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Uma casa nada engraçada

No Piauí, mais de 153 mil moradias estão dentro do panorama de déficit habitacional

07 de fevereiro de 2022

Edição Luana Sena

A casa que Keila Nascimento divide com os dois filhos e o companheiro não é muito diferente das 26 famílias da Vila da Conquista, no bairro Parque das Esplanadas, zona Sul de Teresina. Construções não terminadas e a vulnerabilidade habitacional dão cara ao cenário do local. As poucas casas de alvenaria contrastam entre as muitas casas de taipa e barro. “Famílias inteiras dividem o mesmo cômodo e o mesmo banheiro, na minha casa também é assim”, destaca Keila. 

A realidade dos moradores da Vila da Conquista se soma às mais de 153 mil moradias dentro do panorama do déficit habitacional no Piauí, segundo estudo encomendado pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC). Além do termo ser utilizado para se referir a pessoas que não tem uma casa, ele também serve para medir o número de famílias que vivem em condições de moradia precária em uma região – seja um bairro, uma cidade, estado ou um país.

Moradias com estruturas não duráveis, improvisadas, que estão em risco ou possuem um número considerável de pessoas vivendo em um pequeno espaço, são consideradas moradias inadequadas. No entanto, essa característica está associada à moradia em si, mas não à qualidade de vida dos moradores. Ou seja, casas que não possuem esgoto, luz, água encanada, ou carecem de serviços básicos, não participam do cálculo do déficit habitacional.

Para tanto, a soma para calcular um déficit habitacional é sustentada em quatro componentes: o primeiro está relacionado à precariedade do domicílio e como as habitações são improvisadas, como em carros, barcos ou barracos. Casas que são construídas sem parede de alvenaria ou madeira, resultam em insalubridade e proliferação de doenças. 

Além disso, também diz respeito à coabitação familiar: duas ou mais famílias no mesmo ambiente, dividindo sua liberdade e privacidade. O terceiro componente do déficit habitacional é o ônus excessivo do custo do aluguel urbano para famílias que possuem renda de até três salários mínimos e que gastam, no mínimo, 30% de sua renda com aluguel do imóvel onde vivem.

Por último, a quantidade – ou adensamento – excessivo de moradores por dormitório em imóveis alugados. Neste ponto, são considerados os domicílios alugados que possuem mais de três moradores por dormitório.

A última pesquisa sobre déficit habitacional no Brasil foi realizada em 2019 e tem como base a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua/IBGE). Através desse cálculo é possível mensurar quantas pessoas ainda vivem em situação de déficit de habitação e consequentemente, a elaboração de políticas públicas que tenham como objetivo diminuir este déficit por meio da construção de moradias. 

A pesquisa encomendada pela ABRAINC estimou que houvesse a criação de pelo menos 143 mil novas unidades de moradia para sanar as necessidades dos piauienses no período de 2020 a 2030. “As estimativas de demanda habitacional até 2030 deixam claras a necessidade de encontrar soluções para o crescimento adequado do estoque de habitações, mais uma vez com destaque para as famílias com renda de até três salários mínimos”, reforça a pesquisa.

Em escala nacional, a projeção não é diferente. Assim como no Piauí, os indicadores apontam domicílios precários, coabitação alta e domicílios com elevado custo de aluguel. Apesar de nos anos anteriores (2017 e 2018) a taxa ter chegado a cair, em 2019 foi presenciado aumento. 

Em 2019, o Brasil registrava 5,8 milhões de moradias em situação deficitária. Ao todo, o número chegava a representar quase 8% das casas brasileiras. Altos valores em aluguel urbano representavam mais da metade do déficit, contabilizando mais de 3,3 milhões de moradias. 

Os estados com maiores déficits habitacionais se concentram nas Regiões Norte e Nordeste: Amapá (17,8%), Roraima (15,2%), Maranhão (15,25%), Amazonas (14,82%) e Pará (13,55%). As motivações estão comumente relacionadas aos salários das famílias – quanto menor a arrecadação, mais insalubre a moradia. Enquanto muitas famílias não têm condições de ampliarem suas moradias, outras possuem mais de 30% dos seus salários consumidos para pagar aluguel.

A discussão sobre déficit habitacional não é de hoje. Apesar de ser um assunto que marca presença nos planos de governos, as repercussões nas atuais propostas públicas ainda não aconteceram. Para a arquiteta Denise Morado, o problema ainda é encarado como algo a ser superado pela provisão em massa de unidades habitacionais genéricas.

A nível federal, a política habitacional segue, ao longo dos anos, sem originalidade. Isso porque, até projetos como o plano “Minha casa, Minha Vida” fazem parte de um programa existente há mais de 40 anos através do Sistema Financeiro de Habitação. “Um plano sem metas, sem etapas e sem aplicação quantitativa e qualitativa por regiões”, destaca Denise. “Traz  até  uma  ‘inovação’  em  planejamento:  não  tem  prazo”

Para que a questão habitacional seja encarada para além dos número, é necessário que seja abordada por duas frentes: a aplicação do Estatuto da Cidade, no  que  se  refere  à  função  social  da  propriedade  e  à  regularização  fundiária  e  imobiliária;  e o aprendizado do setor privado, que ainda considera casa como um produto de luxo, sobre  a  produção  da  habitação  para pessoas de baixa renda. “Parece  ser  inegável  o  reconhecimento  de  que  os  erros seculares em relação ao modo de se abordar o  déficit  habitacional  no  país  continuam  a  ser  cometidos,  desvinculados  que  são  de  questões  como urbanização, acesso à terra, gestão urbana e direito à cidade”, finaliza Denise. 


Depois que o céu fecha

Quando as nuvens começam a fechar no céu de Teresina, a zona Norte da cidade se preocupa. É que lá as chuvas sempre trazem uma preocupação para os moradores: “Será que minha casa aguenta mais uma chuva, meu Deus?”, se pergunta Zilma Silva, que vive no bairro Mafrense. No terceiro dia de 2022, mais de 200 famílias ficaram desabrigadas por conta das fortes chuvas. 

De acordo com a Defesa Civil Municipal, cerca de 400 famílias foram atingidas pelos alagamentos causados pela chuva que caiu mais forte do que o esperado pelo  Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). O gerente de operações da Defesa Civil, Marcus Rolf, conta que mesmo com as casas destruídas, as famílias resistem em sair. “Para elas, mesmo com poucos móveis e moradias humildes, são seus únicos bens”, relata o gerente.

Os bairros Mafrense, São Joaquim e Olarias foram os mais afetados. Próximo dos rios Parnaíba e Poty, as lagoas e a região alagadiça fazem a água subir rapidamente. Sem ser de alvenaria, as casas são totalmente devastadas e as famílias precisam ser realocadas. 

No local, duas problemáticas disparam: a falta de drenagem eficiente para poder impedir a chegada da água às casas e a política habitacional do município. “Uma pessoa não mora na beira da lagoa porque ela quer, mas porque o mercado imobiliário da cidade empurra ela para lá”, destaca o arquiteto popular, Luan Rusvell, ao pontuar que os altos aluguéis e falta de condições das famílias provocam que essas populações recuem para zonas extremas da cidade. 

As soluções oferecidas pela Prefeitura de Teresina e o Governo do Estado para resolver os problemas causados pelas chuvas são tratadas apenas quando a água já causou a destruição: um auxílio entre R$300 a R$500 reais e as salas das escolas municipais para que as famílias se abriguem. Se muitas famílias não estão em moradias seguras e locais fora de risco, isso também reflete na situação de pobreza, e consequentemente, na vulnerabilidade habitacional. “É preciso que se pense em políticas públicas de habitação, mas, principalmente, no local”, frisa o arquiteto. “As pessoas estarem em locais não habitáveis também é falta de assistência do governo”.

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Categorias: Especial

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