Na última semana, durante cinco dias de arte, Teresina consagrou mais uma vez seu potencial para grandes festivais com a realização do Piauí Pop. O evento retornou depois de 14 anos e, além de uma mistura de ritmos e cores, reuniu gerações diferentes, novas consciências e juventudes, mostrando que alguns ídolos ainda são os mesmos, mas que também o quanto a música é cíclica e o mercado fonográfico mudou, a forma de propagação dos artistas evoluiu e criando uma reflexão de que, assim como a canção de Belchior, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.
O Piauí Pop é, sem dúvidas, o evento que redefiniu os rumos da música no Piauí, sendo vitrine de muitos artistas piauienses e uma ponte para atrações nacionais apresentarem suas canções para um público carente de grandes shows de Pop/Rock no começo dos anos 2000. Ele agora retornou em novo espaço, agora no Estádio Albertão, mas com a mesma proposta de fazer um intercâmbio musical entre o Piauí e o Brasil.
Para além da música, o jantar nas alturas do SkyBar, os saltos de bungee jump e o momento relax nas espreguiçadeiras foram apenas alguns dos atrativos do evento. Ao entrar, o público já era iluminado pela roda gigante que oferecia uma vista privilegiada do palco Marcus Peixoto. O festival foi um verdadeiro convite para viver o inesquecível, relembrar o passado e ter a certeza que o novo sempre vem.
No hipnotizante jogo de luzes neons serpenteadas pelos dançarinos e malabaristas, na mistura com as cores dos holofotes nos palcos, na vibração musical das bandas e no êxtase do público ao encontrar com seus ídolos: o retorno do Piauí Pop renovou a alma musical do estado.
O evento trouxe uma grande mistura de ritmos, com atrações do heavy metal ao trap. Isso gerou alguns comentários nas redes sociais levantando uma discussão sobre o cenário musical, colocando de um lado os vanguardistas e do outro os mais jovens, adeptos a vertentes musicais modernas.
O músico Helber Araújo tocou em uma das primeiras edições do Piauí e se diz um pouco mais conservador com relação à música. Ele afirma que não conhece muito sobre os novos estilos musicais, mas que abriu mais a mente por influência da filha de 18 anos. “As atrações não são exatamente o que eu gosto, que eram a cara do festival. Mas hoje tudo mudou e até a forma de fazer música, que ficou um pouco mais fácil”, destaca, acrescentando que se adaptou às mudanças e hoje não tem problemas de aceitação do novo.
Nesta edição, o Piauí Pop trouxe nomes que fizeram parte da geração de Helber, como Raimundos, Biquíni Cavadão, entre outros. No entanto, mostrou que não ama só o passado e tentou se abrir para um novo cenário com atrações da nova MPB, com uma sonoridade mais moderna, repleta de samples e efeitos de voz, algo que não é tão bem aceito por alguns vanguardistas.
O professor universitário e músico Anderson Gomes participou de todas as edições do Piauí Pop e acredita na renovação da música. Para ele, o festival tem que acompanhar o que está sendo produzido no Brasil. “O evento procurou se modernizar mais em relação às atrações e a demanda relacionada ao público atual. Trouxe um ambiente altamente agregador e confortável fazendo com que todas as gerações pudessem se encontrar num espaço único e de inclusão. Além do mais, o Piauí Pop manteve suas raízes com atrações que tocaram na primeira edição, como Biquíni Cavadão, explorou mais uma vez a presença do público do metal e trouxe muitas bandas do gênero trap, trazendo exatamente novas pessoas para integrar e agregar o evento”, explica.
Para Anderson, a mudança no cenário é importante e amplia os horizontes tanto de quem produz como de quem ouve. “Existem bandas que hoje utilizam do trap, rap e metal nas suas músicas e isso faz exatamente que o seu estilo possa se expandir em outros meios. O cenário é positivo e os grandes festivais precisam incentivar ainda mais a participação dessas bandas em seus eventos. Torço bastante que sempre possam surgir novas bandas pelo Brasil e principalmente no Piauí”, destaca.
Essa integração de estilos ainda serve para unir gerações, inclusive as que estão por vir. Shirley de Rodrigues aproveitou o festival Piauí Pop na companhia do marido, Rafael Solano, e seus filhos Heitor, de seis anos, e Ravi, de quatro anos. O casal tem uma longa história de participação no evento, tendo comparecido a todas as edições entre 2004 e 2009, período em que ainda estavam namorando. Shirley, que diz ser da “geração antiga”, fala como o festival une a saudade das primeiras edições do evento e o encontro com as novas gerações. “É gratificante porque estamos com um sabor de nostalgia. Nas edições anteriores em que participamos do Piauí Pop, a gente ainda namorava. Agora, depois que nos casamos, trazemos nossos filhos. Eles estavam doidos para vir, estavam pedindo muito, e nós os trouxemos” explica.
A família, que estava ansiosa pelo show da banda Detonautas, compareceu aos outros dias do festival e elogiou a qualidade das bandas regionais, como o Validuaté. Se o novo sempre vem, o Piauí Pop avançou no tempo e trouxe mudanças, evoluindo junto com o público. Shirley observa que houve um crescimento na estrutura e uma maior diversidade de estilos musicais. “A estrutura do festival está bem maior, assim como a diversidade de bandas e de ritmos. O Piauí Pop está mais inclusivo, todo mundo está mais à vontade para se expressar e para trazer família”, conta.
O bancário Filipe Poty era um dos mais animados entre o público e destaca que não foi só a música que evoluiu, mas o próprio evento em si, com as ativações de marca, a roda gigante, as preocupações com acessibilidade, não deixando a dever para qualquer festival Brasil afora. Com relação ao público, ele afirma que sentiu a presença de pessoas mais velhas, diferente do que foi nas primeiras edições. “Não sei se é porque eu era adolescente e eu prestava mais atenção na galera de quinze, dezesseis anos no rolê, sabe? Eu vi um pessoal mais adulto mesmo. Senti uma média de idade um pouco maior do que era naquela época”, destaca.
Com relação à escolha das atrações, Filipe destaca que o festival seguiu uma tendência mundial, mas sem desagradar os mais “conservadores”. “Hoje o rock and roll virou música de nicho e o hip-hop é o grande fenômeno do pop mundial. Então isso muda, né? Mudam os gostos, as line ups de festivais. Então você vê que esse ano os caras colocaram muitos rappers. Teve Filipe Ret, teve Crioulo, que era um tipo de música que não tocava muito. Naquela época, eu não lembro de ver artistas de rap nos palcos principais. Era mais banda de rock, reggae mesmo”, finaliza.
E não foi só a fórmula dos festivais que mudou. Até mesmo a distribuição das músicas, que antes dependia de gravadoras e de bons contratos, a forma de se fazer música também evoluiu. “Antes a gente tinha que juntar dinheiro pra gravar um disco. Hoje só precisa de uma música, que você grava em casa, pra lançar numa plataforma. Ficou mais instantâneo, mais fácil, mas também mais competitivo. É preciso ter muito talento”, finaliza Helber, acrescentando que do mesmo jeito que se reclama hoje das novidades do mercado, da produção, os mais velhos da sua época reclamavam do que era produzido, sendo tudo uma questão de aceitação de que o novo sempre vai vir, mas nem sempre será bem aceito por quem ama o passado.
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