, assinado por diversas entidades, como Sindilojas-PI, Fecomércio-PI, Associação Comercial Piauiense e a Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Piauí, reconhece a importância do comércio ambulante, porém expressa preocupações de que o projeto possa prejudicar o comércio formal, causando caos e problemas de acesso às ruas e calçadas da cidade.
Uma das exigências mais controversas da proposta era que os vendedores ambulantes mantivessem uma distância de 1 metro da calçada para garantir a livre circulação de pedestres. No entanto, Ariosto Martins, arquiteto e membro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Piauí (CAU), ressalta que a largura mínima recomendada para garantir a acessibilidade de todos é de 1,2 metros para a área de passagem dos pedestres. “As dimensões ideais para calçadas são 2,50m de largura, divididos em faixa livre (para a circulação de pedestres), faixa de serviço (para colocar algum mobiliário urbano, lixeira, outros) e faixa de acesso (rebaixo de guia quando necessário). Para circulação de cadeiras de rodas ou outra pessoa com deficiência, é necessário no mínimo 1,20m de largura”, explica.
Segundo Ariosto, a busca pela acessibilidade no centro de Teresina e em todo o Piauí deve abranger tanto as calçadas de construções novas quanto das antigas, a fim de assegurar que todos tenham a oportunidade de desfrutar e contribuir para o crescimento e prosperidade da cidade, incluindo do comércio na capital. Ele ressalta a importância de a prefeitura intensificar a fiscalização em prol do cumprimento do direito de ir e vir. “É necessário uma maior atuação da prefeitura nesse contexto, especialmente em obras antigas. Para fazer cumprir eficazmente as normas de acessibilidade. Isso se aplica às calçadas já existentes. Se observarmos o centro de Teresina, por exemplo, é frequente encontrar situações em que em determinado quarteirão existe uma rampa e guias para auxiliar a subida de cadeirantes, enquanto do outro lado não há essa estrutura” alerta o arquiteto.
Para que o movimento flua
A falta de espaço adequado nas calçadas torna a locomoção de cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida uma tarefa extremamente complicada, muitas vezes impossibilitando movimentos adequados em suas cadeiras de rodas e causando desconforto. Além da dificuldade, essa situação eleva o risco de lesões e acidentes, forçando muitos pedestres a se deslocarem pela beira da rua, o que coloca em perigo a segurança de todos os que transitam na área.
A Presidente da Associação dos Deficientes Físicos de Teresina (ADEFT), Amparo Sousa, explica que entende a relevância de apoiar os comerciantes ambulantes, mas destaca a necessidade de preservar o direito à acessibilidade para todos. “A gente se coloca também no lugar do pai e da mãe de família que precisa levar o sustento para dentro de casa. Porém, a gente não pode ser a favor de uma lei que venha violar o direito de ir e vir das pessoas com deficiência, porque essa lei viola totalmente o nosso direito de ir e vir. A partir do momento que obstrui nossos espaços e nós não temos como ter acesso”, relata.
Além das pessoas com deficiência, a redução do espaço disponível para a circulação nas calçadas pode impactar negativamente outros grupos. “Essa medida pode prejudicar diversos segmentos, não se restringindo apenas às pessoas com deficiência, mas também afetando os idosos, gestantes e até mesmo mães com carrinhos de bebê”, ressalta a presidente da Associação dos Deficientes Físicos de Teresina (ADEFT), Amparo Sousa.
1 comentário
Wilson Rodrigues da Luz · 19 de novembro de 2023 às 20:58
Que projeto sem vergonha. Em todas cidades brasileiras, as calçadas são especialmente destinadas aos pedestres. Será que no Estado do Piauí, a sua Capital seja diferente. Pelo que vemos é uma cidade muito atrasada.