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O mosquito e a desinformação

Casos de dengue aumentam 600% no Piauí - enquanto isso, 32% dos brasileiros pensam que a doença acabou

02 de maio de 2022

Edição Luana Sena

Para ir de uma casa do bairro Mafrense para o São Joaquim, na zona Norte de Teresina, leva-se apenas alguns minutos de carro, moto ou qualquer tipo de automóvel. Os bairros na região das lagoas compartilham, praticamente, os mesmos problemas. Entre eles, há mais de 10 anos, a má sucedida implantação do Programa Lagoas do Norte, que ainda causa efeitos entre os moradores. Não por coincidência, esta região recebeu um alerta da Fundação Municipal de Saúde sobre a alta incidência dos casos de dengue nas últimas semanas na capital. 

Os mosquitos não entendem de desigualdade social mas, desde que o Banco Mundial parou de financiar o programa, deixando entulhos por várias ruas e valas de esgoto obstruídas, os casos de dengue aumentaram constantemente entre os moradores. Na Rua Manoel de Aguiar, no Mafrense, quase todos os vizinhos da empregada doméstica Dilma Vilante foram infectados pela doença. Ela segue sendo a única que escapou das picadas dos mosquitos. É ainda nesta rua que lixo e entulho das casas removidas pelo Programa Lagoas do Norte, ainda não recolhidos pela prefeitura, dão vazão para a proliferação dos ovos do aedes aegypti – além de dengue, a espécie de mosquito transmite zika, febre amarela e chikungunya. “Os córregos estão imundos e os esgotos não existem”, conta Dilma.  

As pesquisas expostas nas Conferência Internacional de Doenças Infecciosas revelam, a cada ano, que pessoas vivendo próximas a áreas alagadiças ou com condições insalubres têm 13 vezes mais probabilidade de serem infectadas por dengue. O número aumenta quando comparado a pessoas que moram em apartamentos ou casas. Os estudos também apontam que um mosquito não consegue se deslocar mais de 50 ou 100 metros, mas em doenças como a febre amarela, pode utilizar o ser humano para se locomover. A dengue, no entanto, não é contagiosa, mas a falta de cuidados humanos também pode ser preponderante para a circulação rápida da doença. Dilma, apesar de apontar o descuido do órgão público, fala que parte da população também contribui para acomodação do mosquito. 

O avanço da dengue vem sendo constatado em todo o estado. Foram cerca de 610% casos a mais, comparado ao mesmo período do ano passado, em todo o Piauí. Os cinco municípios piauienses com maior incidência de casos são: Curimatá, São Pedro do Piauí, Antônio Almeida, Avelino Lopes e Curralinhos. Uma jovem, de 20 anos, morreu de dengue hemorrágica em Parnaíba na última semana.

Dentro dos hospitais e Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) da capital, uma nova preocupação: aumentou-se tanto a demanda de casos de dengue que o estoque de medicamentos usados para dor e febre, como a dipirona, chegou a zero nos hospitais e farmácias da cidade. Por não ser um analgésico produzido no Brasil, apenas envasado no país, houve problemas no fornecimento de medicamentos para atender a demanda a nível nacional. 

O que também aumentou foram as procurar dedetização e saneamento de quintais e casas. O estadodopiaui.com procurou empresas que realizam esse tipo de serviço em diferentes zonas da capital e todas declaram de forma unânime: as contratações aumentaram mais de 100% desde março. O serviço custa de 250 a 500 reais, dependendo do tamanho da casa. A maior parte dos atendimentos concentram seus serviços em casas mais abastadas e condomínios fechados. O panorama para as zonas mais pobres não tem sido bom e a região periférica segue levando a pior na luta contra o mosquito.

Água parada e desinformação

A epidemia de dengue parece ter voltado como nunca, não só no Piauí, mas em todo o Brasil. No entanto, ao passo que os casos aumentam, uma pesquisa divulgada pela Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e pela biofarmacêutica Takeda revelou que, para 31% dos brasileiros, a doença deixou de existir durante a pandemia da Covid-19. Na contramão da realidade, os casos de dengue aumentaram 43,5% em todo o país, comparado ao ano passado. 

Ao todo, foram ouvidas mais de duas mil pessoas, por telefone. Além dos 31% que acreditaram que a dengue “sumiu”, outros 22% disseram que o risco dela diminuiu. As razões, segundo 28% dos entrevistados, é que eles nunca mais ouviram falar da doença no último ano. Outros 22% declararam que a única doença existente era Covid-19. Conforme a pesquisa, o motivo da população brasileira considerar que a doença deixou de existir durante a pandemia pode levar ao relaxamento das ações de controle e de prevenção, aumentando assim o risco de se contrair a doença.

Nos últimos dois anos, a desinformação e a proliferação de fake news aumentaram consideravelmente em assuntos voltados para saúde, desde informações científicas sobre vacinas, tratamentos e a própria Covid-19.  Em países como o Reino Unido, no qual já foi realizado um levantamento sobre a circulação de fake news durante a pandemia, esse aumento desinformacional chegou a 900%. As narrativas, como explica Ana Regina Rêgo, presidente da Rede Nacional de Combate à Desinformação, chegam a ser lucrativas. “Há uma tendência de criar desinformação e fake news para conseguir realizar fraudes, aplicar golpes, ou plantar estratégias de consumo sobre determinada ideia ou ideologias”, explica.

Em relação ao “sumiço” da dengue, Ana Regina, destaca que a exposição de um assunto pode criar “buracos de notícias” sobre outros – como exemplo, a cobertura de informação sobre a Covid-19, que gerou um distanciamento do consumo de pautas sobre dengue. “Dessa forma, quando chega a desinformação nesse local que houve o vazio de notícia, é bem provável que a fake news chegue como uma narrativa verdadeira”, alerta a pesquisadora.

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Categorias: Reportagem

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