sábado, 23 de novembro de 2024

O povo gosta é do piseiro

Febre musical em todo o país, ritmo tem como berço as serestas em cidades nordestinas

08 de outubro de 2021

Edição Luana Sena

Passos arrastados e mãos posicionadas junto ao corpo em um ritmo “arrochado” deram origem ao piseiro, ritmo descendente do forró. Rapidamente o ritmo virou uma febre musical por todas as regiões do país. Mas foi aqui, bem longe dos estúdios e toda a tecnologia da indústria musical que ele surgiu. O piseiro é nosso.

A pisadinha, outro nome para a vertente do forró, só precisa de um teclado elétrico e um vocal. Tem como berço o nordeste profundo – em especial, pequenos bares de cidades no interior do Piauí e Maranhão. 

Segundo o cantor Isayas de Sousa Rodrigues – ou melhor, Isayas Topado – , as primeiras produções dessas músicas foram feitas de modo caseiro – pareciam  com serestas ou até mesmo o que se convencionou chamar de música “brega”. Antes de 2015, ele relembra que alguns cantores chegaram a pensar em diversificar o piseiro – mas o medo de arriscar uma nova versão do gênero líder no mercado prevaleceu.

O ritmo se tornou uma febre. Atualmente, artistas consagrados do estilo forró universitário, funk e outras modalidades, apostam em repertórios híbridos de canções com a pisadinha – é o caso de cantores como Zé Vaqueiro, João Gomes, Priscila Senna e Tarcísio do Acordeon. “Se tornou tão boa e eclética que hoje toda música pode se tornar pisadinha”, brinca o cantor. “Mas o piseiro mesmo é aquele que levanta poeira e dança colado, com o som do teclado ligeirinho”. 

A abrangência pode ser nacional e diversa, mas a maioria das músicas do gênero piseiro ainda traz um tema único: o dia-a-dia e a realidade do interior nordestino. Em grande parte das letras os compositores retratam o homem apaixonado pela sua terra, seus amores e a rotina no campo – a cultura da vaquejada é citada em muitas canções, como em “Vida de vaqueiro”, expoente do ritmo:

“O que eu vejo de belo no sertão / É o gado comendo na colina / O sorriso na boca da menina / E o segredo que tem seu coração / Sou vaqueiro e vivo apaixonado / Por forró, vaquejada e mulher”.

Ganhou a cidade

As calçadas dos bares nas zonas rurais serviram de palco para a explosão do piseiro. Por muito tempo, festas de aniversário, comemorações e encontros com amigos eram motivos para acelerar o tecladinho. Não demorou muito para que o som pudesse ser ouvido nas grandes cidades. 

A migração de músicos nordestinos para o eixo sul e sudeste proporcionou a popularização do estilo, antes tido como regional. “Não acho que perdemos a essência, pelo contrário”, opina Isayas. “Reforça a cultura e a música nordestina, mostra como ela é capaz de se reinventar”.

A mudança do campo para a cidade, no entanto, não aconteceu sem causar impacto no estilo de fãs do piseiro. Antes associado ao lifestyle do sertão e a vida bucólica, hoje o público é quase tão diverso quanto as bandas, trios e duplas. O empresário Gilson Neris, recorda que a pisadinha era um som que apreciava desde criança, quando visitava a família na zona rural de Lagoa do Piauí, a 35 km da capital piauiense.

Ele lembra que as letras costumavam ser voltadas para o romance, parecido com o que se convencionou chamar de “sofrência”. Hoje, a “pisadinha ostentação” – aquelas cujas letras descrevem o mundo do vaqueiro com bens materiais como carro e paredão de som, menos afeito a questões sentimentais, mas que ainda valoriza a terra e suas origens.  

Quanto mais próximo a cidade grande, analisa Isayas Topado, mais o perfil das músicas e do público mudam. Do salão de terra batida a palco de festas glamourosas e sofisticadas, o piseiro invadiu os stories. 

A dança ainda é um ponto que destaca a originalidade do piseiro nordestino: do quadril aos pés, o molejo acelerado faz dos passos um patrimônio cultural, defende Isayas. Apenas nas cidades nordestinas se encontra duplas com a habilidade de levantar a poeira do chão com o piseiro. “Não tem parêa não”, brinca o artista. “Pode tocar de norte a sul, mas só aqui tem a essência da verdadeira pisadinha nordestina”.

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Categorias: Reportagem

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