Pouquíssimos estudantes perambulavam pelas ruas e corredores do campus Torquato Neto da Universidade Estadual do Piauí (Uespi) na manhã do dia 18 de abril. O tempo estava nublado, mas fazia calor. A temperatura abafada, talvez, fazia os discentes correrem para suas salas em busca do ar-condicionado. Quase nada mudou na instituição. Os banheiros, com suas portas quebradas, combinavam com os pedaços de bancos de cimento que sobravam nas pracinhas do campus. Com os calouros – que entraram de cara no período remoto e nunca pisaram na instituição – com ar de deslumbramento e perdidos procurando suas salas, davam o ar de um dia típico de volta às aulas
Um carro de som, andando lentamente pela instituição, alertava para o uso de máscaras e o distanciamento social. Do mesmo carro, a voz gravada dizia que a instituição voltava, após dois anos sem aulas presenciais, sem reformas e ainda insalubre. Nas laterais do automóvel, adesivos da Adcesp – Associação dos Docentes da Uespi – se declararam como os responsáveis pelo informe ambulante.
Naquela manhã, havia uma circulação tímida de alunos. Alguns apostavam que a pouca circulação de ônibus na cidade – reflexo da sucessão de greves que perdura desde 2020 – fez com que grande parte do alunado não conseguisse sequer sair de casa.
Chegar à universidade tem se tornado cada vez mais dispendioso. E, para quem chegava, uma ausência incomum logo foi sentida – eles procuravam por uma lanchonete, que costumava ficar ali, na primeira praça de alimentação, próxima à entrada principal. O inconfundível salgado com bacon, cheddar e presunto, que se conseguia comer acompanhado de suco ou refrigerante por míseros cinco reais, não estava mais por lá. Vendido pelo carioca Pedro Barbosa, que saiu da cidade de Resende, sudoeste do Rio de Janeiro, para visitar o pai em Teresina, e nunca mais foi embora, o lanche fez falta naquela primeira semana.
Sem o carioca, o jeito foi recorrer às outras lanchonetes. Na praça de alimentação, quem chegava na expectativa por um cheddar bacon, ou um italiano branco, ficava meio intrigado e esmorecido por encontrar as portas da lanchonete cerradas. Nenhum sinal da placa “Carioca lanches”. Quando Pedro começou a vender salgado, em 2012, o lugar não tinha nome algum. Seu sotaque carregado denunciava sua origem – o apelido “carioca” pegou e logo o ponto estava batizado. Foi uma iniciativa de estudantes do curso de Jornalismo criar e doar uma placa para a lanchonete.
“Cadê o Carioca?”, era a pergunta de quem chegava e também circulava nos grupos de WhastApp das turmas no retorno às aulas. Teve também um professor do CCHL (Centro de Ciências Humanas e Letras) que foi direto para a lanchonete, assim que iniciou-se o intervalo – correu para matar a vontade de um salgado de pizza acompanhado do suco de goiaba com leite. Não o encontrou. Voltou para a sala, consternado, e até liberou os alunos mais cedo. Quem fazia stories pelo Instagram, revelando aos seus seguidores os bastidores das voltas às aulas, tinha os directs lotados com o questionamento.
Enquanto isso, o carioca dormia tranquilo em sua casa, no bairro Mocambinho, zona Norte da capital. Até às seis da manhã havia trabalhado sem parar fazendo corridas por aplicativos, para poder completar a renda familiar. Ao acordar, ele partiria para a nova lanchonete que montou – agora no bairro em que mora. Há quase dois anos, essa tem sido a rotina do carioca mais procurado da Uespi.
A vida não tem sido fácil para o salgadeiro que precisou virar motorista de aplicativo. Quando foi declarada a pandemia da Covid-19, Pedro não imaginou que a universidade passaria quase dois anos fechada. Ele viu sua vida mudar drasticamente por conta do coronavírus. O filho que teve do casamento com uma piauiense precisou sair da escola particular e ser matriculado em uma unidade pública. Os quatro carros na garagem de casa foram vendidos para pagar a rescisão dos quatro funcionários que mantinha com a carteira de trabalho assinada. Pedro ficou só com um automóvel, que usa hoje para fazer corridas por aplicativo. O que sobrou da antiga lanchonete ele vendeu e investiu no novo ponto, agora na zona Norte. Se antes ele vendia, diariamente, mais de 400 salgados, hoje a média não chega a 100.
Apesar da queda nas vendas, a clientela se manteve fiel. Mesmo durante a pandemia, quando souberam do novo estabelecimento do carioca, alunos e ex-alunos de todas as zonas e também da vizinha Timon, bateram ponto no novo local de lanche. Buscando inovar, Pedro tem testado novos sabores, e agora o cardápio conta com uma bomba – tradicional salgado frito de queijo e presunto – no formato quadrado.
Com o retorno das aulas presenciais na universidade – para alívio dos estudantes e do professor do CCHL que voltou cabisbaixo para sala de aula – ele também pretende voltar ao campus do Pirajá. Nesta semana, enquanto seu sumiço perturbava estudantes, Pedro resolvia pormenores para fazer o seu retorno – diferente das instalações da Uespi – triunfal. Talvez demore alguns dias, por conta dos danos que o tempo fechado causou ao lugar. Agradece, emocionado, a torcida e a lembrança dos clientes, e espera que, finalmente, a sua lanchonete volte a ser o ponto de encontro e histórias de quem vive a Uespi.
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