Na zona rural de Teresina, uma menina de 10 anos engravidou após ser vítima de estupro. Isso aconteceu no ano passado e, um ano depois, a criança foi vítima de violência sexual mais uma vez. Na primeira ocasião, ela teve o pedido de aborto negado pelos próprios pais – mesmo sabendo da gestação de risco com a pouca idade. Como um filme de terror em looping, a situação agora se repete.
O caso veio à tona quando o pai da menina acionou o Conselho Tutelar na última semana. Não para denunciar o agressor, mas para que a menina pudesse ser levada. O responsável alegava que a criança tinha mau comportamento. O episódio chamou a atenção dos conselheiros, e a menina foi levada para fazer exames, entre eles, o Beta HCG, que identificou a gestação de 10 semanas e um dia.
Desde que o primeiro filho nasceu, a menina parou de frequentar a escola. A criança e seu bebê, fruto do primeiro abuso, foram retirados do abrigo do Conselho Tutelar, onde estavam há um mês, e retornaram à casa do pai, em Teresina. O pai tem a guarda de ambos. A mãe da menina, divorciada do pai, vive em outra casa.
Em entrevista ao G1 Piauí, o pai afirma que a família não pretende solicitar o aborto legal desta segunda gestação. A conselheira tutelar, Renata Bezerra, que está acompanhando o caso, aconselhou a família para a interrupção da gravidez. “A menina tem vontade de realizar o aborto, a mãe não autoriza, alega que é crime”, comenta Renata. Segundo a lei brasileira, são permitidas a interrupção em dois casos: quando a gestação traz risco à vida da mãe ou quando a gravidez é decorrente de um estupro.
Dados da Secretaria de Estado da Saúde (Sesapi) mostram que, no Piauí, 1.697 meninas de até 14 anos deram à luz nos últimos quatro anos. Os maiores casos de complicações na gravidez são na adolescência. O Ministério da Saúde aponta que, a cada mês, pelo menos uma criança de 10 a 14 anos morre em decorrência de complicações da gestação.
O cenário é ainda pior quando se observa o estado. No Piauí, cerca de 79% dos crimes de violência sexual acontece contra meninas, segundo estudo do Observatório Mulher Teresina. Em Teresina, os dados também não são animadores: somente de janeiro a abril de 2022, o 4° Conselho Tutelar, na zona Leste da capital, registrou 181 denúncias de abusos contra crianças e adolescentes. A principal faixa etária é entre 0 e 7 anos e os principais abusadores, no geral, são pais, avós, padrastos, familiares e vizinhos.
No Piauí, por lei, vítimas de violência sexual podem ser atendidas pelos profissionais da área de segurança pública e rede de atendimento do SUS, acionando assim as competências do Ministério da Justiça e do Ministério da Saúde. Menores de idade são encaminhados para a rede de proteção, como o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) ou Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).
No mês de maio, as entidades realizam eventos de combate ao abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes. Porém, o próprio presidente do Conselho Nacional dos Direitos de Crianças e Adolescentes (Conanda), Diego Alves, afirmou que, neste ano, o governo federal deixou de implementar o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, aprovado pelo Conanda em 2000.
O presidente citou ainda o levantamento feito pelo Unicef e pelo Ipea, segundo o qual o Brasil, entre 2016 e 2019, destinou em média apenas 3,2% dos recursos públicos federais a crianças e adolescentes. “Isso está muito longe de assegurar o que a Constituição preconiza: a criança como prioridade absoluta”, lamentou. Ele reforçou também que focar os esforços em apenas um mês do ano não tira milhares de crianças e adolescentes da mira de abusos cometidos cotidianamente.
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