2020 parecia um ano como outro qualquer, até a Organização Mundial de Saúde decretar a pandemia do novo coronavírus ao redor do mundo. Como um efeito dominó, os impactos econômicos potencializaram ainda mais as desigualdades sociais. Em 2021, ainda com um cenário incerto, as flexibilizações e a retomada de um convívio permitiram que algumas pessoas assumissem o compromisso de redefinir a realidade – não só a sua, mas também de quem os cerca.
A fome e o acesso precário à alimentação são realidades apresentadas pelas estatísticas da pandemia da Covid-19. Um relatório da Oxfam, divulgado em setembro deste ano, mostra que a fome no Brasil e no mundo pode matar 11 pessoas a cada minuto caso nada seja feito. O Brasil está entre os focos emergentes de fome, ao lado da Índia e da África do Sul.
Segundo dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, no Brasil, há quase 20 milhões de pessoas passando fome, e a extrema pobreza quase triplicou, passando de 4,5% da população para 12,8%. Além disso, metade da população está em situação de níveis leves, moderados e graves de Insegurança Alimentar. O estado grave aumentou 19% nos domicílios formados por moradores que haviam perdido o emprego ou adquirido algum endividamento em razão da pandemia.
No Piauí, os dados de insegurança alimentar são alarmantes. Segundo suplemento de Segurança Alimentar da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), divulgados no ano passado, o percentual de domicílios que sofrem com a insegurança alimentar no estado é de 46% – número maior que a média nacional (36,7%). Desse modo, o Piauí é o 12° estado com a maior proporção do país.
Os lares piauienses que enfrentam este problema são divididos em três grupos: os de insegurança alimentar leve (28,9%) que corresponde a 986 mil pessoas; moderada (11%), correspondente a 386 mil pessoas; e grave (6,1%), que são 193 mil pessoas em todo o estado.
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O olhar aos vulneráveis
Fome, desemprego, mortes – a pandemia trouxe o combo crises econômicas, sociais, além da de saúde. Mas, despertou em muita gente um sentimento que vinha perdendo espaço no Brasil: a solidariedade. De acordo com a Stilingue, única plataforma de inteligência artificial para monitoramento e interação de rede social, entre 1º de abril e 23 de novembro de 2020, cerca de 1.9 milhões de postagens nas redes sociais foram sobre doações.
Indivíduos autônomos, grupos, entidades e empresas estão realizando ações para intensificar os cuidados das pessoas socialmente vulneráveis. Isso tem garantido um pouco de dignidade para que milhares de pessoas consigam sair dessa condição imposta pelo Covid-19 e tenham suas vidas preservadas.
Foi assim que surgiu a rede Sim Solidária, em maio de 2020. Partiu de uma tentativa de articular e unir pessoas que já realizavam ações individuais e fortalecer laços para ajudar grupos em vulnerabilidade social. Tatiane Seixas, presidente da União Brasileira de Mulheres no Estado do Piauí e parceira da Rede Solidária Sim, explica que a falta de acesso a itens básicos de higiene, o desemprego, a falta de auxílio do governo, mobilizaram algumas pessoas individualmente e algumas entidades a organizarem a rede Sim.
“Realizamos lives para arrecadação de alimentos no início da pandemia, entrega de quentinhas e kits higiênicos para quem vive na rua e a UBM já vem se articulando para organizar o 5º ano do ‘Natal na comunidade’, quando entregamos material escolar para crianças e adolescentes da rede pública na região da Taboca do pau ferrado”, conta.
Para Tatiane, a solidariedade é um sentimento que move, fazendo com que muita gente saia de zona de conforto e passe a olhar para os vulneráveis, refletindo que existem pessoas que são dignas de viverem em uma situação melhor do que as que lhe são impostas. “Ser solidário é olhar para o outro e dar o mesmo que eu gostaria de receber”, explica. “Você não se preocupa só em dar algo, você se preocupa com quem recebe e em como recebe”.
Servir com amor
O fim de ano é um ótimo momento para ativar nas pessoas a solidariedade. Sobretudo em um ano marcado pelas consequências da pandemia da Covid-19. Por isso, outra ação que vem dando certo – e que surgiu com o intuito de proporcionar um momento de solidariedade e comunhão entre os colaboradores de uma empresa – é a ação “Servindo com amor”, realizada pelo grupo Servfaz.
Desde do início da pandemia, ainda em 2020, a empresa vem realizando, sempre no fim do ano,a campanha – o objetivo é ajudar pessoas em situação de rua realizando entrega de roupas e alimentos. Os colaboradores podem participar da ação voluntariando-se para a produção ou distribuição de quentinhas de alimentos.
Patrick Wessley, colaborador da empresa, participa da ação social há dois anos e diz que essa é uma das iniciativas que mais lhe faz refletir sobre seu cuidado e empatia com o próximo. “Não sabemos a realidade do outro”, comenta. “Quando eu ajudo a melhorar um pouquinho a realidade de quem não possui nada, isso faz eu refletir e agradecer pelo pouco que tenho”, refletiu.
Patrick acredita que ações como essa trazem um novo fôlego ao tema da responsabilidade social corporativa e inspiram uma corrente do bem. “Esse trabalho requer toda uma preparação e envolve muitos colobarodes”, explica.
Ainda que os impactos desastrosos da Covid-19 sejam sentidos pelos próximos anos, a explosão dessa rede de solidariedade anuncia perspectivas positivas para a organização popular. “Essa ação da Servfaz me fez enxergar que, se todo mundo fizer um pouco, podemos acolher minimamente quem não tem nada”, acredita. “E, para quem não tem nada, essas ações podem ser tudo”.
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