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Um ponto de arte

Artistas piauienses apostam em um estilo de desenho que requer paciência e cuidado: o pontilhismo

01 de setembro de 2023

Um ponto de chegada e um ponto de partida. O ponto encerra uma frase, mas também começa outra. Pode ser um espaço de cura ou alívio no corpo e de encontro com a espiritualidade. Gera fins para o início de novos começos. E também cria formas. Na impressão, vários pontos se transformam em uma imagem, em uma letra. Na ponta de um pincel, vira arte. E essa tem nome, pontilhismo, e consagrou diversos grandes pintores pelo mundo como Georges Seurat (1859-1891) e Vincent Van Gogh (1853-1890), que apostou na técnica em algumas de suas obras e talvez seja o mais conhecido. No Piauí muitos artistas pacientes e inquietos apostam timidamente nessa vertente e buscam um ponto de destaque.

O pontilhismo, conhecido também como divisionismo ou cromoluminismo, é uma técnica de pintura que surgiu na França no final do século XIX pegando carona com o final do movimento impressionista. Trata-se, basicamente, da arte de pintar por meio de pontos coloridos justapostos, de uma forma que não se perceba os espaços em branco e que, no final, constitui-se uma imagem. É basicamente o mesmo princípio das impressoras jato de tinta, que constroem uma imagem através de micro jatos de tinta num papel.

A obra “Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte” é uma das mais famosas de Seurat

O primeiro a experimentar a técnica foi Georges Seurat (1859-1891), que já era um notável dentro do Impressionismo e resolveu ir além, misturando ciência e pintura. Ele resolveu não misturar as tintas na palheta, mas usar as cores primárias na tela, em pequenos pontos, com fins de criar uma ilusão de ótica na qual o olho humano alcançasse as cores as quais ele propunha.

O experimento de Seurat foi baseado nos estudos científicos de Eugène Chevreul, que, em 1839, escreveu o livro “De la Loi du Contrast Simultané des Couleurs”. A obra trazia a lei das cores complementares, em que cores opostas no círculo cromático são colocadas próximas uma da outra para criar um efeito visual vibrante e luminoso, que serviu de base para a técnica pontilhista.

Uma das obras de maior destaque de Seurat foi a “Tarde de Domingo na Ilha de Grande Jatte” (1884-1886) e, assim como as primeiras utilizando a técnica, apresenta espaços exteriores, neste caso um final de semana numa ilha francesa situada no Rio Sena. A obra encontra-se hoje no Art Institute of Chicago e, nela, é possível observar os efeitos de luz e sombra provocados pelos pontos justapostos.

Arimateia destaca paciência e dedicação na técnica

A técnica não se limita apenas à pintura a óleo; ela também influenciou outras formas de arte, como a gravura e o desenho, tendo um impacto duradouro nas vanguardas artísticas do século XX, influenciando movimentos como o neoimpressionismo e até mesmo contribuindo para o desenvolvimento do cubismo.

No Piauí, alguns artistas apostam nessa técnica como expressão da sua arte. Na cidade de Pedro II, o professor José de Arimatéia (@josedearimateiaartwork) é um dos entusiastas, com obras complexas repletas de erotismo, com texturas viscerais reforçadas pela estética do pontilhismo.

Arimateia explica que, para ele, o pontilhismo não é considerado uma técnica, mas sim uma escolha estética, que muitos artistas utilizam em suportes diferentes, desde a tatuagem à própria pintura. “No sentido de que para fazer um bom desenho pontilhismo eu preciso dominar outras técnicas e conceitos, como perspectiva, anatomia, sombreamento. O pontilhismo em si é só o acabamento”, acrescenta.

As obras de Arimateia têm como ponto forte o erotismo

Ele explica que o seu primeiro contato com o pontilhismo foi no curso de Educação Artística da Universidade Federal do Piauí em 2009 quando conheceu o trabalho do artista cearense Darcílio Lima. “Fiquei encantado com o trabalho, peguei como fonte de pesquisa e tudo, mas não tive coragem de levar adiante. Somente em 2011 me senti seguro para fazer um trabalho definitivo com o pontilhismo. Este trabalho me garantiu o primeiro lugar na categoria desenho do 18° Salão de Artes Plásticas de Teresina. Resolvi continuar com o experimento e novamente fui premiado com o primeiro lugar em 2012”, explica.

Arimateia destaca que um dos pontos fortes da sua produção é o erotismo, que em algumas se apresenta de forma discreta, mas que pode ser visto com um aprofundamento. “Assumi o pontilhismo e o erotismo, outro aspecto de minha poética, como minhas linhas de pesquisa e expressão artística e continuo até hoje”, destaca.

Muriel pretende mesclar o pontilhismo com outras criações

Produzindo ainda timidamente em Teresina, mas com um trabalho notável, a estudante de moda Muriel Mwangi (@murielmwangi) também se encontrou nessa forma de expressão. Ela começou ainda criança com o desenho, o que foi aprimorando ao longo do tempo e com o apoio de amigos até conhecer o pontilhismo, o qual se apaixonou e passou a levar para outros aspectos da sua produção. “Comecei a fazer pontilhismo mais quando entrei na universidade em 2018, quando entrei em arquitetura e gostei do efeito que a técnica traz para os desenhos. Atualmente eu utilizo a técnica mais em desenhos de personas e lazer próprio. Como estou cursando moda, ainda pretendo unir o pontilhismo a futuras criações”, acrescenta.

Os adeptos da linha estética destacam que uma característica necessária marcante para o artista é, sem dúvida, o tempo de dedicação. E tome tempo. “A minha maior dificuldade no pontilhismo é conseguir manter a paciência de fazer ponto por ponto, ir sombreando devagarinho. Às vezes eu vou fazendo de pouquinho, pontilho um pouco, guardo, continuo outro dia, guardo, e assim vou levando dias ou semanas. Mas também tenho como hiperfoco e termino num dia só, porém são casos mais isolados (risos)”, destaca Mwangi.

Para Arimatéia, é importante ainda ter uma atenção redobrada com a obra para evitar erros e não ter que fazer tudo do zero novamente. “Quanto às dificuldades, posso citar a paciência necessária, também a questão da tinta máquina, que exige cuidado com os erros, já não são possíveis correções. Mas no meu processo a maior dificuldade é a composição do desenho. A parte do pontilhismo mesmo é questão de paciência”, acrescenta.

 

Para Mwangi, uma outra dificuldade que vai além da tela e da técnica e que muitos artistas sofrem é com a falta de reconhecimento, de eventos como salões de artes e de exposições mais democráticas. “Eu ainda não comercializo minhas obras, mas se torna perceptível que não há uma procura e valorização da arte quando se trata principalmente de produtores pertencentes à massa marginalizada”, finaliza.

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Diego Iglesias

Jornalista, mestre em comunicação pela Universidade Federal do Piauí.

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