Com pouco mais de sete anos, um menino de cabelos escuros conhecia pela primeira vez o Theatro 4 de Setembro. Na década de 1980, o lugar ainda vivia certo auge. Entre o palco e a plateia, nascia uma história de amor: Thanis Killian – é assim mesmo que está no RG – ainda criança, sonhava em ser, ele mesmo, o espetáculo. “Era como se minha vida fosse o show, às pessoas o meu público e a homenageada, Teresina”, conta.
Depois desse dia, Thanis não quis mais saber de outra coisa que não fosse respirar arte. É figurinha carimbada em espetáculos e shows pela cidade. Nos últimos anos, tem ido menos aos eventos noturnos. A violência no centro à noite tem aumentado, principalmente na porta do teatro, quando as luzes se apagam. A suspeita de Thanis não é só impressão: a capital piaueiense é uma das 50 cidades mais violentas do mundo, apontou um relatório mexicano. Certa vez, sua popularidade lhe salvou de um assalto na saída do teatro. “O bandido viu que era eu e pediu pra tirar uma foto”, relembra o caso isolado. “Não levou minha bolsa, me abraçou e foi embora”.
Thanis bem que quis ser ator, mas terminou como dançarino em bandas de forró. As noites em shows lhe renderam um cisto abaixo dos testículos. O dinheiro era pouco (menos de R$200 por noite) – mas o trabalho era muito. Precisou passar por uma cirurgia e, por conta de um erro médico, passou quase dois anos em uma cadeira de rodas. Ninguém imagina que este homem de cabelos compridos praticamente onipresente nas andanças por Teresina, teve, um dia, impossibilitado de caminhar.
Passada a tempestade, hoje, onde há qualquer festa, muvuca, evento, aglomeração, a figura de cabelos escuros parece escorregar entre anônimos e famosos, câmeras e celulares. Em atrações de artistas, políticos e figuras públicas conhecidas, Thanis consegue driblar seguranças e realiza feitos de chegar pertinho das estrelas – e quase sempre, até roubar esse holofote. Não gosta quando dizem que Teresina não tem cultura ou identidade cultural. Pelo contrário: defende que há eventos, mas as pessoas não se propõem a conhecer ou valorizar o esforço de produtores culturais locais. No próprio teatro, diz, há dias em que as cadeiras estão quase vazias, mesmo com o espetáculo acontecendo.
Os shoppings, argumenta, trazem algo que todo teresinense gosta: o ar-condicionado mais frio da cidade. “Tem de tudo: gente linda, gente feia, gente zangada, gente feliz”, comenta. A população que não mora nas imediações nobres da zona Leste, como Thanis, tem dificuldades para acessar esses lugares. Junto à falta de ônibus e insegurança urbana, para ele, até faz sentido quando alguém diz que Teresina não tem nada. “Muita gente não vai porque gosta de reclamar, outra parte, é que não consegue mesmo. Nisso eu entendo bem”, reforça.
Para custear a vida de celebridade, Thanis precisa ralar. Atualmente, ele faz parte das 27 mil pessoas que trabalham de forma informal no Piauí, segundo o IBGE. Não foi por falta de estudo que o desemprego bateu à sua porta. No currículo, desponta com 19 cursos profissionalizantes. Já foi de um tudo: auxiliar administrativo, secretário, oficce-boy, camelô, sacoleiro, atendente e entregador de panfletos no sinal. Viveu tempos áureos sendo animador de festas, onde era contratado para ser o que já faz com certa naturalidade nas tardes de sábado pelo shopping: animar.
Thanis quer terminar o curso de radiologia, mas também pensa em ser psicólogo. “Imagina você chegar em um consultório e o doutor e ser o Thanis. Eu vou dizer: ‘I am, crazy, uau! Sou eu”.
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Essa reportagem faz parte da série “Corisco”, reportagens-retratos com perfis anônimos que compõem o cotidiano urbano da cidade. Os textos são assinados por Vitória Pilar, com edição de Luana Sena, direção de arte de Aline Santiago e fotografias de Regis Falcão.
1 comentário
Livia · 16 de agosto de 2022 às 11:00
Parabéns pelo trabalho! Isso está incrível! O Estado do Piauí é o maior de todos.