Maria, Joaquina, Teresa, Graça e vários outros são os nomes das cerca de 11,5 milhões de mulheres no país que educam, lavam, passam, alimentam, pagam contas e cuidam sozinhas dos filhos e das tarefas domésticas. Um trabalho desigual, solitário, exaustivo e sutilmente amenizado através de termos elogiosos como “forte e guerreira”.
Esta sobrecarga foi acentuada com a pandemia provocada pelo coronavírus, como comprova pesquisa do Instituto Think Olga, que identificou o aumento de atividades desempenhadas por mulheres nos serviços de cuidado, o trabalho dedicado ao bem-estar do outro. Segundo a pesquisa, 50% das mulheres passaram a cuidar de alguém durante a crise sanitária – um trabalho não remunerado e invisível destinado às crianças, idosos, pessoas com deficiência e também a adultos saudáveis.
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Além do aumento do trabalho, outro fator que chama atenção é a desigualdade na atuação e divisão destas atividades entre homens e mulheres. O Instituto Nacional de Pesquisa Brasileira (IBGE) apontou que em 2019 as mulheres dedicavam quase o dobro do tempo que os homens em afazeres domésticos. Enquanto homens cumpriam semanalmente 11 horas dedicadas a serviços de cuidado, às mulheres cabia a dedicação por nada menos que 21 horas.
No dia 9 de março, dias antes do início das ações de lockdown em Teresina, Daniely Marques, escritora, secretária, nutricionista, professora e mãe solo da Iasmim, de nove anos, recebeu o diagnóstico de transtorno do espectro autista (TEA) da filha. Consequentemente, durante o ano de 2020, Dani acumulou o início da terapia, aulas da filha, afazeres domésticos e atendimentos às suas clientes, além dos cuidados com os pais – que também moram com ela.
A escritora afirma que se sente desgastada e sem tempo para ela mesma. “A gente nunca pensou que iria passar por uma pandemia, mas sobrecarregou demais”, comenta. “Está muito cansativo, um cansaço que triplicou, estou exausta”, desabafa. “Tem sido muito exigente fazer o básico para ela (Iasmin), as minhas coisas ficam de lado e o pouco que faço pra mim, ainda é por ela”, complementa.
Toda essa sobrecarga física e mental acabam ampliando o desejo por necessidades básicas. “Queria dormir até tarde, ler. Queria ter liberdade para assistir séries. Coisas simples”, comenta a escritora. Para ela, a palavra que resume a situação de mães que desempenham sozinhas o trabalho de cuidar dos outros durante a pandemia é: cansaço.
“Tive um dia cheio, cansativo, como todos nos últimos anos. Divido-me pra tentar dar conta de várias funções: a de mãe, a do lar, a profissional. Algumas ficam incompletas, mas, no final do dia, quando olho pra casa, e pros viventes dela, contemplo-os vivos – de bucho cheio, vejo que 99% da meta foi atingida.”
(Reprodução: Textos Feitos Em Momentos (In) Oportunos)
Uma maneira que Daniely encontrou para externar suas angústias foi a escrita, um escape para ela antes mesmo da pandemia. Atualmente, Dani Marques, como assina seus textos, está escrevendo contos de ficção, mas em seu livro “Textos Feitos Em Momentos (In) Oportunos”, retratou alguns poemas sobre os prazeres da vida materna, dores invisíveis, afazeres em casa e até mesmo um pedido em forma de poema: “Não me felicitem pelo dia dos pais e não me chamem de pãe”.
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Do outro lado do estado, curtindo férias sozinha, está Alice Tatiana, enfermeira e mestra em Epidemiologia. Ela é uma das profissionais que trabalham na linha de frente do combate à Covid-19 em Teresina. É mãe solo da Heloísa (18) e do Moisés (13) e, apesar das alterações advindas com a pandemia, percebe que sua rotina não foi tão modificada, já que sempre trabalhou em dois hospitais.
Alice encara a maternidade sem culpa, mas aponta que o fator mais desgastante não tem relação com a criação dos filhos, mas ao julgamento social. “Quando uma pessoa vem fazer um ajuste em casa sempre tem uma pontinha de desrespeito, uma tentativa de flerte, cobra mais caro ou trata você como incapaz”, comenta, referindo-se a situações em que precisa recorrer a algum serviço executado por homens. “A sociedade é bem cruel com as mães solos”.
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