Ambiente insalubre de trabalho e “dormitórios” improvisados ao ar livre. Sem carteira assinada, sem atestado de saúde ocupacional, sem remuneração minimamente suficiente ou sequer banheiros. Nessas condições, 50 trabalhadores foram resgatados no Piauí, entre os dias 16 e 26 de agosto deste ano. Destes, 11 estavam no município de Patos do Piauí, em situação de exploração na extração do pó da carnaúba. Equipes de fiscalização do Ministério Público do Trabalho (MPT-PI) e da Superintendência Regional do Trabalho realizaram o resgate.
O caso realça um mal que persiste no país: trabalhadores em condições análoga à escravidão. O Piauí é o 5º estado brasileiro com mais residentes resgatados em situação de trabalho escravo. De 2003 até o último ano, o número de resgates chegou a 1.967, e os trabalhadores “libertos” são de todas as regiões do estado. Os dados são do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas e partem de um recorte que contabiliza o número de pessoas residentes no local em que foram resgatadas.
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Patos do Piauí nem chega ao ranking das dez cidades piauienses com mais pessoas resgatadas do trabalho escravo. O município de Barras é que lidera a lista, com 244 trabalhadores resgatados no mesmo período mencionado. Já Teresina, ocupa a 6º posição no ranking – ao todo, 62 pessoas foram tiradas de situações de trabalho análoga à escravidão.
O órgão de frente da fiscalização no estado é a Auditoria Fiscal do Trabalho, contudo, a falta de recursos financeiros dificulta sua atuação. É o que explica o juiz do trabalho titular da Vara do Trabalho de Valença (PI), Carlos Wagner Nery, ao oestadodopiaui.com. Ele destaca ainda que o Ministério Público do Trabalho também atua fortemente, mas não possui quadro suficiente para fiscalizar. A Justiça do Trabalho, por sua vez, pode atuar somente se provocada por meio de ações judiciais.
Somada às carências dos órgãos fiscalizadores, o baixo desenvolvimento econômico da região contribui com a manutenção do trabalho escravo contemporâneo, de acordo com Carlos Wagner Nery. “O Piauí é um dos mais pobres da federação e a migração irregular de trabalhadores economicamente vulneráveis ainda é muito forte”, conclui.
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O juiz faz ainda um alerta sobre a atuação de pessoas especializadas em arregimentar mão-de-obra para o trabalho escravo, que pode evoluir para a exploração de crianças e adolescentes.
Denúncias e garantia de direitos
De 2012 a 2019, foram registradas apenas 62 denúncias de trabalho escravo e tráfico de pessoas no Piauí. O dado é do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo. Estas denúncias são principalmente de jornada de trabalho exaustiva e condições degradantes de trabalho.
O Disque Direitos Humanos (Disque 100) é o canal para denúncias de violações de direitos humanos e compartilhamento de informações sobre os direitos de grupos vulneráveis. Para denunciar violações graves que acabaram de ocorrer ou que estão em curso, acione os órgãos competentes para o flagrante e resgate de pessoas escravizadas, pelo Disque 100.
Edno Moura, procurador-chefe do MPT-PI, explica que o trabalho de resgate é precedido por um planejamento da operação e definição dos órgãos que participarão da atividade de campo. Após essa etapa, as equipes se dirigem aos locais onde o crime de exploração pode estar ocorrendo.
“Se o trabalho escravo for detectado, a atividade é suspensa imediamente”, assegura o procurador. “Os trabalhadores são resgatados e o empregador é obrigado a pagar as verbas rescisórias e o dano moral individual aos trabalhadores”, completa. Além disso, Edno Moura explica que os trabalhadores resgatados têm direito a receber três parcelas do seguro desemprego e o explorador responde a uma ação penal e outra cível.
Apesar dos esforços dos órgãos responsáveis, os exploradores ainda são favorecidos pela impunidade, ou seja, poucos são condenados na esfera criminal. “Mesmo quando são flagrados [e condenados], os valores pagos são ínfimos se comparados com os ganhos obtidos pela exploração”, finaliza o procurador.
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