Francisco Oliveira aprendeu a pedalar na infância, antes mesmo da bicicleta ser seu principal meio de transporte. Aos 52 anos, o jardineiro usa a “magrela” para fazer todos os seus “corres”: desde ir aos trabalhos de jardinagem na cidade até transportar latinhas de metais e garrafas de plástico. Ela leva o material que recolhe no guidão aos postos de venda de material para reciclagem e ganha alguns trocados. Usuário diário da bicicleta, ele se considera um sobrevivente do trânsito de Teresina, onde já viu muitos amigos ciclistas perderem a vida em graves acidentes.
O trajeto de Chico – como prefere ser chamado – começa na Vila Operária, zona Norte, onde mora, e se estende para todas as regiões da capital. O caminho esburacado das ruas já resultou em muitos pneus furados, como também sustos com carros e motos que invadem as ciclofaixas. A violência e a falta de educação no trânsito fazem o jardineiro se referir às principais avenidas da cidade como “travessias da morte”.
Chico faz parte do perfil de pessoas que mais pedala na capital: homem, negro, com renda de até um salário mínimo e morador da periferia, segundo diagnóstico que originou o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Arquitetura e Urbanismo de Luan Rusvell. Em seu estudo, o arquiteto observou a condição da mobilidade urbana da capital para quem tem apenas a bicicleta como transporte. A pesquisa comprovou que o maior fluxo de deslocamento por bicicletas é na Zona Norte, representando um total de 3.065 viagens por dia, através da bike. No geral, fica atrás apenas do fluxo de circulação que pedala entre Teresina e Timon, cidade maranhense vizinha.
A falta de sinalização adequada, drenagem irregular e as altas temperaturas são os principais motivos para que o sistema cicloviário não possua uma infraestrutura adequada em Teresina. Além disso, a estrutura atual atende poucos bairros da cidade e não há uma conexão entre as ciclovias existentes, o que acaba dificultando seu uso. Muitos desses problemas, de acordo com Luan, fazem parte de um racismo estrutural que é refletido na mobilidade urbana da cidade. “A maioria das pessoas negras e pobres dependem e precisam da bicicleta para se locomover, mas o Estado não dá infraestrutura adequada para que isso aconteça”, explica.
Em contrapartida, avenidas localizadas em bairros mais elitizados, como a Avenida Raul Lopes e Marechal Castelo Branco, possuem ciclofaixas mais bem cuidadas e estruturas. “Não é por acaso que as melhores ciclofaixas estão onde menos há ciclistas. O verdadeiro ciclista daqui de Teresina não é visto pela sociedade e nem pelo governo”, ressalta Luan, que também criou uma página no Instagram “Quem pedala na cidade?” para registrar a condição dos ciclistas em Teresina.
Ainda de acordo com o estudo, Teresina é considerada a capital mais motorizada do Nordeste. Ou seja, há mais veículos motorizados por número de habitantes, o que torna a violência no trânsito maior, principalmente para pessoas idosas. Segundo dados mais recentes do DATASUS, levantados pelo oestadodopiaui.com, de 2015 a 2019, 47 pessoas morreram em acidentes envolvendo bicicletas e a maioria era homens – representando 91% dos casos – com idades entre 60 a 69 anos. “Uma pessoa com mais de 70 anos nem se atreve a pedalar”, acrescenta Luan. “Isso não é mobilidade”, finaliza.
Condição ideal, estrutura desigual
Em termos de estrutura, Teresina seria ideal para todos os tipos de ciclistas. Por conta da sua geologia plana, o especialista em mobilidade pública, Marcos Lira, destaca que comparada a capitais do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, Teresina não teria dificuldades para comportar uma grande população que se locomove sem transportes motorizados – como também patinetes, monociclos, biciclos e triciclos.
Em um exemplo simples, para percorrer pontos extremos da zona Sul e zona Norte da cidade de bicicleta, levaria algo em torno de 30 minutos. No entanto, a temperatura e a educação do trânsito impedem que trajetos como esse sejam percorridos de forma mais tranquila. “Para que isso ocorresse, seria necessário reeducar toda a população, desde quem usa e não usa”, pontua o pesquisador Marcos Lira.
Para Marcos, o alto preço da gasolina aliado aos vários problemas no sistema de transporte público, tornam o momento propício para haver campanhas que invistam na bicicleta como um transporte alternativo. Entre as ações, o especialista cita aquelas que foram adotadas por países com grande população ciclista, como desconto em impostos e no consumo em estabelecimentos privados.
Em relação ao calor, a solução seria o desenvolvimento de vestiários específicos para altas temperaturas – e locais para que pessoas que trabalham o dia inteiro possam tomar banho. Além disso, ações em outros setores também podem melhorar a qualidade dos ciclistas, como melhorar a sinalização do trânsito e a segurança pública, tendo em vista que muitas pessoas não pedalam por medo de assalto.
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