“Era uma farra danada! Vou ali brincar de jovem cientista, queimar uma formiga com lente de aumento, botar mentos na coca-cola”. Esta fala foi proferida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, durante anúncio do corte de 92% do orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia. O corte, aprovado no último outubro, autoriza a retirada de R$ 635 milhões da pasta – por esta razão, para quem vive de fazer pesquisa no Brasil, o principal desafio da ciência atualmente é o governo.
De acordo com o levantamento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal agência de apoio à pesquisa do país, perdeu 90% do seu orçamento de fomento em 10 anos – atualmente, o orçamento é o menor de todo o século XXI. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que deveria ser a engrenagem mais sólida do sistema de fomento à pesquisa, perdeu 52% de sua verba orçamentária entre 2013 e 2020, voltando ao patamar de duas décadas atrás – quando o número de pesquisadores ativos no país era apenas 1/4 do atual.
Números chocantes revelam um cenário de escassez extrema. Com pesquisadores dependendo cada vez mais de um volume mínimo de recursos para sobreviver. “Com o negacionismo científico, a ciência vale muito pouco, ou nada”, diz Cássio Borges, piauiense diretor da Associação Nacional de Pós-graduandos.
Assim como em outras universidade do país, a Universidade Federal do Piauí também vem sofrendo sucessivos cortes de orçamento. 2021, por exemplo, foi o sétimo ano consecutivo em que a UFPI teve redução nas verbas de custeio enviadas pelo Ministério da Educação. Um levantamento feito pelo oestadodopiaui.com apontou que, entre os anos 2017 e 2018, o orçamento para custeio da Universidade Federal do Piauí era de R$119 milhões – agora, em 2021, o orçamento foi reduzido para R$88 milhões.
Cássio conta que as produções de pesquisas ainda continuam sendo realizadas por empenho pessoal dos próprios pesquisadores – muitas vezes, o estudante tira dinheiro do próprio bolso para custeá-la. Ele explica que a pandemia impôs uma nova realidade, que vem interferindo profundamente na produtividade do trabalho intelectual dos pesquisadores brasileiros. “Chegamos até aqui porque somos resistência”, desabafa.
O retrato da falta de estímulo à pesquisa
A pesquisa de Francisco está parada. Graduado em História pela UFPI, ele é veterano dos dois mais conhecidos programas de fomento à pesquisa científica: o PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) e o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência). Do mestrado em História do Brasil, pulou para doutorar-se – mas os planos tiveram que ser interrompidos pelos cortes nas bolsas: Francisco de Assis Oliveira Silva atualmente é motorista de aplicativo. “Chega um momento que ou você pesquisa ou morre de fome”, diz.
Ser pesquisador ainda é o sonho de muitos estudantes da graduação. Crescer profissionalmente por meio da ciência, no entanto, acaba se tornando um verdadeiro pesadelo no Brasil, onde fazer pesquisa envolve uma cultura acadêmica competitiva, extremamente burocrática, com poucas oportunidades e, às vezes, nenhuma valorização profissional. Francisco conta que ser doutor em sua área sempre foi seu objetivo e que, mesmo sabendo das dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores no Brasil, resolveu ir em busca do seu objetivo.
“Minha carreira como pesquisador tem a ver com paixão pela História”, revela. “No entanto, não podemos viver apenas dessa paixão: é preciso que haja incentivo para que o pesquisador continue a retribuir a sociedade”.
Com a pesquisa andando a passos lentos, por conta da carga excessiva de trabalho, Francisco está entre milhares de pesquisadores no Brasil que tiveram que interromper importantes estudos em cursos pela falta de estímulo e incentivo à ciência. Em levantamento realizado pelo grupo Parent in Science, o trabalho remoto, o acúmulo de tarefas domésticas, o exercício da maternidade e paternidade foram alguns fatores que impactaram negativamente a produção acadêmica entre pós-graduandos, professores e pesquisadores. Os dados deixam claro que é preciso tomar medidas no sentido de assegurar melhores condições de trabalho e incentivo à carreira científica.
Ciência agonizante
Sem dinheiro para pesquisar, os talentos da ciência brasileira acabam saindo do país ou, no pior dos cenários, desistindo das carreiras acadêmicas. O Brasil possui, segundo a UNESCO, cerca de 700 pesquisadores por milhão de habitantes – na América Latina, ele ocupa a segunda posição, abaixo apenas da Argentina (com 1.200 pesquisadores por milhão de habitantes). Atualmente, o país consegue formar cerca de 20 mil doutores por ano – número abaixo da meta estipulada pelo Plano Nacional de Pós-Graduação (25 mil doutores).
Os obstáculos para a prática da ciência no Brasil impulsionam o brain drain – expressão em inglês que significa a saída de cientistas de um país para trabalhar em instituições estrangeiras. Cássio Borges diz que a “fuga de cérebros” é um fenômeno real em curso e diz respeito à realidade perversa vivida pelo país – onde a carreira para quem faz ciência vem sendo sorrateiramente desrespeitada.
“Vários outros países, percebendo esse momento de fragilidade econômica, em que mestres e doutores não encontram emprego em suas áreas quando concluem suas pesquisas, oferecem para estas mentes uma oportunidade de emprego em outro país”, explica.
Uma das pesquisadoras brasileiras de maior destaque mundial, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, despediu-se do Brasil. Ela trocou o Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) pela Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos. Em carta, disse ter se “cansado do ambiente que incentiva a mediocridade”. “A ciência brasileira está agonizante”, escreveu na revista Piauí.
Qual é a saída?
“Se queremos um cenário diferente, a saída é valorizar a ciência e a tecnologia”, comenta o Pró-reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação do Instituto Federal do Piauí, José Luiz de Oliveira. Para o professor, é preciso entender que nem a ciência, tampouco a tecnologia, nos levam a uma crise que justifique cortes e falta de investimento – pelo contrário, explica: “São elas que trazem soluções e devem ser encaradas como saída por qualquer governo”.
Um estudo divulgado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT), revelou que 15,9% dos jovens acreditam que a ciência traz muitos riscos para a humanidade. Endossando a onda de negacionismo científico que assola o país, 40% dos respondentes também disseram que “se a ciência não existisse, o dia a dia não mudaria muito”. Mas não para por aí: 93% dos jovens não sabem sequer dizer o nome de algum cientista brasileiro.
“Tudo isso é efeito da falta de incentivo em ciência e tecnologia, resultando na evasão da juventude nessas áreas”, afirma o Pró-reitor. Para ele, os dados ressaltam a importância da ampliação da oferta de museus, parques ambientais ou centros de ciência pelo país, além da divulgação destes ambientes entre os jovens. “O investimento para divulgar o conhecimento ainda é escasso e vem sendo cortado ano a ano”, observa.
No plano de emergência Anísio Teixeira, desenvolvido pela Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), os pesquisadores alertam que o desinvestimento na educação e ciência no Brasil vem na contramão das medidas tomadas em todo o mundo – para sair da crise, os países apostam em investimentos públicos no setor de ciência e tecnologia para uma retomada econômica. E acreditam que, muito mais do que combater a pandemia, investir em pesquisa é a chance de reconstruir o país para o futuro.
“Temos o dever de reposicionar o papel da Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação”, diz o plano. “Assegurar os investimentos necessários, seguindo investindo na formação de profissionais de alta capacitação em todas as áreas do saber, para superar o cenário que nosso país se encontra”.
1 comentário
Paulo Sarmanho · 21 de dezembro de 2021 às 16:27
Com a palavra os professores e pesquisadores que apoiaram a ascensão da barbárie. Não me venha com o surrado e hipócrita mantra que ” era contra corrupção”. Pura dissimulação com doses de hipocrisia e canalhice, pois se calam perante os escândalos de corrupção do atual governo.