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Uma mulher na cadeira

Em 2022, Piauí registra o maior número de mulheres candidatas em eleições gerais, mas ocupação dos cargos ainda é minoritária

29 de setembro de 2022

Edição Luana Sena

*Esta reportagem integra a série “Francisca Trindade”, ♀ sobre a representatividade de gênero na política. Participaram Vitória Pilar (reportagem), Luana Sena (edição) e Aline Santiago (infografia).

 

Na zona rural de Monsenhor Gil, ao sul do Piauí, os quatro filhos do casal Manoel e Maria Francisca acordavam muito cedo para arrancar a palha na colheita de arroz. O pai tinha a mania de enganar as crianças: prometia que quem terminasse primeiro seria liberado. Não era bem assim. Quando um filho terminava, tinha que ajudar outro irmão. Elisangela Moura entendeu depois que a enganação do pai era para não desestimulá-los do trabalho no campo. 

Foram nos dias marcados de sol, roça e suor que Elisângela se entendeu como uma pessoa do campo. Mais que isso: nas divisões de trabalho, entre segurar a enxada ou dedicar-se aos afazeres domésticos, entendeu que era uma mulher do campo. “Os papéis de gênero se revelavam quando as meninas tinham que fazer comida ou lavar roupa enquanto os homens colhiam feijão”, relembra. A percepção sobre si enquanto sujeito no mundo foi crucial para entender seu papel na vida pública. Foi por isso que, aos 16 anos, se filiou ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB). 

As preocupações de representatividade feminina apertaram as decisões partidárias em 2018 – ano em que concorreu a deputada estadual. Na época, mesmo com a lei de incentivo a candidaturas femininas, a estimativa era que apenas três em cada 10 candidatos a algum cargo eram mulheres – apontava o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A proporção (30,7%) não havia sido atingida desde as últimas eleições presidenciais e continua abaixo da média da população brasileira. No país, a cada 10 pessoas, 5 são do sexo feminino.

 

 

“Naquela eleição, as coligações encontraram desafios para entender que era a vez de uma mulher, do campo e das periferias do país, ter um lugar na política”, pontua Elisangela. O partido decidiu que seu nome entraria na disputa por uma cadeira na Assembleia Legislativa do Piauí. O saldo de votação revelou que 20.977 piauienses apostaram em Elisangela para o cargo. Ela alcançou a 6º suplência, mas um ano depois surgiu a oportunidade de ocupar a vaga. Era a primeira vez que uma mulher do campo chegava à Alepi. 

Aos 42 anos, Elisangela tenta desta vez a reeleição. Sua passagem de três anos na Alepi foi acompanhada pela presença do campo nas discussões e defesa da participação ampla das agricultoras do estado. O que não tem sido tarefa fácil. Agora, na Alepi, das 31 cadeiras, somente três são ocupadas por mulheres. São elas: Teresa Britto (PV), Lucy Soares (PP) e Janainna Marques (PT).  

O número é ainda mais escasso se observado numa linha do tempo. Desde 1947 – primeiro período com maior semelhança ao atual modelo parlamentar da Assembleia Legislativa Estadual – até 2021, o número de mulheres ocupantes das vagas de deputadas estaduais nunca ultrapassou 5%. Em 70 anos, dos quase 639 deputados eleitos para representar a sociedade piauiense, apenas 32 eram mulheres.

 

Por dentro das vagas

Os dados levantados pelo estadodopiaui.com em cada site da esfera do legislativo revelam as poucas representações femininas. Eliane Nogueira, mãe de Ciro Nogueira, tomou posse quando o mesmo se tornou ministro do governo Bolsonaro, em 2021. Ela representa hoje a única mulher no Senado. Entre os deputados federais do Piauí, mulheres também são minoria. Dos 10, apenas quatro são do gênero feminino. Dra. Marina (Republicanos), Iracema Portella (PP), Margarete Coelho (PP) e Rejane Dias (PT). 

 

 

Neste ano, por exemplo, as mulheres alcançaram o maior número de candidaturas no estado. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, nas últimas três décadas o aumento é de quase 1.600%. Nas eleições de 1994, apenas nove mulheres registraram candidaturas. 

Somente a partir de 2010 as candidaturas femininas começaram a ficar expressivas durante as eleições. Um dos fatos se deve ao incentivo e alterações na legislação para que mais mulheres pudessem concorrer. Aprovada pelo Congresso Nacional em 2009, a lei de participação feminina assegura que a cada pleito haja o mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada gênero. 

O aumento não é somente no Piauí. Nos outros estados e na média brasileira, as mulheres têm colocado seu nome na disputa e ido às ruas. Desde os anos 2000, nunca houve tantas candidaturas femininas. Atualmente, são 33,81% dos registros, totalizando quase 9,239. O número ainda não é proporcional, tampouco ideal, embora já seja um avanço, apontam especialistas. 

 

Inegavelmente, um dos obstáculos para garantir maior participação feminina na política são as “candidatas laranjas”. É quando um partido, para cumprir a cota partidária feminina, lança nomes que não irão “disputar” de fato na corrida eleitoral. Na prática, elas não concorrem à eleição. A estratégia foi alertada pelo ministro Alexandre de Moraes, presidente do TSE, que ameaçou a anulação das chapas que recorrerem às candidaturas laranjas. A medida dura é para evitar que ocorram registros irregulares, mas, principalmente, não permitir que partidos tradicionalmente masculinos passem impunes, sem representatividade. 

“Em 2022, afinal, qual é o lugar da mulher no Brasil?”. Com essa pergunta, Samira Bueno, socióloga e diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lançou o questionamento para pensar mulheres nas eleições. Para ela, não basta governar para mulheres – é preciso governar com mulheres. Ela observa que, nestas eleições, as mulheres são capazes de decidir o rumo do resultado. Porém, de nada adianta caso o eleitorado não reflita sobre o papel delas nos cargos. “O mundo mudou e parece que uma parcela significativa do universo masculino e da política brasileira não notou”, comenta. “Sem mulheres nos espaços decisórios não há como alterar essa rotina de profunda violência e desigualdade”, finaliza a socióloga. 

 

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