A cultura de confinar animais para apreciação humana começou com os egípcios, que capturavam espécies selvagens em batalhas e os mantinham em templos como símbolo de força e poder. Três mil anos depois, a prática se perpetua. Animais continuam sendo expostos a estresse e anomalias comportamentais para apreciação do olhar humano.
Essa perspectiva circulou nas redes sociais nos últimos dias e tem prevalecido, desde o anúncio da transferência dos animais do Parque Estadual Zoobotânico, localizado em Teresina, para santuários pelo país. No entanto, apesar do impasse com os princípios bioéticos e morais sobre o bem-estar desses animais, pesquisadores confirmam a necessidade dos zoológicos e zoobotânicos para a preservação de espécies.
O Parque Zoobotânico de Teresina é o maior parque urbano do Nordeste e o 3º do país, com área total de 127 hectares. O local abriga grande diversidade ecológica, além de ser um dos poucos ambientes verdes disponíveis de maneira acessível para a população. Com cerca de 400 animais, o ambiente é lar para espécies provindas de cativeiro, vítimas de acidentes, maus tratos ou transferidos de outros locais.
O anúncio do esvaziamento e transferência dos animais para santuários ecológicos veio após um mês da reabertura do parque que, durante a pandemia, esteve fechado e passou por pequenas manutenções. Em 11 de junho, o local foi reaberto ao público, ao passo que corria o encaminhamento de sua licitação – o Edital nº 002/2020, expedido pela Superintendência de Parcerias (SUPARC), visa a concessão do parque para uma empresa privada que deve cuidar da gestão, readequação e manutenção do local em parceria público-privada, a PPP. O contrato deverá ter prazo de 35 anos e a previsão de investimento é de R$ 42 milhões de reais.
O edital estava determinado para o dia 15 de junho mas, após atuação do MPPI, foi adiado para o final de julho. O órgão encontrou diversos problemas no teor do edital, como a falta de análise técnica do Tribunal de Contas – TCE. Segundo nota da promotora da ação, o Parque Zoobotânico não pode ser objeto de disputas de cunho político ou qualquer outro, por se tratar de uma unidade de conservação, além de apresentar evidentes riscos e prejuízos ao interesse público. Nesta quarta, 21 de julho, o Ministério Público expediu recomendação para a suspensão imediata da transferência dos animais.
#SalveoZoo
As especulações sobre a mudança e a concessão do parque desencadearam a mobilização de ativistas, estudantes e professores para a permanência dos animais sem condições de viver em liberdade.
Por ser uma unidade de conservação de proteção integral, o parque estadual tem como obrigação a preservação dos ecossistemas e biodiversidade, além da realização de pesquisa científica. Carla Janyele Rodrigues participou da manifestação no último sábado, 17, por entender que a transferência dos animais é também uma transferência de responsabilidade do estado e tentativa de desvincular o real problema: a falta de estrutura no local. “O ambiente está sucateado e também há recintos sem enriquecimento ambiental”, pontua a protetora. “Acreditamos que, com o investimento correto das verbas destinadas ao parque, podemos solucionar esses problemas. Já é realizado um trabalho incrível com o mínimo”, acrescenta.
A transferência de animais entre ambientes é algo que acontece com frequência e previsto em normativas e políticas ambientais. Entretanto, no caso da mudança de espécies criadas sob supervisão humana a longo prazo para áreas abertas como os santuários, além da possibilidade da não adaptação ao clima e alimentação, há enorme risco de predação de outros animais. Por isso, para o equilíbrio ambiental, o estudo “Bem-estar dos animais nos zoológicos e a bioética ambiental” aponta que técnicas de enriquecimento da estrutura física, sensorial, cognitiva e alimentar são eficientes em reduzir transtornos em animais cativos e garantir a qualidade de vida.
A especialista em ciência animal Luanna Evangelista apoia o movimento contra a retirada massiva dos animais do Parque Estadual Zoobotânico. Ela pontua que há transferências que podem ser bem sucedidas, entretanto, é preciso haver estudo técnico e conversa com a sociedade civil. A pesquisadora aponta ainda que a retirada de animais impacta também no desenvolvimento científico, principalmente na impossibilidade de preservação das espécies ameaçadas de extinção. “Precisamos de um parque funcional, social e com espaço democrático para que todos possam ter acesso a um ambiente rico em fauna e flora”, observa. A docente comenta ainda que o ambiente é um dos piores do país e sofre com o sucateamento por ausência de diálogo. “Só há cinco tratadores, mas temos estudantes e pessoas que querem atuar como voluntárias e abraçar a causa”, explica. “Antes de tudo, o governo precisa nos ouvir”.
Sádia Castro, secretária do Meio Ambiente, afirmou que a mudança segue uma tendência nacional e que as alterações aconteceram de maneira escalonada e colaborativa protocoladas nos órgãos ambientais para discussão sobre a transferência. “Hoje as crianças, quando vão ao parque, choram vendo os animais presos”, comentou. “A ampliação da educação ambiental mudou a cabeça das pessoas e precisamos nos adaptar”, explicou, reforçando que não seriam transferidos os animais em totalidade.
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