A pequena Maria Cecília, de 3 anos, filha da advogada Liziane Viana, brinca tranquila no terraço da casa dos avós, no bairro Matadouro. Enquanto isso, a mãe hoje despacha e acompanha processos em home-office, aproveitando ainda a rede de apoio dos pais. Talvez algumas pessoas no local não tenham se dado conta, mas as crianças na região, incluindo Maria Cecília, não adoecem com a mesma frequência dos casos de adoecimento infantil registrados há 20 anos. A região e a vida dos moradores hoje atravessam uma mudança, que veio a longo prazo, proporcionada pelo saneamento básico, algo que melhora a qualidade de vida em diversos fatores que vão desde a economia, o meio ambiente, turismo e até mesmo o desempenho na escola, algo que teve uma contribuição até para a formação acadêmica no núcleo familiar daquela casa.
O saneamento básico compreende diversos serviços que envolvem desde o abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos; limpeza urbana, coleta e destinação do lixo; e drenagem e manejo da água das chuvas. Além de serem obras caras, muitas vezes acabam não tendo interesse político para a execução, principalmente, porque muitas delas são subterrâneas, causando transtornos temporários para a população e apresentando resultados visíveis apenas a longo prazo. Ou seja, não é tão interessante a entrega de uma obra que não é vista, como uma extensa tubulação numa rua e em que a pequena Maria Cecília brinca segura sobre ela e talvez nunca saiba que existiu.
O desinteresse por esse tipo de obra levou o Brasil a índices alarmantes. Apesar de, historicamente, as maiores cidades do país terem vivido constantes epidemias decorrentes da falta de cuidados com o saneamento, as ações mais efetivas só foram realizadas no início do século XX e os primeiros levantamentos sobre a situação na década de 70 em um convênio entre o Ministério da Saúde e IBGE.
O tema voltou a ser debatido com mais intensidade na última década, com a aprovação de um novo marco legal do saneamento básico, Lei nº 14.026/2020, e a criação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico com diretrizes gerais e normas de referência para a busca da universalização dos serviços, bem como a meta de que todas as cidades brasileiras deverão oferta água para 99% da população e coleta e tratamento dos esgotos para 90%. Com isso, as políticas públicas para melhoria do saneamento passaram a uma discussão efetivas com a fiscalização e cobranças, ainda mais com as comprovações de melhoria da qualidade de vida à economia de recursos na saúde.
Hoje, o país atravessa uma grande transformação causada pelos investimentos no saneamento, mas ainda está longe do ideal. Em um estudo divulgado em novembro chamado “A vida sem saneamento: para quem falta e onde mora essa população?”, realizado pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a EX ANTE Consultoria Econômica e o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), foi constatado que 8,916 milhões de moradias (12% do total de residências no país) não estavam ligadas à rede geral de abastecimento de água tratada em 2022, afetando 27,270 milhões de pessoas. A maior parte delas (35%) estava localizada nos estados do Nordeste, totalizando 3,117 milhões de residências no ano passado.
A pesquisa apontou ainda que a maior concentração de moradias com essa privação no Nordeste estava na Bahia, em Pernambuco e no Maranhão. Em toda a região, cerca de 17 a cada 100 moradias ainda não estavam ligadas à rede geral de abastecimento de água tratada. Outro dado apresentado pela pesquisa é referente à ausência de banheiros nas residências nordestinas, apontando que 1,332 milhões de moradias não tinham banheiro de uso exclusivo no domicílio. Com cerca 63,1% das moradias sem acesso à banheiros, o Nordeste apresenta a maior precariedade entre todas as regiões, no qual, 841 mil habitações nordestinas sofrem com privação de banheiro. Entre os estados do Nordeste, a maior concentração de moradias com essa privação estava no Maranhão, Bahia e Piauí. Na região Nordeste, cerca de 4 a cada 100 moradias ainda não tinham banheiro de uso exclusivo.
Já com relação aos serviços de coleta de esgoto, a pesquisa apontou que quase 23 milhões de moradias brasileiras (30,8% das residências), como a casa em que Maria Cecília e Liziane passam o dia, não tinham acesso à rede geral. E indicou ainda que que 42,7% dessas localizavam-se no Nordeste, que soma 9,750 milhões de moradias em tais condições. Entre os estados da região, a maior concentração dessa ausência de serviço estava no Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte.
Apesar desse panorama, existe uma expectativa positiva por parte do governo e das concessionárias com a evolução das ações de saneamento em todo o país, com a melhoria frequente nos índices a cada ano e que refletem um aumento da cobertura.
Teresina e as ações tardias de saneamento
Enquanto algumas cidades pelo país já tinham alguma preocupação com as questões de saneamento, Teresina foi na contramão. Ou melhor, quase não saiu do lugar. Por décadas sofria com alagamentos, principalmente nas regiões ribeirinhas e no entorno de lagoas, como as da região norte. A falta de projetos de drenagem deixava a população em alerta no período chuvoso, época em que também se proliferavam as doenças, como lembra a advogada Liziane, que passou a receber ações de saneamento no seu bairro (Matadouro) há pouco mais de uma década e, diferente da filha, encarou os problemas de perto. “Quando a gente chegou aqui, era um conjunto totalmente diferente do que vê hoje. A gente não tinha a passagem do esgoto que hoje é bonitinho, bem feitinho. Não sei se de fato tinha aquela água era potável, porque o saneamento traz isso também pra gente.”, destaca.
Ao relembrar da infância no bairro, Liziane conta que frequentemente as pessoas adoeciam por conta do lixo. Ao ir para escola, ela e outras crianças eram expostas a sujeira em meio a dois lixões no caminho. “Então eu estudava em escola pública e atravessava junto com as minhas irmãs nesse meio de lixo, com restos de comida, animais, fezes. Fora as moscas, pois realmente antigamente aqui tinha muitas moscas. Tinha também uma constante questão daquela, digamos, virose da mosca. A gente ficava com diarreia, enjoada e tudo”, lembra.
As ações de saneamento realizadas no bairro da advogada foram de drenagem, dragagem de lagoas e esgotamento sanitário, bem como o calçamento de ruas, que modificaram a paisagem que antes eram de ruas cheias de lama e sujeira, dando lugar a um espaço mais agradável.
Para se ter uma ideia, em 2009, Teresina amargava índices lamentáveis de saneamento, com apenas 14,78 % da população atendida por coleta de esgoto, índices que tiveram um aumento modesto para 17,87% em 2013.
Evolução: um outro panorama de Teresina
Quem sentiu na pele os problemas causados pelo lixo, hoje aproveita com alívio as mudanças provocadas pelas ações de saneamento, que vão desde a liberdade de lavar louça e beber água com segurança a ter menos dores de cabeça com doenças, além da sujeira. A dona Solange Rodrigues, que mora no bairro São Joaquim, destaca que quando foram concluídas as obras de saneamento na sua rua, em 2013, a realidade mudou. “Melhorou, melhorou muito. Por causa da lama, né? A gente pegava muita micose por causa da lama. No período de chuvoso, a gente pegava micose e um monte de doença. Era muito difícil. Hoje a gente não vê mais isso por aqui. Não vê é muita coisa [doença] que víamos antes. E gastava muito com remédio também”, destaca.
As atuais condições do bairro de dona Solange são vivenciadas por milhares de pessoas na cidade em toda a cidade, com o um aumento considerável nos índices de saneamento básico, principalmente após a concessão dos serviços para a Águas de Teresina, que em 2017 contava com a coleta 19% das residências e, em 2023, já está com 43,4%, de coleta de esgoto com tratamento e destinação final.
Para se ter uma ideia, somente de 2022 para 2023, Teresina avançou 4 posições gerais no ranking de saneamento elaborado pelo instituto trata Brasil, saindo da 84ª posição para a 80ª, sendo ainda uma das capitais com os maiores investimentos per capita, no intervalo de 2017 a 2021. Nesse período, foram investidos cerca de R$ 134,98 por habitante, deixando a cidade como a segunda capital do Nordeste com maior investimento por pessoa, de acordo com os dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS/2021). Atualmente, o valor já está em R$ 146,55 per capita.
Isso representa ainda um grande benefício para o meio ambiente devido ao tratamento de esgoto, tendo em vista que anualmente, cerca de 13 bilhões de litros de esgoto tratados são devolvidos aos mananciais dos rios Poti e Parnaíba. Por dia, em média, são 35 milhões de litros devolvidos corretamente ao meio ambiente, que correspondem a 14 piscinas olímpicas.
Investimento no futuro
O gerente de produção da Águas de Teresina, Alexandre Oliveira, atua há mais de 25 anos na área de saneamento, e destaca que hoje existem milhares de donas Solanges e Lizianes espalhadas por várias zonas da capital que já podem ter tranquilidade no futuro. Segundo ele, a meta da empresa é atender a 59% da população com coleta de esgoto, tratamento e destinação final até 2024. “Se fizermos um comparativo com as capitais do Nordeste, vamos colocar Teresina num cenário nacional muito acima das demais capitais e posso considerar sem nenhuma presunção que será um número histórico”, avalia.
O gestor aponta que, mais do que os números e um título pomposo atestando a competência da empresa, a população é quem vai ganhar. “Depois que o usuário dá a descarga, ele esquece de tudo que tem ali. Vira mágica. Vai sumir o esgoto que a gente vê a céu aberto nas sarjetas e caindo nos rios que temos na cidade, passando agora a ter a destinação correta. Vamos executar essa rede, fazer o transporte, deslocar até as unidades de tratamento, dar o devido tratamento e devolver o material tanto para o rio Parnaíba como para o Poti dentro do que a legislação exige para ser considerado um esgoto tratado”, acrescenta, indicando ainda que só no biênio de 2023 e 2024 serão investidos mais de R$ 300 milhões em obras.
Os resultados já podem ser vistos em diversos cantos da cidade, que começou a receber ações mais intensas no mês de maio e já beneficiaram cerca de 20 mil pessoas com frentes de trabalho nas regiões dos bairros Macaúba, Piçarra, Centro, Real Copagre, Aeroporto, Nova Brasília, Alto Alegre, Poti Velho e Mocambinho. Somados, hoje já são mais de 28km de rede de esgoto implantados. Um dos destaques é o canteiro da a Avenida Maranhão, que terá um interceptor com a função de receber o esgoto de vários pontos da cidade e encaminhar para a Estação Elevatória de Esgoto Pirajá, que também está recebendo reforma, modernizando suas instalações para a nova demanda.
O gerente explica ainda que as obras da ETI Pirajá representam um desafio importante para a empresa, tendo em vista a responsabilidade com o meio ambiente e com a impossibilidade de ampliar o espaço. “A rede Pirajá está já dentro de uma região bem adensada, urbana, então não tem condição da gente ampliar a área disponível. O que está sendo feito? Dentro da mesma área que a gente tem hoje, que trata 150 litros por segundo, numa primeira etapa nós vamos praticamente dobrar, ela vai a 260 litros por segundo e no final do plano ela vai chegar a 750 litros por segundo dentro da mesma área. Como é que isso se torna possível? É alterando toda a tecnologia, todo o tipo de tratamento que vai ser feito para que receba cinco vezes mais esgoto dentro da mesma área. E aumentando, inclusive, a qualidade do efluente final, porque como você muda o tipo de tratamento, você também refina mais o efluente que vai sair no final”, destaca Alexandre Oliveira.
Saneamento e os índices
Considerado um dos parâmetros de desenvolvimento socioeconômico, o esgotamento sanitário causa um grande impacto positivo na saúde pública, na economia e até mesmo na educação de uma cidade. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), um sistema eficiente é capaz de evitar a propagação de mais de 100 doenças, já que o tratamento aplicado no esgoto diminui consideravelmente a quantidade de poluentes e de agentes biológicos, incluindo bactérias, vírus e parasitas, bem como proporcionam um ambiente limpo e melhor de se viver.
O saneamento está incluído em um dos Determinantes Sociais de Saúde, que no século 21 a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu como “as circunstâncias nas quais as pessoas nascem, crescem, trabalham, vivem, e envelhecem, e o amplo conjunto de forças e sistemas que moldam as condições da vida cotidiana. Essas forças e sistemas incluem sistemas e políticas econômicas, agendas de desenvolvimento, normas sociais, políticas sociais e sistemas políticos”.
É um conceito da área de saúde pública que se refere a um conjunto de acontecimentos, fatos, situações e comportamentos da vida econômica; social; ambiental; política; governamental; cultural e subjetiva. Tais conjuntos afetam positiva ou negativamente a saúde de indivíduos; segmentos sociais; coletividades; populações e territórios.
A pesquisadora em saúde pública, Caroline Nunes, explica que pensar qualidade das águas e das redes de esgotos de uma cidade também se relaciona com o conceito de “determinantes sociais da saúde”. Ela explica que, baseado no que a Organização Mundial de Saúde diz, esse conceito se relaciona ao modo como as condições de vida e trabalho dos indivíduos e de grupos da população estão relacionadas com sua situação de saúde. “Ou seja, o ambiente físico em que as pessoas vivem, que envolve o desenho urbano, a infraestrutura, o ambiente construído, habitação, condições atmosféricas e climáticas, qualidade da água, parques, vão acarretar melhores ou piores condições de saúde. Por isso, o trabalho com a melhoria da qualidade das redes de esgoto e de distribuição de água impacta diretamente na qualidade de vida da população, visto que ter água potável na torneira é garantir oportunidades de lazer, de trabalho, de educação, de alimentação, de cuidados pessoais, por exemplo”, destaca.
Saneamento e índices de saúde
As moscas que adoeciam e povoavam a infância de Liziane e tantas outras crianças do bairro Mataduro diminuíram. Hoje, a filha dela, Maria Cecília, pode brincar sem medo de adoecer por conta do lixo. Agora, tanto as moscas como demais vetores foram praticamente eliminados, bem como a poluição e sujeira, consequentemente deixando as pessoas menos doentes. Essa relação fica evidenciada em um relatório do Instituto Trata Brasil, que apresenta dados sobre o impacto do saneamento na melhoria da saúde.
O documento aponta que a evolução geográfica e a instalação de doenças em determinados locais têm uma relação muito próxima com a pobreza e a ausência de ações de saneamento. Isso tem sido reforçado pela ocupação desordenada dos territórios sem infraestrutura, sem fornecimento de água potável de qualidade e rede de esgotos à céu aberto.
O impacto do saneamento pode ser sentido em diversos segmentos, como aponta o relatório ao trazer um comparativo entre os anos de 1998 e 2003, revelando que os indivíduos sem saneamento apresentam uma taxa de perda de atividade na última quinzena de 6,53%, ou 11,5% maior que aqueles com saneamento, estas com 7,28%. Os principais motivos para a parada das atividades era diarreia e vômitos, causas mais diretamente relacionados a ausência de saneamento básico, com uma taxa de 29,71% contra 11,5% das causas gerais de morbidade: 0,51% e 0,39% entre os sem e os com saneamento, respectivamente.
As informações do relatório possibilitam determinar custos socioeconômicos a curto e longo prazo associados à falta de saneamento, que afetam o rendimento profissional e pessoal, com consequências em diversas áreas.
As mudanças no bairro foram vivenciadas por milhares de famílias. O líder comunitário Fábio de Sousa, que é conselheiro do Hospital do Matadouro, foi criado na mesma região onde trabalha e que não tinham ações de saneamento. Ele atesta que a quantidade de atendimentos em saúde diminuiu drasticamente. “Eu mesmo que nasci na Matinha, vivia naquele tempo que não existia saneamento. Existia era fossa, era só uma tampa, uma tampa de uma pedra, que a gente sentava ali. A gente via naquele tempo, tanto que a gente adoecia. Hoje você vê que as pessoas aqui na comunidade adoecem menos com algum tipo de doença relacionada a saneamento. Ninguém vê falar mais em verme assim como era, gente. Ninguém vê mais aqueles meninos com o buchão que a gente via. Hoje em dia ninguém vê mais crianças pegando em lama” explica.
Segundo Fábio, com menos riscos de doenças, as pessoas passaram a ter mais tempo de qualidade, com dedicação a outras atividades, incluindo a educação.
Saneamento e educação
Os dados do Painel Saneamento, do instituto Trata Brasil, indicam ainda uma valorosa contribuição das ações de saneamento para a melhoria dos índices de saúde e com consequências diretas na educação. A partir de dados do IBGE de 2019, foi possível atestar o tempo que um aluno deixa de frequentar a escola devido as ausências por doenças de veiculação hídrica. Segundo o relatório, crianças e adolescentes que moravam em residências com saneamento básico frequentaram as escolas por 9,2 anos. Em contrapartida, quando o aluno vivia em uma região sem acesso aos serviços de saneamento, o tempo de frequência na escola diminuía para 5,34 devido às faltas constantes por doenças de veiculação hídrica, o que interfere diretamente no desenvolvimento do futuro da criança e do jovem no período escolar.
A tímida estudante Alana Rodrigues, de 18 anos, consegue enxergar o impacto hoje do saneamento, de ter água potável, no rendimento na escola. “Eu acho que melhorou muito na escola. Hoje é muito raro ter alguém que falte as aulas. Tem um (colega de classe) que não mora perto e na casa dele não tem saneamento, porque é bem pobre, bem sujo lá, eu acho, e ele falta muito ou por estar doente ou por não ter transporte pra ir pra lá. Acho que é por causa disso”, destaca a jovem.
Alana prestou ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e sonha em ser psicóloga. Ela acredita que teve um bom rendimento graças ao apoio de uma rede conectada de afetos e dedicação pessoal aos estudos, mas também pela qualidade de vida que tem no lugar onde mora, no bairro São Joaquim. Isso porque na área da educação, o saneamento influencia até mesmo na nota do Exame. De acordo com dados do INEP 2019, a nota média de pessoas com banheiro é de 526,06 enquanto a nota média de pessoas sem banheiro é de 472,95, segundo o Painel Saneamento, que indica ainda que a nota na redação do Enem de estudantes com acesso a banheiro é de 588,92 e, por outro lado, a nota da redação de estudantes que não têm banheiro nas residências é de 506,16.
A advogada Liziane Viana também reconhece que ter um ambiente mais salubre contribui para melhoria do rendimento nos estudos, tanto dela como da irmã, que hoje é formada em jornalismo. “A gente entende que o saneamento afeta muito a vida da gente. Até porque se você fica doente, você não tem como estudar, como é que você vai? Outra coisa, quando você fica doente, às vezes a gente não tem condições de ter um tratamento adequado, então eu vejo sim que o saneamento afeta na educação”, finaliza.
Saneamento, economia e turismo
Além da educação, o saneamento tem consequência na melhoria da economia e até do turismo. Isso é o que mostra uma outra pesquisa do Instituto Trata Brasil, ao calcular que a universalização dos serviços de água e esgoto no país pode gerar benefícios líquidos na ordem de R$ 815,7 bilhões até 2040 – prazo imposto pelo Marco Legal do Saneamento Básico.
A economia gerada será pela diminuição na quantidade de internações, aumento na produtividade de trabalho, valorização imobiliária e melhoria do turismo. Segundo a pesquisa, até 2040, os ganhos socioeconômicos com o saneamento em todo o país devem chegar a R$ 1,455 trilhão, sendo R$ 864 bilhões de benefícios diretos (renda gerada pelo investimento e pelas atividades e impostos recolhidos) e R$ 591 bilhões por conta da redução de perdas associadas a fatores externos. Isso sem contar que, segundo a Organização Mundial de Saúde, para cada um dólar gasto em saneamento, você economiza 5 dólares na prevenção de doenças de veiculação hídrica.
Com relação a saúde, o estudo prevê que entre 2021 e 2040, o valor presente da economia total com a melhoria das condições de saúde da população brasileira seja de R$ 25,1 bilhões, o que resultaria num ganho anual de R$ 1,25 bilhão.
O estudo indica que, com base no modelo estatístico de determinantes da produtividade e da remuneração do trabalho, a estimativa é que a universalização do saneamento deve expandir a produtividade do trabalho, com aumento de renda do trabalho esperado para o período de 2021 a 2040 de R$ 438 bilhões, o que resultará num ganho anual de quase R$ 22 bilhões, num ritmo anual de expansão da produtividade 280% superior ao observado no período de 2005 a 2019.
A valorização imobiliária também é algo que é afetado pelas condições de saneamento. A estimativa, de acordo com o estudo, é que o ganho para os proprietários de imóveis que alugam ou que vivem em moradia própria alcance R$ 2,4 bilhões por ano no país, o que totalizará um ganho a valor presente de R$ 48 bilhões entre 2021 e 2040.
Segundo o gerente de produção da Águas de Teresina, Alexandre de Oliveira, é possível sentir essa melhoria na valorização dos imóveis. “Eu tenho exemplos Brasil afora, e aí as diferenças de cultura, que você tinha bairros que por questão de projeto, metade do bairro você executava a rede, a outra metade você não conseguia executar. E você tinha na mesma rua um imóvel 30% mais barato do que o outro, porque um tinha acesso à rede coletora de esgoto e o outro não”, explica.
Outro ponto em destaque é o turismo, que deve ter um ganho elevado no Brasil devido a universalização do saneamento, com previsão de aumento de R$ 4 bilhões por ano. No acumulado do período de 2021 a 2040, o valor presente dos ganhos no turismo atingirá aproximadamente R$ 80 bilhões no país, segundo o relatório. Isso implica em renda maior para os trabalhadores do setor, maiores lucros para as empresas e impostos também maiores para os governos, principalmente para os municípios que recebem impostos sobre os serviços e as atividades de turismo.
Isso inclui ainda, indiretamente, mais opções de lazer para quem mora na cidade, como a pequena Maria Cecília, que hoje já pode desfrutar de espaços públicos mais limpos e seguros em comparação às opções da sua mãe na infância.
O problema da obra
O senhor Félix Ferreira de Andrade tem um comércio na Rua Mário Augusto de Freitas, no bairro Poti Velho, e não está satisfeito com a obra que perfurou sua rua para a colocação de um cano. Segundo ele, o barulho, a poeira e a movimentação atrapalham as pessoas, além de que, para ele, a ação não trará benefícios. “Não vejo sentido nisso. Fui criado aqui sem obra assim e estou aqui hoje”, reclama.
O morador até que tem razão sobre o transtorno da obra, mas não sobre os benefícios, segundo os especialistas. E é para evitar que pessoas, como o senhor Félix, fiquem desinformadas é que está sendo feito um trabalho intenso de conscientização sobre os benefícios do saneamento.
O gerente de produção da Águas de Teresina, Alexandre Oliveira, explica que existem fatores culturais que atrapalham muito a execução do projeto e que a arma para vencer o desafio é o conhecimento. No entanto, foi pensando em um plano de trabalho para executar a obra com o mínimo de transtorno possível.
Ele explica que foram feitas várias reuniões com as comunidades desde 2021 para o início das obras em 2023. A partir disso, foi elaborado um plano de trabalho que ele começa com a visita de agentes socioambientais, que vão de porta em porta informando sobre o início das obras, alertando sobre o transtorno momentâneo, além de fornecerem detalhes sobre a ligação domiciliar na calçada. Em seguida, entram as equipes de trabalho fazendo o buraco na rua. No segundo contato com o morador, um colaborador pede a orientação sobre o melhor lado da calçada para fazer a instalação. “Depois da rede pronta, com tudo isso executado, o asfalto recuperado, a calçada recuperada, vem o terceiro colaborador que vai bater e aí a gente faz a comunicação da necessidade da instalação intradomiciliar. Esse é um ponto importante que depois é um capítulo a parte. Que aí o cliente precisa fazer a conexão do esgoto que sai da casa dele nessa ligação que foi deixada para que a gente passe a fazer o tratamento correto”, detalha.
Para o gerente, apesar da insatisfação do senhor Félix, a receptividade das pessoas com a obra tem surpreendido as equipes. “Eu confesso que a receptividade está sendo melhor do que a gente esperava. Acho que boa parte da população tem conscientização ambiental e está sensível ao benefício que vai ser feito. Só que essa execução da intradomiciliar é um caso a parte até que a gente precisa da ajuda do pessoal que informa, que gera informação. Porque é o tanto estratégico que a gente está fazendo investimento, vamos gastar mais de 300 milhões de reais e se não houver essa conexão, os nossos sistemas vão ficar ociosos. Eles não vão receber o volume de material que a gente está se preparando para tratar”, explica.
Um outro problema que está sendo discutido é a questão financeira das pessoas que farão a conexão, tendo em vista que é um custo obrigatório de cada morador para receber a coleta do esgoto. “E aí muitas das vezes entra a questão financeira, entra a questão de que aquele piso lá de casa que foi meu pai que fez, eu não vou quebrar, que não sei o que, e aí a gente vai ter que novamente fazer um trabalho educativo e uma ação de mobilização talvez um pouco maior para que esse esgoto deixe de fato de correr na sarjeta e que venha para o nosso sistema já instalado pronto para receber esse esgoto”, detalha Oliveira, lembrando que existe uma legislação federal que indica que a partir do momento que a rede foi executada com a ligação intradomiciliar, automaticamente já se pode cobrar a água e o esgoto. “Então se ele não liga, por pirraça de fato, ele já vai estar pagando pelo serviço”, acrescenta.
O longo prazo mais perto
As obras executadas hoje pela Águas de Teresina, apesar do impacto momentâneo como o relatado pelo senhor Félix, vão gerar benefícios após cerca de seis meses a 1 ano, segundo a estimativa da concessionária.
Mais do que o prazo e os benefícios, o teresinense vai poder ver uma melhoria significativa é no que mais abraça a cidade, que são os rios Poti e Parnaíba. Alexandre lembra que no Rio de Janeiro, as praias do Flamengo e Botafogo não eram balneáveis e, com dois anos de projeto, elas já estão prontas para receber banhistas. “Aqui, então, eu não me atrevo a falar em números e eu estou ansioso para assistir alguém nadar no Rio Poti. Entendeu? Isso que não demora”, finaliza.
Pela expectativa positiva e pelos índices positivos até agora, a pequena Maria Cecília talvez nunca mais veja os aguapés que indicam a poluição e formam um cenário de verde intenso no rio Poti. Ou seja, veja uma cidade mais limpa e mais saudável.
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