domingo, 24 de novembro de 2024

Menos câmera, mais ação

Além da desigualdade, políticas de gênero precisam superar baixa representatividade e adesões meramente simbólicas

08 de março de 2022

O plenário da Câmara dos Vereadores de Teresina, onde acontecem as principais votações sobre as leis e decisões do município, costuma estar cheio de parlamentares e trabalhadores da imprensa nos dias úteis. Mas, no dia 6 de dezembro de 2021, uma segunda-feira, atipicamente, estava quase vazio. Apesar das poucas pessoas presentes, uma atividade estava prevista na agenda para aquela manhã: por lá, seria realizado o ato simbólico de adesão à campanha Laço Branco, que tenta angariar homens na luta pelo fim da violência à mulher. Durante a ação, um broche com um laço branco seria alfinetado nos ternos dos homens – estes também assinariam um termo de compromisso para projetos e ações voltados ao enfrentamento das violências contra mulheres na capital. Dos 24 vereadores homens de Teresina, apenas três estavam presentes (Renato Berger, Evando Hidd e Enzo Samuel).

A ausência não passou despercebida pelas servidoras da Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres (SMPM), e de integrantes do movimento social que mobilizaram e articularam o ato. Tatiana Seixas, presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, avaliou que a falta de presença masculina, em um evento para eles, demonstra a caminhada solitária que mulheres têm feito ao longo dos anos pelo fim das desigualdades, principalmente quando se tenta avançar dentro da política. 

A falta de participação dos vereadores não ficou apenas no plenário. Ainda em 2021, nenhum parlamentar encaminhou emendas ou projetos específicos para combater violências contra às mulheres na capital, tampouco para outras políticas de gênero. “Política se faz com vontade e dinheiro”, declarou Tatiana. “Vontade não falta, mas sem dinheiro, não vai ter política”, prosseguiu. “É tanto que, a maioria dos vereadores escolheram ir para uma solenidade no Hospital São Marcos”, disse, se referindo à explicação dada pelo vereador Evandro sobre a ausência dos outros parlamentares. “É justo, porque saúde se faz com política. Mas e as mulheres, quando terão vez?”, perguntou a presidente do Conselho das Mulheres. 

Não é de hoje que a pauta feminina tem mobilizado campanhas e trilhos na política. Apesar da política ser representada, em sua maioria, por homens, brancos e cis, a tendência popular tem mudado. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos constatou que os brasileiros querem mais mulheres em cargos políticos. O levantamento traz uma tônica entre os participantes: os eleitores acreditam que as mulheres possuem mais capacidade de gerir e tomar decisões públicas. Dos 28 países onde a pesquisa aconteceu, 18 concordaram que o mundo seria mais pacífico se houvesse mais mulheres nas lideranças políticas. 

Na prática, essa mudança acontece a passos lentos. Em 2018, houve recorde de participação feminina nas eleições – o Brasil possui uma baixa representatividade das mulheres na política: apenas 15% dos cargos no senado e câmara dos deputados, 13% nas prefeituras e apenas uma mulher ocupando cargo como governadora: Maria de Fátima Bezerra, do Rio Grande do Norte.

No Piauí, das 30 cadeiras na Assembleia Legislativa (Alepi), somente quatro são ocupadas por mulheres – representando 13,33% da casa. O número se assemelha ao da Câmara Municipal de Teresina, onde apenas cinco mulheres foram eleitas para ocuparem o cargo de vereadora, representando pouco menos de 17%. Em todo o estado, apenas 28 mulheres foram eleitas como prefeitas – o número representa apenas 12,5% dos 224 municípios. Além disso, foi apenas em 2014 que a primeira mulher foi eleita vice-governadora do Piauí, Margarete Coelho. O cargo atualmente é ocupado por Regina Sousa. 

oestadodopiaui.com realizou um levantamento para identificar o que os representantes piauienses, deputados e deputadas estaduais, federais e senadores, haviam feito pelas causas das mulheres. Por meio do acesso ao Sistema de Apoio ao Processo Legislativo da Assembleia Legislativa do Estado do Piauí (SAPL), a reportagem consultou todos os Indicativos e Projetos de Lei de autoria dos deputados estaduais ativos da casa, por meio da seleção daqueles que possuem na emenda palavras-chaves relacionadas às questões das mulheres: 56,6% dos deputados estaduais nunca submeteram projetos sobre a temática.

Leia mais: 56,6% dos deputados estaduais nunca submeteram projetos sobre direito das mulheres

Dos 30 ativos, 17 deputados estaduais não submeteram nenhum indicativo ou Projeto de Lei relacionado aos direitos das mulheres desde o início do mandato, em janeiro de 2019. Com base no ranking do Elas no Congresso, projeto que usa dados públicos do Congresso Nacional para monitorar os direitos das mulheres no poder legislativo, dos dez deputados federais piauienses, seis deles submeteram projetos relacionados à temática.

Ainda dentro do parâmetro da política piauiense, os poucos cargos representados por mulheres, carregam sobrenomes de políticos homens conhecidos. O historiador Ricardo Arraes apontou que essa herança familiar não é mera coincidência. “Todas são esposas de prefeitos, deputados, senadores e do governador”, observa. “Elas não se inserem na política, elas são inseridas”.

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Em geral, pautas voltadas para o combate à violência contra às mulheres aparecem entre os projetos de lei dos parlamentares que propuseram ações para o gênero feminino. Na sequência, ações voltadas aos direitos no mercado de trabalho e à maternidade lideram as prioridades dos deputados estaduais e federais. Não apenas entre os eleitos, mas para pré-candidatos que visam enfrentar o pleito, as mesmas pautas têm dado o tom geral quando o assunto é pensar políticas de gênero. 

No entanto, é preciso mais que discurso e uma representatividade meramente ilustrativa. Isso porque, para a pesquisadora em gênero, com ênfase em participação social, Gabriela Santos, a adesão de mais mulheres na política não necessariamente implica mudanças na estrutura de poder. Ela explica que nossa sociedade possui estruturas, e mesmo que haja um quadro feminino, se não houver um engajamento para provocar e cobrar medidas efetivas que alterem a estrutura de vida das mulheres mais desamparadas e vulneráveis, não haverá mudança. 

Para tanto, Gabriela destaca que boa parte das medidas voltadas para o combate às violências é um passo positivo – tendo em vista que ainda é a violência física, sexual e psicológica o maior medo comum entre as mulheres. Porém, é preciso que haja programas e serviços voltados para o fortalecimento de mulheres no aspecto financeiro e social. “A violência também é acompanhada de outras vulnerabilidades, portanto, prestar o atendimento à violência só resolve o problema depois que ele acontece”, destaca a pesquisadora. “Para que haja uma plena aplicação das políticas de gênero, é preciso pensar de baixo para cima, mas de uma forma que leve toda a sociedade a entender que desigualdade de gênero é um problema que todos têm responsabilidade”, complementa. 

Gabriela também chama atenção para o fato das pautas de gênero terem se tornado um palanque político. Com o avanço das discussões feministas – aquecida, em grande parte, pela internet – houve também uma maior adesão de políticos e pré-candidatos a essas falas que, no entanto, pouco se traduzem na prática. “A política de gênero é bonita em slogans e debates. Na execução, ela é lenta e dispendiosa”, analisa. “Não é natural que mesmo com mais pessoas se nomeando ‘pró-mulher’ haja cada vez menos mulheres em espaços de representação, e menos ações voltadas para esse público”, finaliza.

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Categorias: Reportagem

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