sábado, 4 de maio de 2024

Vultos da pandemia

Dois anos após vacina contra Covid-19 ser aplicada no Piauí, Emídio Matos relembra conquistas da ciência no combate ao negacionismo

18 de janeiro de 2023

Edição Luana Sena

Durante a pandemia da Covid-19, o professor e cientista Emídio Matos liderou um grupo de estudos em saúde pública na Universidade Federal do Piauí (UFPI). O grupo, que já existia antes da crise sanitária, foi responsável por entender os números da doença, as condições epidemiológicas no estado e possíveis drogas para tratamento. Foi também a equipe de pesquisadores que montou um plano de enfrentamento institucional, para conseguir treinar profissionais da saúde a atuarem dentro das unidades hospitalares no Piauí. “Hoje parece básico, mas precisávamos capacitar os trabalhadores da saúde para garantir que eles não seriam infectados”, relembra.

Passados dois anos do anúncio da pandemia e um ano após a primeira pessoa ser vacinada contra a doença no Piauí, hoje, o estado tem a maior cobertura vacinal para influenza e Covid-19 do Brasil – superando a cobertura em países desenvolvidos. Emídio alerta para o futuro da ciência e das civilizações frente às crises climáticas, ambientais e de governança. Ele destaca o papel do Sistema Único de Saúde (SUS) e os desafios da ciência e saúde pública, frente aos efeitos deixados pelo negacionismo da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro no Governo Federal. 

Depoimento de Emídio Matos à repórter Vitória Pilar:

“Foi exatamente no dia 18 de janeiro de 2021, um dia depois da votação do Comitê de Ética da Anvisa sobre a liberação do uso emergencial das vacinas, que os estados anunciaram a chegada dos primeiros imunizantes. Cada segundo importava, desde acompanhar os primeiros lotes com as vacinas desembarcando, a escolha dos primeiros a receberem a vacina. Parecia Copa do Mundo. O país parou.

É importante ressaltar que só houve vacinas produzidas em tempo recorde por conta de uma compreensão coletiva sobre a Ciência naquele contexto. Se antes as pesquisas eram feitas de forma sigilosa, agora cientistas no mundo inteiro compartilham em tempo real seus avanços em prol da vacina e das mutações do vírus. Foi uma mudança realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), por meio do Comitê de Ética, que se instalou para ficar. 

O SUS (Sistema Único de Saúde) também concentra um papel de importância nesse momento. Nosso programa de imunização, instituído desde 1973, é um dos poucos no mundo que capacita profissionais para distribuir e aplicar vacinas em regiões de difícil acesso em um país de dimensões continentais como o Brasil. O resultado disso é que, países considerados de primeiro mundo, como França, Bélgica e Áustria, ainda não conseguiram alcançar patamares de imunização que nós já alcançamos. 

Conseguimos fazer muito, mesmo com escassez. Havia uma preocupação de quem seriam os primeiros vacinados, porque o Brasil, frente ao negacionismo, abriu mão de comprar vacinas no período certo. A gente não pode esquecer jamais que havia um Governo Federal que usou sua estrutura contra o SUS, contra as vacinas e contra a Ciência. Ainda não sabemos dimensionar a batalha que tivemos que enfrentar. A chegada dessas vacinas foi uma vitória do conhecimento, da Ciência e contra uma estrutura de estado que negava a vida. 

É possível que a gente tenha uma mudança profunda de postura nos próximos quatro anos. Pela primeira vez, temos uma mulher à frente do Ministério da Saúde: Nísia Trindade. É a primeira mulher, primeira não-médica, uma cientista renomada à frente desse ministério. Não é à toa que, como prioridade da pasta, haverá uma grande campanha nos próximos meses contra a Gripe e a Covid-19, para estimular a população à imunização, recuperando o prejuízo que tivemos. A valorização da Ciência e, sobretudo, da verdade, aos poucos volta a se impor.

Uma pandemia não era novidade para quem estudava o vírus. A nossa relação de consumo predatória está destruindo o meio ambiente. Essa pandemia é fruto desse desequilíbrio. Não podemos esquecer que a Covid-19 chega num contexto de crise climática mundial, crise migratória. Teresina, por exemplo, tem indígenas venezuelanos morando nas esquinas da cidade. Além disso, há uma crise de governanças nos últimos anos, com personalidades como Donald Trump, Bolsonaro, ambos negacionistas, liderando grandes nações. Foi nesse abismo que um vírus desconhecido nos encontrou. 

A gente tem um novo cenário. Felizmente, a pandemia possibilitou que mais pessoas pudessem entender o que significa o SUS. Pessoas de todas as classes sociais percebem a importância de engajar e valorizar esse lugar de produção da Ciência. Mesmo diante de um novo contexto, é importante que esse cenário de valorização se materialize e se traduza em práticas. Não adianta valorizar apenas em palmas. O desafio é avançar nessa discussão e agora, mais do que nunca, com uma população imunizada, com produção de vacinas e queda da letalidade. Isso é uma vitória gigantesca. Eles passarão, nós passarinho.”

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