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Sem condições

835 mil piauienses estão inadimplentes; desemprego e inflação são os principais vilões dos endividados

12 de outubro de 2022
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Edição Luana Sena

Todos os dias, às sete horas, Rosângela* está de pé para cuidar do pai, que tem 90 anos. Ela se dedica integralmente aos cuidados do idoso e da casa, onde também vivem sua filha e o marido. As ocupações domésticas impossibilitam-na de trabalhar. Na sua casa, atualmente, somente o marido trabalha formalmente. Com a diminuição da renda e o aumento das despesas, as contas se acumularam.

Há cerca de dois anos, Rosângela* não consegue manter as contas em dia. Outros fatores que contribuíram para isso, além do desemprego, foi a inflação. “Teve um aumento de preço em praticamente tudo”, disse à reportagem. Para lidar com as contas antigas e evitar novas dívidas, ela corta muitas despesas e gasta com o estritamente essencial. “Sair para comer fora e lazer, de forma geral, é um tipo de gasto que frequentemente são evitados aqui”, comenta.

Rosângela é parte da população endividada do Piauí. Dados divulgados pelo Serasa Experian no início deste mês informam que o estado possui 835 mil inadimplentes. Ainda assim, o Piauí é o 6º estado com menos endividados no país e o segundo com menos inadimplentes do Nordeste.

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O endividamento dos piauienses funciona em um círculo e reflete a realidade do estado, onde 47% das atividades econômicas se concentram no comércio, seguridade social e administração pública – segundo dados da Seplan de 2017. Ou seja, se o comércio sofre queda, os recursos do estado diminuem, os piauienses enfrentam a escassez de vagas de trabalho e sentem os efeitos no bolso. Consequentemente, gastam menos – ou se endividam mais.

Em meio ao endividamento, a pessoa inadimplente refaz sua rota de despesas, não apenas para pagar as dívidas em atraso, mas para sobreviver – afinal, as contas básicas continuam chegando todos os meses. Contudo, além de serem afetadas pelo endividamento, as pessoas também são atravessadas pelas utilities (serviços de utilidade pública): de acordo com o último levantamento do Serasa, 13% das dívidas dos piauienses são por contas de gás, água e luz, por exemplo. Inadimplência com bancos e cartões representa 28% das dívidas.

A casa – e todas as despesas que  um imóvel demanda – continua exigindo recursos para manutenção, enquanto as contas pendentes se acumulam. É o que destaca Geysa Sá, economista na capital do Piauí. “O custo aumentou consideravelmente naquilo que é o mínimo necessário para sobreviver, no que as famílias não podem deixar de ter”, afirma. É o caso de Rosângela*: “As demandas do meu dia a dia fazem com que coisas básicas, como água e energia elétrica, tenham um custo relativamente alto”, disse ao oestadodopiaui.com. “Mas, devido às frequentes altas  nos  preços dos alimentos, a maior despesa hoje é com alimentação”, completou.

Geysa Sá destaca como causas mais comuns do endividamento o desemprego ou a renda insuficiente. “A renda não cresce na mesma proporção que os custos e muitas pessoas sequer têm renda”, afirmou. Além disso, a inflação se apresenta como uma grande vilã dos endividados na luta contra a inadimplência, segundo a economista. “As famílias com contas atrasadas acabam se endividando ainda mais, pois além das dívidas antigas, terão que pagar mais caro para sobreviver”, explica.

Em 2019, 49,8% das famílias piauienses possuíam contas em atraso, segundo a Pesquisa sobre Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). O índice foi menor que o nacional no mesmo período: 65,5% das famílias brasileiras tinham dívidas em atraso. No cenário nacional atual, o índice de inadimplência é ainda mais preocupante. Segundo a CNC, 79% dos lares brasileiros possuem dívidas a vencer, ou seja: a cada 10 famílias, em média oito estão endividadas. 

Na tentativa de driblar as dívidas, é comum que as pessoas busquem soluções precipitadas, ineficientes e arriscadas. A economista explica que muitos endividados acabam recorrendo aos empréstimos e créditos consignados como solução. Aline Maciel, gerente do Serasa Limpa Nome, explica que os endividados também buscam parcelamento das contas atrasadas, o que gera um efeito “bola de neve” e agrava a situação de inadimplência.

Uma das medidas básicas e mais importantes a serem adotadas quando se tem dívidas é realizar um planejamento e elencar prioridades, segundo Geysa Sá. “Mas infelizmente nem todo mundo tem educação financeira para lidar com as dívidas”, comenta a especialista. “Quando uma pessoa se endivida, ela tende a deixar algumas dívidas para a frente e tudo isso vai impactar gravemente suas finanças”.

 

*Nome alterado a pedido da entrevistada.

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