domingo, 24 de novembro de 2024

Violência como estratégia

Atentados e assassinatos revelam como a intolerência política permeia a corrida eleitoral em 2022

12 de julho de 2022

Era uma noite comum de sábado, em Foz do Iguaçu, oeste do Paraná. 9 de julho, data em que Marcelo Aloizio de Arruda completava meio século de vida. Em um clube da Associação Esportiva Saúde Física Itaipu, amigos e familiares comemoravam a vida do amigo desde o cair da noite. Ninguém imaginava, no entanto, que a festa terminaria com a morte do anfitrião. Próximo a meia noite, o aniversariante, que era tesoureiro do PT, estava no chão – ele foi morto a tiros por um apoiador de Bolsonaro.

O episódio acendeu alertas para o risco de uma disputa eleitoral violenta em 2022. Poucos dias antes, uma ação de pré-campanha de Lula foi alvo de ataques com bombas caseiras na Cinelândia. Ninguém se feriu e um suspeito foi detido pela Polícia Militar.

Marcelo era tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu e festa de aniversário foi temática (Foto: arquivo pessoal)

Apesar de distantes geograficamente, os dois atentados tem motivações parecidas: a intolerância política, alimentada por declarações do presidente Jair Bolsonaro em seu governo. Ainda em campanha eleitoral, em 2018, faltando um mês para o primeiro turno, Bolsonaro foi vítima de um atentado a faca em Juiz de Fora. Ser, ele próprio alvo de violência de opositores políticos não reduziu o discurso de ódio nem contenção em insuflar atitudes violentas como “fuzilar a petralhada” e gestos de “arminha” com a mão.

Para o cientista político André Gonçalves, um breve histórico dos últimos anos revela muitas mortes políticas, mesmo que não diretamente ligadas à política partidária – dos assassinatos de Marielle Franco, de Mestre Moa do Katendê, de Bruno Pereira e Dom Philips, de Genivaldo, em Sergipe, agora Marcelo Arruda, além da forma como foi tratada a pandemia, com 700 mil mortes. “Faz algum tempo que não se pode afirmar com convicção que há segurança, nem segurança física nem segurança, digamos, institucional”, diz em entrevista. 

Nos períodos eleitorais pós-redemocratização, observa André, a violência era mais visível em episódios ligados às disputas locais – municípios e acirramento por questões regionais trazendo tensionamentos que podiam gerar violência. “Mas agora há dados – e sentimos no dia a dia – revelando que a violência relacionada à política aumentou de 2020 para cá”, aponta. 

Retórica da violência

A eliminação do inimigo político como slogan de campanha foi um marco na campanha eleitoral de Bolsonaro em 2018. De lá para cá, os episódios violentos demonstram que o contexto de tensão e violência política marcam o desfecho de uma política que acredita na violência como resolução de conflito – ações do próprio governo criaram na sociedade uma facilidade prática para isso, como, por exemplo, o acesso da população a armas de fogo.

Os dados do Anuário de Segurança Pública divulgados em junho deste ano revelaram um crescimento de 474% de pessoas com certificado de registro de armas de fogo durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Para se ter uma ideia, em 2018, antes de Bolsonaro assumir, o número de pessoas com registros CAC era de 117,5 mil. Ou seja, 56 brasileiros a cada 100 mil possuíam licença para armas – agora, há 673,8 mil registros. A cada 100 mil pessoas, 314 têm autorização.

“O bolsonarismo, que em qualquer lugar do mundo é posicionado no espectro político como extrema-direita, estimula o confronto e emite discursos de agressividade ao mesmo tempo em que ocupa os mais altos cargos do poder político, militarizando o executivo e detendo o monopólio do uso da violência institucional e os aparatos de controle social”, explica André Gonçalves, que também é associado da ABRAPEL – Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais.

Apesar da recente tentativa do presidente de se desvincular do assassinato ao petista Marcelo – Bolsonaro disse a jornalistas não ter “nada a ver” com o episódio – o discurso agressivo que realiza a pantomima da virilidade extrema e usa um imaginário ancorado na estética da belicosidade, para André Gonçalves, tende a inflar esse sentimento. “Qualquer campo político que estimule violência, real ou simbólica, e não faça esforços para que admiradores e seguidores baixem o tom, tem responsabilidade no uso da violência por seus seguidores”, aponta o cientista.

Mestre Moa do Katende foi assassinado ainda no primeiro turno das eleições 2018 (Foto: Reprodução)

Nas redes sociais, o assassinato do tesoureiro do PT repercutiu como prenúncio do que pode vir a ser uma disputa eleitoral marcada pela intolerância e a violência política. “Duas famílias perderam seus pais. Filhos ficaram órfãos, inclusive os do agressor”, disse Lula em post no Instagram sobre a morte de Marcelo. Precisamos de democracia, diálogo, tolerância e paz”. 

O piauiense Ciro Nogueira, ministro da Casa Civil do governo de Bolsonaro disse que o presidente não tem culpa do assassinato de um petista por um de seus eleitores. Nas redes sociais, nem o líder do centrão, nem Sílvio Mendes – pré-candidato ao governo do Piauí pelo União Brasil – se pronunciou sobre os episódios violentos. Procurada, a assessoria dos políticos não respondeu às nossas mensagens. 

A corrida eleitoral para outubro encontra agora um esgarçamento do tecido democrático – e todos os dias os limites estão sendo ainda mais empurrados, podendo correr o risco de não resistir mais. “A situação é tensa, e demanda cuidado”, analisa Gonçalves, que também alerta para o fato de que o clima tenso não terminará com as eleições. “Teremos que viver ainda um longo período de atenção – e tensão”, antecipa. “Seja qual for o resultado das eleições, ainda haverá muito a se fazer”. 

domingo, 24 de novembro de 2024

Luana Sena

Jornalista, mestra e doutoranda em comunicação na Universidade Federal da Bahia.

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